Tarifas. Trump chama UE a comprar energia em quantidades que ameaçam soberania energética

Apesar de ser possível que a UE compre mais energia, nomeadamente gás, aos EUA, Trump propõe que o bloco compre quantidades que deixariam a UE dependente, alertam alguns especialistas.

No meio do frenesim que são os avanços e recuos do presidente norte-americano no que toca à política comercial, Donald Trump afirmou que poderia baixar as tarifas impostas à União Europeia caso o bloco comprasse 350 mil milhões de dólares (312 mil milhões de euros) em energia aos Estados Unidos. “Temos um défice com a União Europeia de 350 mil milhões de dólares e vai desaparecer rapidamente”, assegurou o presidente norte-americano no final de segunda-feira, cita o Politico.

A resposta não tardou. Na terça-feira, o comissário europeu da Energia, Dan Jorgensen, afirmou que o aumento das importações norte-americanas de gás é “claramente, uma possibilidade”, declarações feitas no âmbito do evento Energy Summit, que decorreu em Bruxelas.

É juntar a fome à vontade de comer”, resume Nuno Ribeiro da Silva, consultor na área de energia, relembrando que “uma das máximas do presidente norte-americano é estimular a exploração de hidrocarbonetos, o drill baby drill”, e que o consumo de gás na Europa tem tendência a aumentar, sendo que este combustível fóssil fará parte do cabaz energético “durante muito tempo”.

Neste sentido, o consultor considera que “o gás natural pode ser uma excelente ferramenta para equilibrar a balança comercial que é atualmente desfavorável aos Estados Unidos face à Europa”, o que é uma preocupação de Trump.

Gonçalo Aguiar, engenheiro eletrotécnico, aponta ainda que “existe margem para os EUA exportarem mais quantidade para a UE”, pois o volume de gás natural liquefeito (GNL), atualmente entregue, ao Velho Continente representa apenas 42% das suas exportações deste gás.

Contudo, os 350 mil milhões de dólares – cerca de 312 mil milhões de euros – que estão em cima da mesa são exigentes, na medida em que a Europa importou, em 2024, um total de 375,9 mil milhões de euros em produtos energéticos – gás e petróleo – com origem em diferentes partes do mundo. Ribeiro da Silva é perentório: “Trump não sabe fazer contas”.

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“Os Estados Unidos foram os principais substitutos do aprovisionamento de gás à Europa após a diminuição das compras à Rússia”, na sequência da guerra na Ucrânia, relembra o consultor. Os Estados Unidos eram em 2024 a principal origem de gás natural liquefeito, sendo responsáveis por 45,3% do valor destas importações, seguidos da Rússia e Algéria.

No que toca ao petróleo, os Estados Unidos também são o principal país de origem das importações europeias, embora a quota seja de apenas 16,1%.

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Já no que diz respeito ao gás natural em estado gasoso, que chega por gasoduto, o mapa é naturalmente diferente, com a Noruega a encabeçar a lista – 45,6% –, seguida da Argélia e Rússia, e sem lugar para os Estados Unidos, que não têm ligação à Europa por esta via.

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Trump sugere que a Europa se torne praticamente dependente dos EUA em termos energéticos, o que não só é fisicamente impossível, pois não existe capacidade de importação de gás natural via navio a esta escala, como também seria um erro estratégico para o continente europeu”, defende Gonçalo Aguiar.

Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, concorda que “esta dinâmica levanta questões sobre a soberania energética europeia” e entende que “uma expansão ilimitada não é desejável, pois pode criar uma nova dependência estratégica, sobrecarregar infraestruturas e comprometer os objetivos climáticos da UE”.

Dan Jorgensen, comissário europeu com a pasta da EnergiaEPA/RONALD WITTEK

Apesar da anuência face à sugestão de Trump, o próprio comissário europeus ressalvou que a Europa não quer colocar-se numa nova situação de dependência em termos energéticos, como aconteceu no passado em relação à Rússia. “Não queremos estar nas mãos de ninguém que nos possa fechar o acesso à energia”, rematou.

Desde que a guerra na Ucrânia teve início, as importações de gás russo reduziram-se de 45% para 13%, mas o comissário europeu com a pasta da energia defende que “é preciso fazer mais”.

Alguns países europeus, enumera o Politico, contrariam contudo a hipótese de aumentar as importações na medida em que, esta terça-feira, advocaram que se deveriam baixar as metas definidas na UE para o armazenamento de gás. Foi o caso da Alemanha, França, Itália, Áustria, Hungria, Eslováquia e Países Baixos.

Todos querem que a meta desça do preenchimento obrigatório em 90% das reservas para 80%. O argumento? Os 90% estão a “condenar” os Estados-membros a comprar volumes de gás muito elevados, numa altura em que esta compra sai cara.

Para Nuno Ribeiro da Silva, esta posição não colhe: “Ter reservas custa caro. Mas são absolutamente necessárias”, na medida em que dão a segurança à indústria para que esta não pare, ao sistema elétrico quando as renováveis falham, e garantem o aquecimento de muitas casas no inverno. Com a instabilidade internacional, “a Europa tem mesmo de ter reservas“.

Apesar de a Europa precisar de gás nos próximos tempos, o caminho de longo prazo é a aposta nas energias renováveis e na melhoria da eficiência energética das redes, relembrou Jorgensen.

Paulo Rosa acredita que “a proposta mais sensata” seria a UE garantir contratos flexíveis com parceiros relativamente confiáveis no curto prazo, incluindo os Estados Unidos, enquanto acelera o investimento em renováveis, hidrogénio verde e interligações energéticas para reforçar a autonomia a longo prazo, devendo também ponderar novamente o investimento na energia nuclear como fonte estável e de baixo carbono no mix energético futuro.

Compensa importar mais?

“O gás liquefeito [que os Estados Unidos exportam] é sempre mais caro do que gás na forma gasosa”, reconhece Nuno Ribeiro da Silva.

Paulo Rosa, do Banco Carregosa, indica que o fornecimento norte-americano de GNL tem-se revelado competitivo, sobretudo em contratos de médio a longo prazo. Contudo, se o aumento das importações for feito com base em compras no mercado spot, sujeito a flutuações e tensões geopolíticas, os preços podem manter-se voláteis.

Para a importação de gás natural liquefeito ser benéfica para a UE, na visão de Gonçalo Aguiar, o preço a ser acordado teria de ser muito inferior ao preço praticado hoje em dia nos mercados spot e inferior, também, ao preço médio exportado dos Estados Unidos, que em 2024 marcou em média nos 37 euros por megawatt-hora.

Isto porque o custo de extração e transporte do GNL americano entregue na Europa marca, em média, os 28 euros por MWh e o gás por gasoduto vindo, por exemplo, da Noruega tem um custo abaixo de 10 euros por MWh. Neste sentido, “contratualizar a importação de mais gás natural liquefeito iria aumentar os custos médios do gás europeu”.

“O gás canalizado de países vizinhos (como a Noruega ou Argélia por gasoduto) pode ser mais barato, devido a custos logísticos mais baixos. Ainda assim, a capacidade desses fornecedores é limitada, o que torna o GNL americano uma alternativa relevante“, considera Paulo Rosa. “Como a Rússia está sujeita a sanções, temos mesmo que ir buscar gás sob a forma líquida”, indica Ribeiro da Silva.

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