Exclusivo Limitação no acesso a ‘chips’ dificulta captação de uma Gigafábrica de IA para Portugal

Bruxelas reconhece que restrições a Portugal no acesso a 'chips' são "considerações práticas relevantes" para qualquer projeto tecnológico. Mas admite que o país também tem outros pontos a favor.

Portugal parte em desvantagem na corrida às novas Gigafábricas de IA. A Comissão Europeia admite que as restrições impostas ao país pelos EUA, que limitam o acesso aos processadores necessários para o treino e uso de modelos de inteligência artificial (IA), são “considerações práticas relevantes” para qualquer grande projeto tecnológico, podendo assim prejudicar a viabilidade de avaliar uma eventual candidatura nacional. Porém, Bruxelas também admite que Portugal tem aspetos positivos “importantes”, pelo que incentiva a apresentação de candidaturas.

A equipa de Ursula von der Leyen pretende viabilizar a construção de, pelo menos, cinco Gigafábricas de IA na União Europeia (UE) com subsídios e outros apoios, em regime de parcerias público-privadas. Até 20 de junho, está em curso uma consulta não vinculativa ao mercado para aferir o interesse de consórcios privados em darem corpo a esta ambiciosa iniciativa. Serão necessários investidores com bolsos fundos, pois cada gigafábrica exigirá um investimento entre três e cinco mil milhões de euros, estima a Comissão.

Estas Gigafábricas de IA “serão instalações de grande escala dedicadas ao desenvolvimento e treino de modelos de IA complexos, com centenas de biliões de parâmetros”, e terão mais de 100 mil processadores avançados de IA cada uma. No entanto, em janeiro, Portugal foi alvo de novas restrições à compra de processadores avançados de IA por parte da anterior administração norte-americana. A decisão ainda será reavaliada, como noticiou o ECO em abril, mas poderá prejudicar uma eventual candidatura portuguesa, na medida em que, a confirmar-se, o país fica impedido de comprar mais de 50 mil processadores por um período de dois anos.

A desvantagem de Portugal é ainda agravada pelo facto de Estados-membros como Espanha, França e Itália terem escapado a esta limitação. Questionada sobre se as limitações impostas pelos EUA representam uma potencial desvantagem para trazer uma Gigafábrica de IA para Portugal, na medida em que a empresa norte-americana Nvidia fabrica os chips de IA mais avançados do mercado, fonte oficial da Comissão mostra-se preocupada com o assunto e sinaliza que sim, embora sublinhe que tal não deve desmotivar nenhuma candidatura à partida.

“A avaliação das propostas durante o futuro concurso oficial será baseada nos méritos intrínsecos consoante o que for definido nessa altura. Apesar de os fatores externos como o acesso à cadeia de abastecimento serem considerações práticas relevantes para qualquer grande projeto tecnológico, não impedem nenhum Estado-membro de participar nesta fase exploratória inicial”, responde ao ECO fonte oficial da Comissão Europeia.

A mesma fonte explica ainda que não existe nenhuma localização definida neste momento. “Em última análise, a seleção no concurso formal será baseada no mérito geral e viabilidade das propostas submetidas, não apenas na localização proposta”, refere, reconhecendo, contudo, que “a localização em si será um elemento importante a ser considerado no contexto de cada proposta”. Mas não existem “quotas por país” nem nenhum critério geográfico a ser considerado neste momento, assegura a Comissão Europeia. No fundo, “muitos outros critérios serão tidos em conta” além do país da candidatura, remata.

Apesar de os fatores externos como o acesso à cadeia de abastecimento serem considerações práticas relevantes para qualquer grande projeto tecnológico, não impedem nenhum Estado-membro de participar nesta fase exploratória inicial.

Fonte oficial da Comissão Europeia

Restrição dos EUA afugenta investidores

Portugal vinha a captar o interesse de investidores estrangeiros na área dos data centers, devido à disponibilidade de energia renovável a preços acessíveis e à proximidade aos cabos submarinos. E esses fatores podem acabar por favorecer Portugal: “Parâmetros como o acesso a energia renovável e uma rede de conectividade robusta são indiscutivelmente importantes para infraestruturas de larga escala como as Gigafábricas de IA e serão elementos relevantes dentro das propostas detalhadas a serem avaliadas numa fase posterior”, garante a Comissão Europeia.

Contudo, há já um exemplo de como o impacto negativo das restrições dos EUA poderá acabar por se sobrepor a todos os outros aspetos positivos do país. Na semana passada, a Merlin Properties, uma promotora imobiliária espanhola que está a construir um data center na região de Lisboa — em Castanheira do Ribatejo, no concelho de Vila Franca de Xira — em conjunto com uma empresa norte-americana, a Edged Energy, decidiu cortar a capacidade da infraestrutura para um terço do que estava inicialmente previsto.

Como se não bastasse, a redução da ambição da Merlin em Portugal irá ser compensada com um reforço da aposta da empresa em Madrid, um mercado concorrente. “Tirámos 72 MW [megawatts] que iríamos instalar em Portugal e acrescentámos 78 MW aos ativos localizados em Madrid”, disse na assembleia geral de acionistas o diretor executivo da Merlin, Ismael Clemente, citado pela imprensa espanhola.

De resto, a Comissão Europeia assume ter “fortes preocupações sobre potenciais efeitos negativos” do cerco americano às exportações de chips, na medida em que estes componentes “permitem o desenvolvimento de aplicações e sistemas de IA de ponta”. “A UE e os seus Estados-membros têm um interesse legítimo em desenvolver IA segura, resiliente e fiável em benefício dos nossos cidadãos e economia”, diz ao ECO fonte oficial.

“Acreditamos que é também do interesse dos EUA, do ponto de vista económico e de segurança, que a UE compre chips de IA avançados aos EUA: nós cooperamos de perto, em particular no campo da segurança, e representamos uma oportunidade económica para os EUA, não um risco de segurança. Estas restrições são também um potencial impedimento à cooperação em IA e suas aplicações entre as empresas dos EUA e da UE e instituições de investigação”, aponta Bruxelas, pelo que a Comissão espera para discutir “construtivamente” este assunto com a nova Administração Trump, depois de já ter apresentado “as suas preocupações” às autoridades norte-americanas.

Depois do período de manifestação de interesse para a captação de Gigafábricas de IA, a Comissão Europeia irá discutir com os consórcios interessados e aprofundar as propostas, que, nesta fase, já requerem um certo nível de detalhe, incluindo uma análise dos clientes-alvo e exigências de mão de obra. Depois, a Comissão espera poder lançar oficialmente o concurso no final deste ano.

Para já, sabe-se que, pelo menos, a PortugalDC, uma associação que representa mais de uma centena de entidades ligadas ao setor dos data centers, está a iniciar esforços preliminares para tentar mobilizar uma candidatura nacional, em resposta a um repto lançado pelo CEO do Banco de Fomento, Gonçalo Regalado, durante uma reunião com a associação no Ministério da Economia. Contactado no mês passado, o Banco de Fomento ainda não deu qualquer resposta ao ECO sobre este assunto.

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