Como evitar apagões no futuro? Digitalização, interligações e salvaguardas

Especialistas do setor da energia apontam algumas medidas que podem ajudar a prevenir e a colmatar situações de apagão semelhantes à que afetou todo o país esta segunda-feira.

Portugal viveu uma situação inédita: Um “apagão” que ditou que o país ficasse sem acesso à eletricidade desde a manhã de segunda-feira, exatamente às 11h33, até praticamente pela noite dentro. A resolução do problema esteve essencialmente a cargo da REN — Redes Energéticas Nacionais que, em coordenação com a congénere espanhola, produtores de eletricidade e a operadora das redes de distribuição, a E-redes, dedicou todos os esforços para resolver o problema.

Apesar de pela meia-noite cerca de 80% da população já ter acesso a energia elétrica, ainda falta apurar a causa específica deste “apagão” e, à luz da dimensão do problema, fazer uma avaliação das medidas a tomar para prevenir situações futuras. “Vamos serenamente avaliar com as autoridades espanholas aquilo que aconteceu e tentarmos projetar no futuro melhores instrumentos de resposta para evitar a repetição desta ocorrência“, garantiu o primeiro-ministro, Luís Montenegro, na noite de segunda-feira.

O administrador da REN com o pelouro das operações, João Conceição, explicou em declarações aos jornalistas, ao final da tarde, que após ultrapassada a situação de apagão, será necessário avaliar os mecanismos de recuperação existentes, para perceber se se devem fazer “alterações ou algumas melhorias”.

“Hoje, todos vão dizer que é mais do que justificado. Mas daqui a uns tempos, estaremos mais preocupados com o custo da conta de eletricidade”, refere João Conceição, administrador da REN, sobre a necessidade de haver mais sistemas de recuperação no quadro energético nacional.

Uma das medidas a considerar, defende Nuno Ribeiro da Silva, atual consultor na área de energia e ex-CEO da Endesa em Portugal, é o reforço das interligações com o resto da Europa. Estas ligações, admite, facilitam a existência destes problemas, dado que o país está mais exposto a falhas noutras localizações. Contudo, justificam-se do ponto de vista económico e de concorrência, permitindo solicitar a energia mais barata produzida a cada momento e, em caso de apagão (verificado ou iminente), podem também ajudar a suprir o problema.

Mais linhas podem criar mais redundância, evitando a saturação e a sobrecarga do sistema que leva ao “apagão”, ao mesmo tempo que são mais uma via para trazer eletricidade quando esta falha.

Esta tese foi veiculada também pelo primeiro-ministro português, que considerou que “a circunstância de Espanha ter, nomeadamente com a Europa, limitações de interligação também afeta a capacidade de fornecimento de Portugal”. Em paralelo, relembrou que “há muito tempo” que Portugal “luta na União europeia pelo reforço das interligações com a Europa”.

Há também a possibilidade de reforçar a capacidade de resposta das centrais geradoras de eletricidade, criando os chamados “serviço de sistema”, que consistem em pagar para existirem centrais sempre prontas a serem ativadas para evitar uma quebra no sistema, por exemplo, centrais a gás. Mediante determinado valor, assegura-se que estas tenham gás, pessoal e condições adequadas para reagir rapidamente em situações de emergência.

No caso de se registar um “apagão”, uma forma de recuperar mais rapidamente é reforçar a capacidade de “reiniciar” o sistema, afirma João Serra, presidente da ACEMEL — Associação de Comercializadores de Energia no Mercado Liberalizado. “Não se investiu o suficiente nas chamadas centrais de reposição“, acusa, referindo-se a centrais que têm a capacidade de recomeçar a geração do zero, como duas que foram chamadas a atuar hoje: a central a gás da Tapada do Outeiro e a central hídrica de Castelo de Bode.

Ribeiro da Silva alerta ainda que é necessário perceber se foi adequada a ação dos operadores de rede, também o espanhol e o francês e, eventualmente, criar redundâncias e mecanismos de proteção, também a este nível, da gestão das redes.

Soluções implicam custos, mas apagão também fere

Em declarações à CNN Portugal, Jorge Vasconcelos, ex-presidente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, defendeu a necessidade de investir na modernização dos equipamentos do sistema e na respetiva digitalização, para torná-los mais inteligentes. Em jeito de crítica, relembrou que está em vigor uma lei aprovada por unanimidade que proíbe os consumidores de eletricidade de pagar a instalação de contadores inteligentes. “Temos de aprovar leis que facilitem o investimento“, entende.

Uma solução mais convencional, mas que João Serra vê como importante, é o aumento da penetração de renováveis e de armazenamento, em particular deste lado da fronteira. O líder da ACEMEL aponta que, proporcionalmente, Portugal compara mal com Espanha no que diz respeito à capacidade fotovoltaica e armazenamento que tem e pretende ter.

Sobre o papel que poderiam ter as centrais a carvão para a resposta a situações de emergência semelhantes, João Nuno Serra afirma que estas são dispensáveis. Por seu lado, Jorge Vasconcelos reforça que devem ser adotadas soluções técnicas que permitam substituir as centrais a carvão. “Não queremos colapso do sistema, nem o colapso do planeta”, rematou.

Há que haver a consciência que “mais sistemas de recuperação significam mais custos”, alertou ainda o administrador da REN. Na sua ótica, é importante perceber se faz sentido aumentar capacidade de resposta ou se o custo que isso acarreta não se justifica. “Hoje, todos vão dizer que é mais do que justificado. Mas daqui a uns tempos, estaremos mais preocupados com o custo da conta de eletricidade”, rematou.

A energia mais cara é a que não existe“, ironiza Ribeiro da Silva. Quanto aos custos, depende de que medidas deem resposta às debilidades detetadas, “mas pode ser uma coisa tão simples e barata como haver uma maior ou mais eficiente comunicação entre operadores de sistema”.

Também Jorge Vasconcelos defende que é preciso olhar aos custos do apagão antes de pesar os custos de o prevenir. No entanto, independentemente disso, sublinha que o investimento em modernização e digitalização do sistema é “indispensável” e, no que toca à digitalização, trata-se de valores “relativamente modestos”, sem precisar os números.

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