“Tem sido quase a norma nos últimos anos levantar capital em clima de incerteza, não é por isso que não o temos conseguido fazer”

Um ano depois do lançamento, o Fundo III da Bynd VC já assegurou 70% dos 40 milhões da meta e investiu em sete startups em Portugal e Espanha, adianta o partner Tomás Penaguião.

Um ano depois do primeiro investimento do Fundo III da Bynd Venture Capital, com foco em inteligência artificial e sustentabilidade, já foram fechados sete investimentos em startups early stage em Portugal e Espanha e, até ao final de maio, deverão estar concluídos outros dois, num total de três milhões de euros investidos.

Neste momento, a Bynd VC já tem mais de 70% dos 40 milhões de euros, meta do fundo, assegurados. “Estamos em linha para conseguir chegar a esse objetivo até final de 2025”, garante Tomás Penaguião, partner da Bynd VC.

E para 2025 antecipa igualmente um ano de crescimento. “Antecipamos um ano em linha com o anterior, portanto fechar mais dez novos investimentos em Portugal e Espanha, continuar bastante ativos, com uma média de praticamente um investimento novo por mês”, diz o partner da Bynd VC.

Tomás Penaguião afasta receios de que o atual momento económico, com uma guerra de tarifas a agitar os mercados, tenha impacto na operação ou na capacidade de levantar capital. “Já levantámos fundos em Covid, já levantámos fundos quando a guerra na Ucrânia explodiu. Tem sido um bocadinho quase a norma nos últimos anos levantar capital em clima de incerteza e não é por isso que não o temos conseguido fazer”, diz.

O ano passado foi de recuperação para o ecossistema, cerca de 500 milhões de euros de investimento realizado. E para o vosso fundo?

Em 2024 o investimento em startups em Portugal praticamente duplicou, comparativamente a 2023 e nós também estamos bastante ativos no mercado. Lançámos o nosso último fundo, o Fundo III, em maio do ano passado, um fundo de 40 milhões para investir em startups early stage em Portugal e em Espanha e, ao longo deste último ano, já fechámos sete novos investimentos. Estamos a ponto de fechar outros dois que devem estar concluídos até final deste mês. Portanto, estamos muito próximos do nosso target de realizar dez novos investimentos por ano. Isto traduz, praticamente, num novo investimento por mês. Estamos contentes com o ritmo e com as oportunidades de investimento que nos têm surgido.

O que já representa de investimento? Qual o mercado que sentiram maior dinamismo?

Estes nove investimentos que estamos a contar realizar até o final deste mês representam mais de 3 milhões de euros. A nível geográfico, o split tem sido 50-50%. Temos quatro investimentos em Portugal ou em empresas com uma ligação a Portugal e três em empresas com uma ligação a Espanha. A nível de setores, tal como acredito que [tenha acontecido com] outros fundos de venture capital (VC), temos investido bastante na área de inteligência artificial (IA) e machine learning. No ano passado, e até neste primeiro trimestre do ano, diria que entre 25 a 50% do investimento VC tem sido realizado nesta área e nós não fugimos à regra. Temos também apostado noutros setores, caso da energia, de software mais verticalizado por indústria.

Temos como target investir, pelo menos, 40% do fundo em empresas que promovam ESG, portanto, sustentabilidade, diversidade e impacto social.

Tem havido novidades vindas do outro lado do Atlântico ao nível da sustentabilidade, área onde o vosso fundo pretende investir, deixou de estar no top of mind da Administração Trump, por exemplo. Há também um desinteresse dos investidores nesse setor, menos startups da área a surgir no vosso radar ou, simplesmente, a IA está a abafar tudo à volta?

Não acho que exista. Primeiro, estas novas políticas ainda são relativamente recentes, portanto ainda não sentimos esses efeitos, para mais estamos na Europa e em Portugal e Espanha, às vezes essas ondas demoram mais a chegar. Ainda há um push nesse sentido. Acreditamos que ainda existem aqui ventos a favor desse tipo de empresas, tanto a nível regulatório, como pressão política e dos consumidores.

Temos como target investir, pelo menos, 40% do fundo em empresas que promovam ESG, portanto, sustentabilidade, diversidade e impacto social. Isto pode manifestar-se de várias formas, mas continua a ser um objetivo para nós.

Dados da Armilar apontam que apesar de ter havido um crescimento do investimento no ano passado, no pré-seed houve uma queda de 24%. Em que fase inicial têm investido?

Em Espanha, talvez tenhamos investido mais em seed que em pré-seed. Em Portugal é o contrário. Os quatro investimentos que fechámos no ano passado, três deles foram em pré-seed e um em seed. E os três com uma forte componente de inteligência artificial. Estamos a ver surgir bastantes projetos nessa área. Existe aqui claramente uma oportunidade de mercado muito grande e que muitos empreendedores estão a ver. Acredito que isso já se reflita nos números deste ano, isto é, mais investimento em pré-seed.

De qualquer forma, continua a haver um gap no mercado português, que é a falta de investidores numa fase pré-seed. Existem alguns investidores profissionais, como é o nosso caso, ativos nesse estágio, o que nos falta mais é, sobretudo, business angels.

Não há muito uma cultura de investimento em startups em fase inicial em Portugal. Temos no seed e, se calhar, até chegar a uma série A, bastante investimento disponível, em pré-seed não tanto e da série A para cima há uma dependência clara em investidores internacionais.

Quando chega a fases mais tardias, como aconteceu recentemente com a Tekever, que atingiu estatuto de unicórnio, o ecossistema depende muito dos fundos internacionais, no pré-seed não é assim. O que pode ser feito para incentivar os business angels a injetar o seu capital nessa fase das empresas?

Há uma parte que não é tão controlável, que vem com o tempo. Quantos mais casos de sucesso tivermos no mercado, mais eventos de liquidez, maior interesse vai haver pelo setor e as pessoas vão entender que se pode fazer dinheiro apostando em empresas numa fase inicial e apoiando os empreendedores quando estão a começar.

A parte mais controlável é criar sistemas de incentivo financeiro, por exemplo, redução de impostos, como existe no Reino Unido, que acaba por funcionar como um incentivo muito grande a business angels. A maior parte das pessoas a título individual que investe em startups têm muito presente essa questão de deduções fiscais e isso acaba por mitigar o risco de investimento que realizam.

Ainda existe muito pouco uma cultura de investimento em venture capital em Portugal, sobretudo a nível das empresas, e é esse o trabalho que temos vindo a fazer, tentar puxar mais empresas para investir em VC.

O Fundo III tem uma meta de 40 milhões. Arrancaram já com vários investidores. Como tem corrido a entrada de financiadores?

Já contamos com mais de 70% desses 40 milhões angariados. Portanto, estamos em linha para conseguir chegar a esse objetivo até final de 2025. Temos a sorte de contar com muitos dos investidores que investiram em fundos passados e que estão a voltar a investir neste fundo, fruto do nosso trabalho e de estarem contentes com a nossa performance. E temos três investidores estratégicos, os investidores âncora, o Fond ICO, um fundo institucional espanhol, o Grupo Nors e a Caixa Capital. É aqui onde temos angariado a maior parte do nosso capital.

Ainda existe muito pouco uma cultura de investimento em venture capital em Portugal, sobretudo a nível das empresas, e é esse o trabalho que temos vindo a fazer, tentar puxar mais empresas para investir em VC, como fizemos com o Grupo Nors, porque acreditamos que estas empresas podem ter benefícios a vários níveis, retornos financeiros, acesso à inovação, parcerias estratégicas com as startups. Temos também tentado diversificar a nossa base de LP para Espanha.

Criaram uma equipa em Espanha para dinamizar o fundo nesse mercado. Tem dado frutos? Mais investimento angariado nesse mercado, um scouting de startups mais afinado?

Já investimos em Espanha desde 2016, temos raízes fortes no ecossistema, um dos nossos fundadores é espanhol. Tínhamos vindo a investir remotamente desde Portugal com idas regulares a Espanha até ao ano passado. Com o lançamento do Fundo III contratamos duas pessoas em Espanha, dois associados, um em Barcelona e outro em Madrid e, sem dúvida, ter essa presença local, alguém no terreno, ajuda-nos a detetar oportunidades mais cedo e a ter um contacto mais próximo com o ecossistema.

É fundamental termos um mercado europeu mais unificado, em que não seja tão complicado escalar para outros países, não haver tanta fragmentação regulatória a nível do mercado europeu e não haver tantas restrições a nível de fazer o deployment de tecnologia, porque se colocarmos entraves ao desenvolvimento deste tipo de projetos na Europa o que vai acontecer é que eles vão deslocalizar para os Estados Unidos ou para a Ásia, onde não existe este tipo de regulação.

Depois do relatório Draghi, que apontou problemas de competitividade sérios à economia europeia, a Comissão Europeia fez vários anúncios de investimentos em IA, gigafábricas. E os fundos? Que mecanismos deveriam ser criados para facilitar, por um lado, o investimento no ecossistema e, segundo, melhorar a forma como os fundos se podem financiar para poderem ir às rondas acima, para que, chegada à fase scaleup, as startups não voem para os EUA?

Há muitos fundos na Europa, diria até a grande maioria, que têm capitais públicos, quer locais quer europeus. Esse trabalho conjunto já tem vindo a ser feito, naturalmente que pode ser reforçado, sobretudo em setores estratégicos que vemos para o futuro da Europa, como é o caso da inteligência artificial, da defesa, que se tem vindo a falar muito nos últimos tempos, como da cibersegurança. Portanto, mecanismos e incentivos claros para o investimento ser canalizado para estas áreas e haver fundos maiores com capacidade de apoiar as empresas ao longo da sua jornada.

Depois, outro tema de que se fala muito e com o qual estou alinhado, é toda a questão regulatória. É fundamental termos um mercado europeu mais unificado, em que não seja tão complicado escalar para outros países, não haver tanta fragmentação regulatória a nível do mercado europeu e não haver tantas restrições a nível de fazer o deployment de tecnologia, porque se colocarmos entraves ao desenvolvimento deste tipo de projetos na Europa o que vai acontecer é que eles vão deslocalizar para os Estados Unidos ou para a Ásia, onde não existe este tipo de regulação. Ou seja, precisamos encontrar aqui um equilíbrio entre isto não ser um caos e não haver qualquer tipo de controlo — estamos a falar de tecnologias que no futuro podem ter algum risco até quase para o futuro da humanidade, e há algumas pessoas que têm essa preocupação —, mas também não ter uma regulação excessiva em que o que vai acontecer é que as empresas europeias saem da Europa para outros continentes e a inovação vai continuar a existir, mas não é cá na Europa, é nos Estados Unidos e na Ásia. Portanto, no fundo, não estamos a prevenir nada.

Falando nos EUA, temos assistido a uma guerra de tarifas, com avanços e recuos, gerando agitação nos mercados financeiros. Isso poderá potencialmente dificultar o vosso trabalho e o trabalho dos fundos em geral de se autofinanciarem?

Tudo o que é imprevisibilidade económica e política gera sempre incerteza nos mercados e adia decisões de investimento. Portanto, nunca é bom. Não é bom para investidores, não é bom para startups. Agora também é importante ter em conta que o investimento VC é contracíclico, estamos a investir em startups a dez anos. Estas startups vão passar por períodos macroeconómicos bons, períodos maus, portanto, o impacto acaba por ser diluído ao longo do tempo.

Tomás Penaguião (partner), Lurdes Gramaxo (partner), Santiago Salazar (chairman), Francisco Ferreira Pinto (partner) da Bynd VC.

Também acho que, como português e como europeu, isto acaba por ser uma oportunidade para nós. Nos Estados Unidos há um clima de incerteza a nível económico e político e isso também pode ser uma oportunidade para atrairmos talento para a Europa e para Portugal. Ainda recentemente foi lançado um pacote nesse sentido.

O pacote de 500 milhões para atrair talento de investigação para a Europa.

Exatamente. Apesar de haver algumas críticas a esse pacote, quer dizer, capital não chega, não é? Mas tem de se começar por algum lado.

Pode acabar por ser uma oportunidade para nós. Portugal, especificamente, é um país com enorme potencial de atração de talento e vemos isso. Muitos dos investimentos que fazemos em Portugal são fundadores internacionais que se mudaram para cá para construir o seu negócio.

Nos Estados Unidos há um clima de incerteza a nível económico e político e isso também pode ser uma oportunidade para atrairmos talento para a Europa e para Portugal. Ainda recentemente foi lançado um pacote nesse sentido.

Americanos?

Na minha experiência pessoal, isto agora fora da Bynd, vejo já uma vaga de americanos a vir para cá, alguns empreendedores, mas que nós não investimos, por causa do clima de incerteza que existe. No fundo, quererem estar o mais longe possível do Trump e daquela Administração.

Nas conversas com os investidores sente que esse receio está também a fazê-los retrair na altura de injetar capital no vosso fundo?

Não de uma forma muito forte, mas a verdade é que nós já levantámos fundos em Covid, já levantámos fundos quando a guerra na Ucrânia explodiu. Tem sido um bocadinho quase a norma nos últimos anos levantar capital em clima de incerteza e não é por isso que não o temos conseguido fazer.

E planeamos [este ano] concluir o levantamento do nosso fundo, chegando ao target dos 40 milhões. A nível ecossistema, acredito que estão reunidas as condições para continuarmos numa senda positiva, portanto num caminho de crescimento.

Em 2024 houve uma recuperação de investimento, este ano quebrou-se o ‘enguiço’, e Portugal voou outra vez para o unicórnio. Como antecipa a evolução este ano?

Antecipamos um ano em linha com o anterior, portanto fechar mais dez novos investimentos em Portugal e Espanha, continuar bastante ativos com uma média de praticamente um investimento novo por mês. Planeamos continuar a aportar valor às nossas participadas e manter esta ligação próxima com os fundadores para os ajudar a crescer os seus negócios e apoiando-os a nível estratégico, a nível de abertura de portas comerciais, a nível de levantamento de novas rondas de capital, sobretudo com investidores internacionais.

E planeamos concluir o levantamento do nosso fundo, chegando ao target dos 40 milhões. A nível ecossistema, acredito que estão reunidas as condições para continuarmos numa senda positiva, portanto num caminho de crescimento. Tenho a esperança e o desejo de começarmos também a ver alguns momentos de liquidez mais significativos no mercado, exits que sirvam de exemplos de casos de sucesso para o mercado, isto no fundo fomentar mais pessoas a arriscar e a lançar o seu negócio e mais pessoas a juntarem-se a startups, vendo esse potencial.

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