Carta a Santo Ivo

  • Alexandra Bordalo
  • 16 Maio 2025

Enfim, neste Dia do Advogado, profissão expressamente mencionada na Constituição, desejo uma justiça activa, preparada, com meios e recursos para a realização do trabalho, apta a responder às pessoas.

A 19 de Maio celebra-se o Dia do Advogado, ou melhor, o Dia de Santo Ivo, patrono dos Advogados. Atento o estado da Justiça apetece escrever uma carta, como se dirigida a outra santo, o Nicolau, isto para não mencionarmos caderno de encargos ou rol de reclamações.

Vejamos ao que se assiste:

Registos apresentados há mais de 3 meses junto do Registo Comercial e que permanecem pendentes.

Processos de Nacionalidade pendem, sem qualquer movimento, por mais de três anos e meio.

Notificações de sentença, em processos urgentes, com atrasos de dois meses contados da data da prolação das mesmas.

Citações por fazer volvido mais de um mês sobre a entrada das ações.

Processos parados por mais de um ano, com recursos interpostos, levaram um ano a ser conclusos ao Juiz.

Não contente com isso, após o despacho que admitiu o recurso, a Secção levou perto de 6 meses a remetê-lo à Relação.

Noutros processos, notificam-nos de despacho judicial que comunica que as questões a decidir são de direito e pergunta se prescindimos da realização de julgamento. Afoitos e apressados respondemos que sim, expectantes de rápida sentença. Volvidos 4, 5, 6 anos continuamos à espera.

Notificações pendentes nos tribunais, as partes e os agentes de execução não notificam diretamente o Ministério Público, isso depende de acto da Secretaria. Instada a Secretaria a resposta é deliciosa: «em momento oportuno será realizada».

Enfim, os recursos humanos da Justiça estão absolutamente depauperados, os que restam estão estafados, assoberbados e sobrecarregados.

A impaciência e o desespero abundam.

A falta de maneiras faz-se presente e carrega as almas.

Os problemas de acesso às plataformas, seja das Conservatórias, do Registo Criminal, dos tribunais, limita o bom andamento dos processos, do trabalho e acima de tudo limita e complica a vida das pessoas e das empresas.

Temos, não raras vezes, exigências de compliance de entidades dotadas de pessoas incapazes de ler uma certidão, interpretar um texto ou um parágrafo da lei. Que exigem uma declaração redundante que afirme sob compromisso de honra o que já resulta da certidão.

E o que faz o Advogado? Compra uma batalha ou aceita a imbecilidade para resolver o assunto do cliente? Parece óbvio o caminho. Como explicar a um cliente, nomeadamente estrangeiro, que tem de esperar meses por um mero registo comercial ou anos por um processo judicial.

Escrevo estas linhas antes do ato eleitoral de 18 de Maio, desconhecendo quem ganhará as eleições, quem se perfila para os cargos da Justiça, que potenciais ou eventuais coligações surgirão.

O que sei é que o mundo da justiça passa por dificuldades como há muito não se via. A falta de recursos humanos é sentida diariamente.

O prolongado impacto de atos subtraídos aos tribunais, como inventários nos Notários e divórcios e pensões a filhos maiores nas Conservatórias, acarretam problemas e dificuldades dignos de novela. Não estão, na sua grande parte, talhados para tramitar processos. Outros não têm interesse. Nas Conservatórias os Advogados não podem aceder aos processos através de uma plataforma, o processo físico não está devidamente organizado e completo.

Enfim, neste Dia do Advogado, profissão expressamente mencionada na Constituição, desejo uma justiça activa, preparada, com meios e recursos para a realização do trabalho, apta a responder às pessoas, às empresas e a permitir aos profissionais do foro que executem o seu trabalho.

Não é normal, admissível ou aceitável que aguardemos por dezoito anos para que os trabalhadores vejam satisfeitos os seus créditos no Tribunal do Trabalho, ou dez, doze catorze anos pela resolução de um inventário, ou dezasseis para se declarar a nulidade de um concurso público.

Almejemos por melhor futuro.

  • Alexandra Bordalo
  • Advogada na BGRR Advogados

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Carta a Santo Ivo

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião