Maduro adia tomada de posse da Assembleia Constituinte
Envolta em polémica e suspeita de fraude, a Assembleia Nacional Constituinte já não inicia funções hoje, mas antes sexta-feira. Vai ser aberta uma investigação à eleição. Bolívar desvaloriza a pique.
O Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, decidiu adiar por um dia a tomada de posse dos 545 delegados que integram a nova Assembleia Nacional Constituinte depois das revelações da empresa tecnológica Smarmatic a confirmar a existência de fraude no ato eleitoral de domingo, uma suspeita levantada desde logo pela oposição, dado o boicote feito no domingo e os dados oficiais que davam conta da maior participação de sempre — oito milhões de eleitores.
Estas revelações, feitas a partir de Londres, levaram também o presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges, a anunciar que esta quinta-feira abrirá uma investigação contra a presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Tibisay Lucena e outros responsáveis deste organismo. Para além de que o partido da oposição que lidera, Primeiro Justiça (PJ) vai solicitar ao Ministério Público a abertura de uma averiguação penal contra as autoridades da CNE.
O Ministério Público, sob a alçada da procuradora-geral Luisa Ortega Díaz, que desde o final de março assumiu o papel de forte opositora ao Governo de Maduro, também já abriu uma investigação por fraude nas eleições da Constituinte.
Maduro continua a rejeitar quaisquer acusações e atira com uma cabala global contra o chavismo. “Está-se a montar uma agressão económica e militar contra a Venezuela, encabeçada por Donald Trump”, disse o Presidente, ironizando as acusações que lhe são dirigidas: “A mim chamam-me de ditador, e eu não sou nada disso, mas por vezes apetece-me converter-me”. O Chefe de Estado nomeou Jorge Arreaza, que é seu genro, como novo ministro dos Negócios Estrangeiros, em substituição de Samuel Moncada.
O ‘filho de Chávez’ tem a sua própria explicação para a discrepância dos dados eleitorais: “Creio que foram votar mais de dez milhões e mais de oito milhões votaram, os outros dois tiveram que enfrentar as balas e as barricadas”. Uma explicação que não convence a comunidade internacional que se recusa a reconhecer a nova Assembleia Nacional Constituinte. Portugal incluído.
"Creio que foram votar mais de dez milhões e mais de oito milhões votaram, os outros dois tiveram que enfrentar as balas e as barricadas.”
Perante tanta contestação Maduro decidiu adiar por um dia a tomada de posse do novo órgão. “Foi proposto que a instalação da Assembleia Constituinte seja organizada em paz, com tranquilidade e todo o protocolo necessário na próxima sexta-feira às 11 da manhã”, justificou Maduro.
A oposição venezuelana decidiu também adiar para sexta-feira a manifestação contra a Assembleia Constituinte, já que a sessão inaugural está prevista para o mesmo dia. O protesto estava agendado para hoje. “Para defender a Constituição contra a fraude, a mobilização de hoje [quinta-feira] será realizada amanhã [sexta-feira], dia 4 de agosto”, escreveu na rede social de mensagens ‘online’ Twitter a coligação da oposição Mesa de Unidade Democrática (MUD).
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Bolívar em queda livre
A complexa situação económica e social que a Venezuela atravessa reflete-se também na queda a pique do bolívar. Segundo os dados do DolarToday, citados pelo El Mundo (conteúdo em espanhol), neste momento cada dólar norte-americano é trocado por mais de 13.000 bolívares, o valor mais alto de sempre. Assim, a nota verde, em oito meses, valorizou mais de 300% face à moeda bolivariana. Estes dados são referentes ao mercado cambial paralelo, já que o Governo Nicolás Maduro controla de forma pouco clara os valores e as flutuações do câmbio oficial.
Desvalorização da moeda venezuelana
Algo de semelhante se passa com a inflação, um indicador para o qual não existem dados fidedignos. Segundo os cálculos do professor Steve H. Hanke, da universidade norte-americana Johns Hopkins, a inflação deverá rondar os 265,6%. A previsão do Fundo Monetário Internacional é de que a inflação este ano, na Venezuela, seja de 720% — recorde-se, por exemplo, que para o Banco Central Europeu o valor ideal de inflação são 2%.
Neste contexto, a Standard&Poor’s numa nota recente alertou para os elevados riscos de incumprimento. “Consideramos que o Governo terá dificuldade em fazer face aos próximos pagamentos de dívida: 2.800 milhões de dólares na segunda metade de 2017 e cerca de sete mil milhões de dólares em 2018″, defende a agência de notação financeira, citada pelo El Mundo. Para a S&P, que há muito coloca o rating da Venezuela no nível ‘lixo’, a política económica seguida é “errática” e os controlos das importações “draconianos”. A todos estes problemas soma-se a redução do ritmo de exportações do petróleo, o que poderá comprometer ainda mais a evolução da economia que deverá registar uma contração de 6% este ano.
China apoia Assembleia Constituinte da Venezuela
A China, ao contrário da restante comunidade internacional, considera que a votação para a Assembleia Nacional Constituinte da Venezuela, decorreu de forma “estável, no geral”, e apelou a outros países para que não intervenham neste processo.
“A China segue sempre o princípio de não intervenção nos assuntos internos de outros países e defendemos que haja igualdade e respeito entre as nações”, afirma em comunicado o Ministério chinês dos Negócios Estrangeiros. “A eleição Constituinte na Venezuela decorreu, no geral, de forma estável, e anotamos as reações de cada parte”, aponta a mesma nota, que não menciona os episódios de violência decorridos durante os comícios e as acusações de manipulação dos resultados.
"A eleição Constituinte na Venezuela decorreu, no geral, de forma estável, e anotamos as reações de cada parte.”
Em comunicado, o ministério diz desejar que o Governo e oposição venezuelanos tenham um diálogo “pacífico” e “de acordo com a lei”, e resolvam os diferendos, para “poder manter a estabilidade do país e desenvolvimento da economia e da sociedade”. A China é um dos maiores parceiros comerciais da Venezuela, que chegou a ser o principal destino dos investimentos do país asiático na América Latina.
Artigo atualizado às 16:02 com o adiamento da manifestação da oposição para sexta-feira.
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