Programa de transformação digital dos serviços da Segurança Social tem 110 medidas e, em quatro meses, 30% já foram executadas, retirando 530 mil pessoas dos balcões, avança Luís Farrajota.
Pesada, complexa e sem agilidade. É assim que o presidente do Instituto de Informática da Segurança Social vê a relação atual entre esse sistema e as pessoas e empresas. Em entrevista ao ECO, Luís Farrajota faz um balanço das medidas preparadas para transformar essa dinâmica e garantir, assim, “atendimento de qualidade” e uma “experiência boa” aos cidadãos e empregadores que contactam a Segurança Social.
De acordo com o responsável, o segundo semestre deste ano ficará marcado por várias medidas marcantes. Por exemplo, a 1 de julho será lançada a possibilidade de fazer pagamentos à Segurança Social por MB Way, mas também o novo portal unificado da Segurança Social. “Uma solução de fácil utilização e completamente intuitiva”, assegura Luís Farrajota.
No total, o objetivo, salienta o presidente, é diminuir em cerca de dois milhões de pessoas os atendimentos presenciais da Segurança Social, passando “de uma experiência desafiante para uma experiência agradável”.
Esta é uma de duas partes da entrevista de Luís Farrajota ao ECO. Na outra (que pode ler aqui), o presidente do Instituto de Informática da Segurança Social explica o que vai mudar nas declarações mensais de remuneração que as empresas têm hoje de entregar, adianta que alterações serão feitas nas declarações trimestrais dos trabalhadores independentes e sinaliza que está a trabalhar para que a atribuição de pensões unificadas baixe dos atuais 271 dias para cerca de 50 dias.
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Como descreveria a relação atual das empresas e dos empregadores com os serviços da Segurança Social?
Enquanto presidente do Instituto de Informática, tenho a missão de olhar para a política pública e identificar onde a tecnologia [pode] ser o motor das soluções na vida das pessoas e das empresas. Acho particularmente desafiante a relação existente hoje entre a Segurança Social e as pessoas e as empresas.
Porquê?
É pesada, complexa, e não é ágil. Em 2024, a Segurança Social deu dez milhões de atendimentos. Desses, 65% foram ao balcão, foram presenciais. Significa que houve 6,5 milhões [de pessoas] que se tiveram de deslocar a um balcão da Segurança Social para tratar das suas necessidades. Parece-me que este modelo não funciona e está falido. A Segurança Social tem de recuperar este tempo, no sentido de conseguir encontrar uma resposta para dar a estas pessoas sem as obrigar a ter que ir a um balcão. E é aqui que entra o Instituto de Informática, que parou no tempo, porque não acompanhou as necessidades das pessoas.
Não é concebível que 6,5 milhões de pessoas se desloquem um balcão durante um ano. É contraprodutivo para toda a gente.
Mas o Governo anterior já falava na digitalização dos serviços da Segurança Social. Por que é que essa atualização não foi feita?
Falar é uma coisa, fazer é outra. O que é que nós fizemos? Perante este diagnóstico de 6,5 milhões de pessoas ao balcão, fomos perceber o que é que levava as pessoas a um balcão. O top um eram os pagamentos. Em 2024, 700 mil pessoas foram a um balcão fazer pagamentos. Cerca de 220 mil pessoas — e aqui falo, claramente, de imigrantes — foram a um balcão levantar o número de identificação da Segurança Social (NISS), porque a medida estava desenhada assim. Este modelo fez sentido há 15 anos, mas a sociedade evoluiu. A Segurança Social convocou 400 mil pessoas para fazer o que os serviços de verificação de incapacidades. Cerca de 900 mil pessoas foram a um balcão pedir uma declaração, e 600 mil foram pedir esclarecimentos sobre a sua reforma. É aqui que tem de entrar a tecnologia. Não é concebível que 6,5 milhões de pessoas se desloquem um balcão durante um ano. É contraprodutivo para toda a gente.
Sei que já retiraram 450 mil pessoas dessas filas. Foi o número que a ministra do Trabalho avançou na Conferência Anual do Trabalho. O que é que foi feito, em concreto?
Criámos um programa chamado “Primeiro Pessoas”. O programa tem 110 medidas que serão executadas de janeiro a dezembro. Até ao final de abril, já executámos 30% dessas medidas. Falou em 450 mil pessoas. Dou-lhe um número mais atualizado. Até 14 de maio, já tínhamos retirado 530 mil pessoas do balcão. As pessoas deixaram de ir a um balcão com a frequência que iam para fazer pagamentos, porque fizemos um conjunto de alterações: passámos a validade do documento de pagamentos de três para cinco dias, e introduzimos um novo método de pagamento, que é a transferência bancária. No dia 1 de julho, vamos lançar a possibilidade de fazer pagamentos à Segurança Social por MB Way.

Esse calendário mantém-se, apesar de o país ter ido, entretanto, para eleições?
Mantém-se tudo. Não há período eleitoral que possa corromper este nosso plano. Um dos top cinco motivos das pessoas irem aos balcões era irem buscar a declaração da sua carreira contributiva. Disponibilizámos no digital e, até dia 14 de maio, foram tiradas 260 mil declarações por esta via. Outra das declarações que iam buscar era a situação de pensionista. Lançámos esta funcionalidade no dia 31 de março e, até dia 14 de maio, tínhamos 14 mil declarações emitidas. Tínhamos também muita procura no certificado provisório do Cartão Europeu de Saúde e Doença. Já emitimos 151 mil declarações no digital. Este Governo já mexeu duas vezes no Complemento Solidário para Idosos (CSI), mas só desde fevereiro é que é possível fazer o pedido online. As pessoas tinham de ir a um balcão. De 3 de fevereiro até 14 de maio, recebemos 14 mil pedidos online.
O CSI, como o próprio nome indica, é para pessoas mais velhas. Não tem encontrado resistência da parte dessas pessoas à digitalização das pessoas?
Queremos tirar de balcão as pessoas que temos que tirar do balcão. Existirão sempre pessoas – nomeadamente, aquelas mais infoexcluídas e mais idosas – que irão sempre a um balcão. Queremos melhorar o tratamento a essas pessoas.
Como?
A Segurança Social tem de deixar de receber em quantidade e passar a atender em qualidade. O programa “Primeiro Pessoas” tem o objetivo de reduzir cerca de dois milhões de pessoas no balcão até dezembro deste ano. Já vamos com 530 mil nos primeiros quatro meses, e há medidas muito impactantes a entrar no segundo semestre, nomeadamente com a possibilidade de fazer o levantamento do NISS através da tecnologia, com acesso à biometria. São mais de 200 mil pessoas que vamos retirar do balcão.
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Quando é que essa medida entra em ação?
A 1 de julho. Nesse dia, lançaremos também algo de que se fala há décadas, que é o portal unificado da Segurança Social. Atualmente, temos a Segurança Social Direta e temos um portal informativo. Além de serem dois sistemas — e as pessoas às vezes ficarem às vezes confusas –, a Segurança Social Direta utiliza uma tecnologia ultrapassada e, sobretudo, é de difícil utilização. É muito labiríntica. Foi um sistema que não se atualizou também no tempo. O portal unificado é uma solução de fácil utilização e completamente intuitiva.
Vai acontecer à Segurança Social o que aconteceu à Autoridade Tributária, há uns anos, com o Portal das Finanças?
Podemos dizer que sim. No domingo, fez seis meses que estou no Instituto de Informática, e, se existirem condições políticas, conto que, nos próximos três anos e meio, a Segurança Social, ao nível da relação que tem, quer com as pessoas, quer com as empresas, possa dar um salto quântico. No dia 12, lançámos o simulador das prestações sociais. Até aqui, para saber se tínhamos direito a uma prestação social, ou conhecíamos os diplomas, que são complexos, ou, então, íamos a um balcão. Lançámos um simulador que me permite, em função da minha situação, e que tem um preenchimento médio de sete minutos, saber a que prestações sociais tenho direito e posso instruir o processo a partir dali.
Lançámos uma nova app no dia 1 de abril, e nos primeiros dias, tivemos mais de 400 mil downloads. Foi uma coisa assim avassaladora.
E que adesão tem tido esse simulador?
Em três ou quatro dias, tivemos mais de mil simulações. Estamos a promover a medida, e isso é uma outra coisa que passamos a fazer ao nível da Segurança Social, que é mostrar – até num caráter pedagógico – como é que se faz. Lançámos uma nova app no dia 1 de abril, e nos primeiros dias, tivemos mais de 400 mil downloads. Foi uma coisa assim avassaladora.
Disse que o segundo semestre ficará marcado por mais medidas impactantes. O que está na calha, além do levantamento do NISS com os dados biométricos, como já referiu?
O pagamento por MB Way, que me permite fazer um pagamento direto, através de um telemóvel. Hoje, não há uma “via verde” para que as pessoas se relacionem com a Segurança Social. Outro tipo de pagamento que é muito efetuado ao balcão é o serviço doméstico. As pessoas pagam ao balcão ou vão a um multibanco. E, no multibanco, às vezes funciona com alguns bancos, outras vezes não. Ora, a Segurança Social não pode estar dependente da funcionalidade que está do lado do banco funcionar ou não. E não pode disponibilizar o serviço única e exclusivamente ao balcão. No final de junho, teremos a funcionar, na app móvel e no novo portal unificado, a funcionalidade de pagar diretamente o serviço doméstico.

Está em curso uma transformação digital da Segurança Social, mas de que modo já usam inteligência artificial?
Hoje utilizamos já muito a inteligência artificial, nomeadamente no que toca a tarefas administrativas. Temos, por exemplo, robôs que fazem a leitura de faturas, assistentes virtuais que fazem as marcações telefónicas para um atendimento presencial, e é com inteligência artificial que comunicamos com as nossas congéneres europeias sobre pensionistas. Vamos continuar a alavancar nesse sentido, para libertar os recursos humanos para pensar.
As equipas têm sido devidamente qualificadas e requalificadas para tirar o máximo proveito destas ferramentas?
Testamos isto em tempo real com as nossas equipas. Temos de tirar o melhor partido das funcionalidades da inteligência artificial, libertando os nossos recursos para pensar sobre o negócio. E o negócio aqui é na relação de servir as pessoas e as empresas. Dou-lhe um exemplo onde o digital entrou há relativamente pouco tempo. Pagamos cerca de 70 mil pensões a portugueses que estão no estrangeiro. Por decisão política, deixou de se fazer prova de vida. No ano passado, por não existir a prova de vida, a Segurança Social pagou indevidamente cerca de 11 milhões de euros a estes pensionistas. Onde é que entra aqui o digital? Não queremos que a pessoa vá fazer prova a um balcão. Vamos disponibilizar em breve uma funcionalidade, através da qual estas pessoas serão notificadas com uma lista de convocatório inteligente e resolverão esta questão através da biometria.
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Quando é que isso acontecerá?
A tecnologia está desenvolvida. É só uma questão de aprovar a portaria, que já está preparada. Precisamos de Governo e processo legislativo. Desta forma, bastará as pessoas terem a aplicação da Segurança Social instalada no seu telemóvel ou através do seu computador e farão a validação da prova de vida através da biometria. Isto é ser eficaz e eficiente.
Dizia num podcast recente que iria entregar “um verdadeiro projeto de transformação digital nos próximos dois anos e meio”. Está confiante de que cumprirá o seu mandato até ao fim?
Vou cumprir com aquilo para que fui desafiado. A minha missão é que a perceção e o sentimento das pessoas na relação com a Segurança Social tenha mudado drasticamente. Como temos 70 prestações sociais e mais de três milhões de pensionistas, tudo na Segurança Social tem um impacto enorme. Tentámos perceber onde há um maior número de pessoas, no sentido de nós suprimirmos essas necessidades o quanto antes. O objetivo, até o fim do ano, é diminuir cerca de dois milhões de pessoas nos atendimentos presenciais e passar de uma experiência desafiante para uma experiência agradável. Deixar de trabalhar em quantidade de receção de problemas para passar a trabalhar num atendimento de qualidade e numa experiência boa.
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“Já retirámos 530 mil pessoas do balcão” da Segurança Social
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