EUA cortam apoios a faculdades portuguesas e enviam questionário com 36 perguntas “intoleráveis”

  • Lusa e ECO
  • 11 Abril 2025

Estados Unidos cancelam financiamento aos "American Corners" que funcionam em seis faculdades portuguesas. Universidades receberam questionário sobre as "agendas climáticas" ou "ideologias de género".

O Governo dos Estados Unidos cancelou ao Instituto Superior Técnico (IST) um programa que permitia ter nas suas instalações um espaço de divulgação da cultura americana, tendo a instituição portuguesa sido questionada sobre ligações a organizações terroristas.

O presidente do IST, Rogério Colaço, disse à Lusa que recebeu em 5 de março a comunicação do cancelamento com “efeito imediato” do programa “American Corner” e, no mesmo dia, um inquérito com “questões bastante desadequadas” sobre se o IST colaborava ou não, ou era citado ou não em acusações ou investigações envolvendo associações terroristas, cartéis, tráfico de pessoas e droga, organizações ou grupos que promovem a imigração em massa.

“O Técnico respondeu que não iria responder ao questionário porque não se adequava a uma instituição de ensino superior pública sujeita a escrutínio público e legal de um país democrático membro da União Europeia”, afirmou Rogério Colaço.

Segundo o presidente do IST, a comunicação do cancelamento do programa, seguida de um questionário, cita uma determinação emanada do Departamento de Estado norte-americano.

O Técnico respondeu que não iria responder ao questionário porque não se adequava a uma instituição de ensino superior pública sujeita a escrutínio público e legal de um país democrático membro da União Europeia.

Rogério Colaço

Presidente do IST

Há seis “espaços americanos” ou “american corners” em Portugal, que são financiados pelo Governo norte-americano e que a Embaixada dos Estados Unidos em Lisboa descreve como “centros de informação e cultura”.

Além do IST, as universidades dos Açores, Aveiro, Porto (Faculdade de Letras), Lisboa (Faculdade de Letras) e Nova de Lisboa (Faculdade de Ciências e Tecnologia) têm estes espaços.

Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior TécnicoInstituto Superior Técnico

No caso do IST, o “American Corner” funcionava há mais de dez anos e, de acordo com Rogério Colaço, promovia palestras, encontros e atividades de “divulgação e de cariz científico”. O financiamento anual rondava os 20 mil euros.

O diretor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL), Hermenegildo Fernandes, disse à Lusa que recebeu o mesmo questionário, que o deixou estupefacto pela “dimensão do descaramento” das perguntas, nomeadamente sobre “agendas climáticas”, se a instituição tinha “contactos com partidos comunistas e socialistas” ou “relações com as Nações Unidas, República Popular da China, Irão e Rússia” e o “que fazia para preservar as mulheres das ideologias de género”.

A faculdade optou igualmente por não responder ao questionário, notando que “a sua dependência é com as políticas científicas de Portugal e da União Europeia”, adiantou o diretor da FLUL, sem clarificar se o programa “American Corner” foi cancelado ou não à faculdade, que tem um “espaço americano” a partilhar instalações próximas com o Instituto Confúcio, entidade oficial da China que promove a cultura e a língua do país.

Contactada a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, a direção da instituição indicou à Lusa, sem mais detalhes, que o “American Corner” é “um projeto anual que terminará em setembro”. “Estamos a avaliar a hipótese de nos candidatarmos à continuação do projeto ou não”, acrescentou a faculdade numa breve declaração.

Como o ECO avançou em primeira mão, a embaixada norte-americana em Lisboa enviou também cartas às empresas portuguesas com contratos públicos com os Estados Unidos, de forma a forçá-las a abandonar as políticas de diversidade, equidade e inclusão.

Questionado sobre se esta atitude não representa uma intromissão na economia portuguesa, o ministro Pedro Reis foi evasivo e não quis tomar uma posição firme sobre o tema, com o governante a preferir “encontrar pontos de discórdia”. Pelo contrário, como sublinharam também na quinta-feira, os empresários portugueses recusam “ir a reboque dos humores” dos EUA.

Reitores denunciam perguntas “intoleráveis”

Segundo Paulo Jorge Ferreira, reitor da Universidade de Aveiro e presidente do Conselho de Reitores, as seis universidades portuguesas que até agora têm beneficiado de financiamento dos EUA, através do programa “American Corner”, receberam uma inesperada comunicação da embaixada norte-americana, com a rescisão unilateral das subvenções em vigor, caso não fosse preenchido um formulário com perguntas tidas como “inadequadas”.

Do mesmo figuravam perguntas como “se não trabalham com entidades associadas a partidos comunistas, socialistas, ou totalitários”, ou ainda se receberam financiamento da República Popular da China, incluindo os institutos Confúcio, da Rússia, Cuba, ou Irão.

“O Conselho de Reitores discutiu o assunto e as perguntas, pela sua natureza, configuram uma intromissão intolerável na autonomia das instituições e na sua liberdade de investigação e da ação académica”, disse à Lusa.

Concedo totalmente ao financiador a legitimidade para decidir continuar ou cessar esses financiamentos, mas o que não me parece correto é condicionar as instituições ou pedir-lhes que informem acerca de coisas que são ofensivas para a sua independência e para a sua liberdade académica.

Paulo Jorge Ferreira

Presidente do Conselho de Reitores

Paulo Jorge Ferreira salienta que o programa American Corner “tem mais de dez anos de atividade, sem qualquer incidente, e tem sido impulsionador na comunicação da Ciência”.

No caso de Aveiro, o reitor diz que “o valor do financiamento é pequeno” e tem até a ver com o interesse americano na promoção da cultura americana.

“Concedo totalmente ao financiador a legitimidade para decidir continuar ou cessar esses financiamentos, mas o que não me parece correto é condicionar as instituições ou pedir-lhes que informem acerca de coisas que são ofensivas para a sua independência e para a sua liberdade académica”, reagiu.

Embaixada garante programas que “promovam objetivos comuns”

“Temos excelentes relações com todos os seis ‘american corners’ e continuaremos a colaborar numa série de programas e iniciativas que promovam os nossos objetivos comuns”, disse a porta-voz da embaixada norte-americana em Lisboa, Marie Blanchard, sem responder diretamente a uma questão da Lusa, mas enaltecendo que os espaços americanos “demonstram o poder inigualável dos Estados Unidos como líder económico e de inovação”.

A Lusa questionou a embaixada se, no seguimento dos cortes anunciados pela administração Trump ao financiamento de universidades e agências científicas, o programa “American Corner” iria ser afetado, e em que moldes.

De acordo com o portal da Embaixada dos Estados Unidos em Portugal, os “espaços americanos” totalizam mais de 600 em mais de 140 países e estão localizados, designadamente, em universidades, centros comerciais, bibliotecas e instalações de embaixadas.

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