Sem “maioria maior”, Montenegro tem de dançar com PS ou Chega até novas eleições
Risco de ingovernabilidade mantém-se, apesar do reforço dos votos na AD. O mais provável é um entendimento com o novo líder do PS no curto prazo a não ser que caia o 'não é não' à extrema-direita.
O risco de instabilidade política e de ingovernabilidade vai manter-se. Luís Montenegro terá de escolher entre uma valsa com o novo líder do PS – Pedro Nuno Santos já bateu com a porta – ou com o presidente do Chega, André Ventura. Depois dos sinais da ala socialista mais moderada, da qual fazem parte Fernando Medina ou Francisco Assis, de que é preciso “reconstruir o partido” e viabilizar um Governo, desde que exclua a extrema-direita, a AD – coligação PSD/CDS deverá escolher este parceiro de dança e assim juntos irão, pé ante pé, até novas eleições em 2027, antecipam vários polílogos consultados pelo ECO.
Durante um ano, até junho de 2026, não é possível dissolver o Parlamento, por causa das eleições presidenciais que impedem o uso da bomba atómica no último semestre do mandato do Chefe do Estado e nos primeiros seis meses a seguir à ida às urnas. E o PS precisa de tempo para se organizar. Quanto ao Chega, André Ventura já não estendeu a mão a Montenegro como há um ano. Resta saber se a AD vai manter o cordão sanitário do ‘não é não’. Rangel já disse que só se aplica a coligações e acordos de incidência parlamentar.
Com 89 lugares no Parlamento, já contando com os três dos Açores, nem com os nove da IL, Luís Montenegro consegue uma “maioria maior” para poder Governo sem depender de negociações com os dois maiores partidos da oposição: PS e Chega, ambos com 58 eleitos (sendo que ainda faltam atribuir os quatro mandatos da Europa e Fora da Europa). A AD precisaria de pelo menos 116 lugares no Parlamento, metade mais um relativamente aos 230 que compõem o hemiciclo.
E Rui Rocha, líder dos liberais, perdeu a oportunidade de vir a ser uma força relevante para maiorias. Desiludido com o resultado eleitoral, que lhe deu apenas mais um deputado, já afastou um cenário de alianças com a AD. Andou toda a campanha a tentar seduzir Luís Montenegro que classificava as notícias de namoro como apenas “mexericos”.

Se é certo que Luís Montenegro sai reforçado destas eleições, mesmo depois do caso Spinumviva, por outro lado não alcança o pleno com uma maioria absoluta, quando foi o próprio que ousou apresentar uma moção de confiança que sabia chumbada desde o início, mesmo que, na 25.ª hora, tenha tentado dissuadir o PS de Pedro Nuno Santos de deitar abaixo o Governo com a rejeição.
powered by Advanced iFrame free. Get the Pro version on CodeCanyon.
Nota: Se está a aceder através das apps, carregue aqui para abrir o gráfico.
“Luís Montenegro ganha alguma margem de manobra mas esta afasta uma estabilidade a quatro anos. Apenas está garantida para ano e meio, dois anos, não só pelo ciclo eleitoral, com autárquicas e presidenciais à porta, mas também pela limitação de marcação de eleições”, conclui Bruno Costa, professor de Ciência Política da Universidade da Beira Interior, em declarações ao ECO.
Na mesma senda, Hugo Ferrinho Lopes considera que “as condições não se alteraram um milímetro face à legislatura em vigor”.
“A AD continua a depender do PS ou do Chega para a viabilização do programa e de Orçamentos do Estado e pode continuar a ser vítima de coligações negativas como aconteceu com o fim das portagens ou a redução do IRS. Vamos continuar com um cenário de instabilidade do ponto de vista da governabilidade”, concluiu o investigador de doutoramento do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Perante o clima de incerteza a instabilidade, Filipa Raimundo não descarta “qualquer cenário, inclusivamente novas eleições em 2027”. “Os últimos anos levam-nos a ser extremamente cautelosos. O facto de o PS ter passado para terceira força e o Chega passar a ter mais 10 deputados não é irrelevante. E aquele “não ao não” [ao Chega] mais afirmativo não foi tanto assim na noite eleitoral”, destacou a professora de professora de Ciência Política do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.
Mas, no curto prazo, e uma vez que durante um ano não há possibilidade de dissolução do Parlamento, os partidos não vão querer “ser penalizados nas autárquicas ou nas presidências ao criar uma nova crise política em tão pouco tempo”, sublinha Bruno Costa.
Tendo em conta o posicionamento de PS e Chega, os partidos que podem viabilizar ou derrubar o Governo de Montenegro, o politólogo da Universidade da Beira Interior defende que “a estabilidade terá de ser feita com a validação da nova liderança do PS”.
“O PS precisa de tempo para se reconstruir, para ter uma nova liderança, assumindo que uma oposição constante à AD e ir a jogo a eleições antecipadas não deu resultado. Houve uma forte penalização. Não me parece que seja viável que o PS se mantenha nessa estratégia de constante oposição a Luís Montenegro”, argumenta.
Aliás, sublinha, “já está a haver uma tentativa do PS em sinalizar que são será fator de instabilidade, na condição de não haver diálogo com a extrema-direita, o que dá algum conforto a Luís Montenegro que fica com a garantia de que o programa passará” completa. De lembrar que o ex-ministro da Finanças e um dos putativos sucessores de Pedro Nuno Santos aos comandos do PS, Fernando Medina, já defendeu, em declarações ao canal NOW, que “o PS deve ter as portas abertas no sentido de assegurar uma solução de Governo [de Luís Montenegro], desde que exclua a extrema-direita da esfera da governabilidade”.
Da mesma forma, o eurodeputado do PS Francisco Assis já apelou a uma mudança de atitude do partido. “Tem de ser um partido disponível para contribuir para a estabilização política do país” e tem “um elevado sentido de responsabilidade face à AD no atual quadro político“, afirmou em declarações à rádio Observador.
José Luís Carneiro, que perdeu as últimas eleições internas no PS para Pedro Nuno Santos, e volta a posicionar-se para uma nova “eventual” candidatura a secretário-geral socialista, também admite viabilizar o Governo de Luís Montenegro, mas afasta um bloco central.
“O PS deve ser aquilo que sempre foi, um fator de estabilidade e de confiança no futuro. Temos de ter a capacidade de, em sede parlamentar, sermos capazes de assentar compromissos, PS e AD. E o PS deve ser claro na garantia de viabilização do Governo, porque é isso que os cidadãos nos pedem”, afirmou esta segunda-feira à noite, em entrevista à CNN Portugal.
Mas “este cenário é um risco para o PS, porque o Chega pode tornar-se verdadeiramente o líder da oposição”, alerta o politólogo Bruno Costa. “E, se as coisas correm menos bem na governação, com o apoio do PS, isto pode fazer o Chega crescer. Estamos a assistir a este cenário na Alemanha, o que também pode acontecer no contexto português”, completa.
Já um diálogo com o Chega parece pouco provável, segundo a análise dos especialistas em Ciência Política, ainda que Paulo Rangel, da comissão política nacional do PSD e número dois do Governo demissionário de Montenegro, tenha esclarecido que um ‘não é não’ refere-se apenas a coligações e acordos de incidência parlamentar. “O diálogo é com todos”, afirmou este domingo à noite na RTP3, já depois de conhecidos os resultados eleitorais.
“É pouco provável que a AD prefira um entendimento com o Chega, até porque o discurso de André Ventura mudou. Em 2024, quis estender a mão à AD, agora disse que não vai parar enquanto não for primeiro-ministro. O Chega é o segundo partido a vencer nos municípios, ficou à frente em mais de 100 e venceu em quatro distritos. Por isso, André Ventura não quer dar a mão à AD, não é esse o caminho. Para o Chega, este é o momento de fazer oposição”, de acordo com a análise de Bruno Costa.
Também Hugo Ferrinho Lopes considera “muito pouco provável que a AD vá contar com o apoio do Chega”.
“Pela primeira vez na história de Portugal, aquilo que era um slogan de André Ventura passou a ser realidade: André Ventura também é candidato a primeiro-ministro, do ponto de vista material, e tendo em conta que tem uma bancada no mínimo igual à do PS. É líder da oposição, tem influência na eleição dos juízes para o Tribunal Constitucional, passa a ter acesso a informação classificada. Se não for para o Governo, o Chega tem zero incentivos para colaborar com Luís Montenegro”, justificou.
Papel do próximo Presidente da República será decisivo
A governabilidade dos próximos tempos também vai depender da forma como o novo Presidente da República, que sair das eleições de janeiro de 2026, vai lidar com a conjuntura política. O chefe do Estado “é uma figura institucional que pode ter uma importância significativa, é um garante da estabilidade mas pode optar por ser mais ou ser menos interventivo”, sublinha Filipa Raimundo. Para a professora do ISCTE, “a expectativa é como é que o Presidente vai interpretar os seus poderes”.
Alinhando pelo mesmo diapasão, Bruno Costa refere que a possibilidade de eleições antecipadas já em 2027, na sequência de um eventual chumbo do Orçamento do Estado “vai depender muito do perfil do Presidente da República”. Por exemplo, indica, caso “o PS mantenha a linha de oposição à AD, com André Ventura a rejeitar também o programa do Governo, o Presidente da República poderia ser obrigado a procurar uma alternativa que seria convidar o PSD a indicar um novo primeiro-ministro, que pudesse ter a anuência de PS e Chega”. Isto, porque, “há pouca margem o país ficar com um Governo de gestão durante um ano e sem Orçamento de Estado”, argumenta.
Entretanto o candidato à Presidência da República e antigo líder do PSD, Luís Marques Mendes, já veio defender que o Chefe do Estado deve ter um “papel mediador”, construindo “pontes de entendimento para evitar moções de censura”.
“Os portugueses deram um mandato a Luís Montenegro para governar e deve governar, praticando o diálogo com os dois principais partidos da oposição e, quando surgirem matérias mais delicadas como Orçamento do Estado, vai ter de entrar o papel pacificador do Presidente da República”, afirmou esta segunda-feira. Para Marques Mendes, “não é necessário que haja acordos em matérias como Orçamentos”.
“O importante é que haja diálogo. O Presidente da República tem de ajudar a fazer pontes, evitar impasses, bloqueios, crises, que depois só se resolvem com bombas atómicas e o pais precisa de paz”, frisou.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Sem “maioria maior”, Montenegro tem de dançar com PS ou Chega até novas eleições
{{ noCommentsLabel }}