Exclusivo TC já tem 11 sentenças a declarar inconstitucional lei que limita regresso da Função Pública à CGA
Tribunais contrariam diploma, com origem no Governo e viabilizado pelo Parlamento, e ditam o direito à reintegração de funcionários públicos na CGA. Ratton terá agora de se pronunciar de forma geral.
O Tribunal Constitucional (TC) já recebeu, por via de recurso do Ministério Pública, 11 sentenças de primeira instância que declararam inconstitucional a norma interpretativa, com origem no anterior Governo de Luís Montenegro e viabilizada pelo Parlamento, que limita a reinscrição de funcionários públicos na Caixa Geral de Aposentações (CGA), revelou ao ECO fonte oficial do Palácio de Ratton. Ao fim de três juízos nesse sentido, o plenário terá de se pronunciar de forma geral e obrigatória, concluindo se a lei em causa viola efetivamente a Constituição. Se for essa a decisão final, o diploma cai e será eliminado do ordenamento jurídico.
“Cumpre informar que deram entrada 11 processos referentes à Lei n.º 45/2024, de 27 de dezembro, não tendo ainda havido qualquer decisão sobre a matéria em causa. Os processos deram entrada em 2025, e estão a correr termos”, segundo o gabinete de relações externas do Tribunal Constitucional.
A CGA tem estado a rejeitar milhares de pedidos, sobretudo de professores que sofreram interrupções letivas por termo de contratos, o que os excluiu do sistema da CGA, ao abrigo de uma lei interpretativa, com origem no Governo anterior de Luís Montenegro e aprovada pelo Parlamento.
Mas o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel já emitiu cinco sentenças, depois de recursos apresentados pela Federação Nacional de Professores (Fenprof), e concluiu que a norma é inconstitucional por “violação do princípio da confiança”, indicando que os trabalhadores em causa devem ser registados novamente na CGA, tal como o ECO já noticiou. Estas decisões dizem apenas respeito às situações particulares de sete docentes, não podendo aplicar-se a todos os funcionários públicos.
Os professores em causa exerceram funções em várias escolas, tendo iniciado e cessado contratos. Posteriormente a 2006, ano em que o sistema previdencial da Administração Pública foi encerrado, interromperam a atividade letiva durante alguns anos e depois regressaram à escola pública, mas foram-lhes negados os pedidos para se registarem na CGA, cujo regime é mais favorável do que o da Segurança Social designadamente no pagamento de baixas médicas.
De salientar que o subsistema de proteção social deixou de aceitar novos subscritores desde 1 de janeiro de 2006. Ou seja, apenas os trabalhadores que estavam inscritos em data anterior podem regressar à CGA quando voltem a exercer funções na Administração Pública.
Face aos vários acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA) favoráveis ao regresso de trabalhadores à CGA, o juiz de Penafiel acabou por lhes dar razão, argumentando que a norma interpretativa viola “o princípio da confiança”, e as decisões foram proferidas este ano, já depois da entrada em vigor da lei de dezembro do ano passado que restringe o registo de funcionários públicos que saíram e voltaram a trabalhar para o Estado.
O artigo, declarado inconstitucional e que contraria vários acórdãos de tribunais superiores, estabelece que só é possível a reinscrição de funcionários públicos quando se verifique que não existiu descontinuidade temporal na prestação de trabalho ao Estado ou, existindo, se comprove que foi involuntária, limitada no tempo e justificada pelas especificidades próprias da carreira. Para além disso, é preciso comprovar que o funcionário não exerceu atividade remunerada durante o período em que interrompeu o vínculo público.
Cumpre informar que deram entrada 11 processos referentes à Lei n.º 45/2024, de 27 de dezembro, não tendo ainda havido qualquer decisão sobre a matéria em causa. Os processos deram entrada em 2025, e estão a correr termos.
“O legislador viola a confiança legítima dos particulares e, consequentemente, o princípio da proteção da confiança, quando decide introduzir, em 2024, inovações na Lei n.º 60/2005, sem qualquer consideração pelos efeitos já constituídos, sem qualquer consideração pela jurisprudência que, de forma reiterada e constante, vinha atribuindo aos professores o direito à inscrição na Caixa Geral de Aposentações a quem antes de 1 de janeiro de 2006, estivesse inscrito nesse regime de providência”, conclui o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel numa das sentenças a que o ECO teve acesso.
O entendimento deste tribunal de primeira instância é que, “quando um sujeito cesse o vínculo laboral e celebre um novo, tal não se considera como sendo ‘iniciar funções’”, tal como resulta do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de março de 2014.
Ora, num dos processos, o professor estava inscrito na CGA antes de o sistema ter deixado de aceitar novos subscritores, “logo, a partir do momento em que volte a constituir uma relação jurídica que, anteriormente a 31 de dezembro 2005, lhe conferisse o direito à inscrição na CGA, terá direito ser reinscrito”, de acordo com a mesma decisão. “A jurisprudência não exige qualquer outro requisito. Diga-se que se verifica a identidade da situação pelo menos em relação a cinco decisões de tribunais superiores”, refere o tribunal.
“A lei em causa e mais concretamente o número 2 do artigo 2.º veio introduzir requisitos novos, que a jurisprudência não previa, e que não se podem retirar da letra da norma interpretada”, lê-se nos vários acórdãos do tribunal de Penafiel que deram razão aos queixosos que intentaram uma ação contra a CGA e o Ministério da Educação. Por isso, concluem que “o número 2 do artigo 2.º da lei n.º 45/2024 “é uma falsa norma interpretativa”.
As 11 sentenças que declararam a inconstitucionalidade da norma dizem respeito a casos concretos, tendo o Ministério Público recorrido para o TC que se irá pronunciar sobre cada processo e a decisão dos juízes do Palácio de Ratton valerá igualmente para cada situação individual, sem força geral.
Ao fim de três pronúncias do Tribunal Constitucional, “o Ministério Público deve suscitar a verificação da constitucionalidade do diploma de forma geral e obrigatória”, explica ao ECO o constitucionalista José Moreira da Silva. “No entanto”, alerta, “este processo não é automático e o Ministério Público pode demorar meses ou anos até pedir a verificação geral e abstrata”.
Se a maioria dos 13 juízes do Palácio de Ratton confirmar as decisões, “a norma terá de ser eliminada do ordenamento jurídico”, indicou ao ECO o constitucionalista Tiago Duarte. Como consequência, todos os funcionários públicos que estavam na CGA, antes de 1 de janeiro de 2006, perderam, entretanto, a inscrição, por terem deixado de trabalhar para o Estado, e regressaram à Função Pública mais tarde vão poder reingressar, sem limitação alguma, na CGA. De sublinhar que o sistema de proteção social convergente é mais benéfico do que a Segurança Social, designadamente no pagamento da baixas médicas.
“O processo pode ser mais rápido” se se houver três decisões unânimes a confirmar as sentenças de primeira instância. Nesse caso, o plenário do TC deverá pronunciar sobre a inconstitucionalidade e o diploma cai, tem de sair do ordenamento jurídico, abrindo a porta à reinscrição de vários funcionários públicos na CGA em situação idêntica à analisada pelos tribunais.
Para além disso, sublinha, “sempre que a mesma norma tiver sido julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos, pode o Tribunal Constitucional, por iniciativa de qualquer dos seus juízes, promover a organização de um processo […], seguindo-se os termos do processo de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade ou da ilegalidade previstos na presente lei”, citando o artigo 82.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro que estabelece a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional.
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