Transformar restos de fruta em farinhas com tecnologia verde e portuguesa. Agrogrin Tech já olha além fronteiras

A empresa fundada por Débora Campos transforma resíduos de fruta em produtos como farinha. Apesar de dar agora o primeiro salto na escala em Portugal, já está a planear fábricas noutros países.

A Agrogrin Tech é uma startup portuguesa que se dedica a valorizar resíduos de fruta. A fundadora e CEO, Débora Campos, foi recentemente distinguida a nível europeu pelo papel na inovação que serve de base à atividade da sua empresa. Em conversa com o ECO/Capital Verde, explica a tecnologia que tem vindo a desenvolver com a sua equipa, ao longo dos últimos dez anos, e onde pretende chegar: a outros continentes, da Ásia à América Latina, gerindo um total de seis unidades e a arrecadar 200 milhões de faturação anual. Para já, está a caminho do breakeven na unidade que já possui em Portugal.

No início de abril, Débora Campos venceu a categoria Liderança Feminina EIT do Prémio Europeu Mulheres Inovadoras, uma iniciativa conjunta do Conselho Europeu de Inovação (CEI) e do Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (EIT). O prémio foi-lhe entregue devido ao trabalho desenvolvido na sua empresa, a Agrogrin Tech.

O berço da Agrogrin Tech foi o doutoramento de Débora Campos, que se dedicava à Biotecnologia e Ciências Alimentares quando recebeu um desafio da orientadora de tese, Manuela Pintado: trabalhar na valorização dos resíduos do processamento de ananás, um repto lançado pelo grupo empresarial Luís Vicente. O desafio não agradou logo à investigadora, a quem pareceu um passo atrás face à investigação que estava a fazer com base em nanotecnologia.

Após a primeira resistência, acabou por aceitar, e desenhou uma estratégia de valorização com o objetivo de aproveitar a totalidade destes resíduos, com base numa tecnologia de separação de enzimas que hoje está patenteada. O que é que tem de especial? É que foi uma das primeiras tecnologias que separam as enzimas de forma “verde”: em vez de usar químicos no processo usa polissacarídeos, um tipo de hidratos de carbono muito presente na natureza. Encontram-se na fruta, em algas ou crustáceos, por exemplo.

É neste contexto que, em 2019, a investigadora do Centro de Biotecnologia e Química Fina da Universidade Católica do Porto, Débora Campos, decide criar a Agrogrin Tech, para depois se juntarem a si como sócios Ana Vilas Boas e Ricardo Gómez, dois colegas de laboratório. Vilas Boas é agora chefe de produto da empresa, encarregando-se da comercialização, e Ricardo Gómez é o responsável por adaptar a ‘receita científica’ a diferentes tipos de fruta. Porque a empresa começou por valorizar resíduos do processamento de ananás — as cascas que são descartadas quando este é vendido seco ou já cortado — mas tem capacidade para replicar o mesmo em restos de maçã ou batata.

A nossa linha de transformação é agnóstica. Com o mesmo investimento podemos transformar qualquer coisa“, explica Débora Campos, indicando que o equipamento usado é sempre o mesmo. São adaptados apenas alguns parâmetros consoante a matéria-prima, como a temperatura ou o pH.

Do processo de valorização de resíduos de fruta podem resultar três produtos: farinhas sem glúten, extratos de enzimas (usados na indústria farmacêutica) e aditivos naturais, que podem conferir cor e sabor aos alimentos. Questionada sobre se os preços são competitivos face às alternativas, Débora Campos aponta para um preço médio de 16 euros por quilo entre as três tipologias de produto, pelo que reconhece que, numa análise direta, o produto que oferece é mais caro. Contudo, ressalva que a farinha que produz, tendo o valor acrescentado de funcionar também como substituta de conservantes e antioxidantes, acaba por ter um caso económico mais favorável, ao simplificar o processo produtivo dos clientes pois oferece um “três em um”.

De Portugal para o mundo

A empresa tem vindo a crescer. “O desafio inicial era trabalhar em laboratório e o desafio atual é fazê-lo em maior escala”, explica a fundadora. A Agrogrin Tech passou de uma escala inicial de 10 a 100 litros para uma capacidade, ao dia de hoje, de 500 a 1000 litros e, até ao final do ano, querem posicionar-se no intervalo dos 3000-5000 litros de matéria transformada.

A Agrogrin Tech investiu 700.000 euros numa fábrica que tem capacidade para entregar até 30 toneladas de produto finalizado ao ano, mas que, para já, só está a trabalhar a metade da capacidade. Já vende produto à indústria alimentar, trabalhando por exemplo com empresas de papas de aveia saborizadas. Ao mesmo tempo, está a testar com parceiros empresariais o uso das suas farinhas em maionese e no fabrico de bolachas e de pão.

Esta fábrica, financiada através de fundos do Plano de Recuperação e Resiliência, é considerada pela fundadora uma unidade piloto. “Fomos concorrendo a fundos e prémios para termos fluxo de caixa”, explica Débora Campos. Para já, apoiada neste sistema, afirma não ter prejuízo, mas conta que as vendas e comercialização que estarão de pé até ao final deste ano permitam à empresa atingir o break-even em meados de 2027.

A nossa estratégia de longo prazo é que a próxima fábrica de transformação seja implementada cá em Portugal e outras fora.

Débora Campos

Fundadora e CEO da Agrogrin Tech

A empresa trabalha com agricultores e transformadores, usando até “fruta feia” ou com uma pequena percentagem de podridão como matéria-prima. Olhando à disponibilidade limitada de matéria-prima em Portugal, “a nossa estratégia de longo prazo é que a próxima fábrica de transformação seja implementada cá em Portugal e outras fora”, afirma a líder da Agrogrin Tech. América Central, do Sul ou Sudeste Asiático são regiões em cima da mesa.

Recentemente, a Agrogrin Tech fechou uma ronda de investimento com um fundo estrangeiro, que também lhe permitirá continuar o crescimento, mas prefere não comunicar já os detalhes relativamente aos valores em causa e ao financiador. Num horizonte de dez anos, Débora Campos conta atingir 200 milhões anuais de faturação, através da implementação de cerca de seis fábricas, espalhadas por Portugal e pelas já referidas regiões no estrangeiro.

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