Pedidos de regresso à Caixa Geral de Aposentações nas mãos do Tribunal Constitucional
Já há cinco sentenças a considerar que a lei interpretativa viola o princípio da confiança. Ao fim de três juízos nesse sentido, o Tribunal Constitucional tem de se pronunciar de forma geral.

O plenário do Tribunal Constitucional (TC) vai decidir se a lei interpretativa que limita o regresso de funcionários públicos à Caixa Geral de Aposentações (CGA) é inconstitucional, na sequência de cinco sentenças de primeira instância, a que o ECO teve acesso, que declararam a norma violadora do princípio fundamental da confiança. Ao fim de três juízos nesse sentido, o TC tem de se pronunciar de forma geral e abstrata, valendo para todas as situações.
Se a maioria dos 13 juízes do Palácio de Ratton confirmar as decisões, “a norma terá de ser eliminada do ordenamento jurídico”, explicou ao ECO o constitucionalista Tiago Duarte. Como consequência, todos os funcionários públicos que estavam na CGA, antes de 1 de janeiro de 2006, perderam, entretanto, a inscrição, por terem deixado de trabalhar para o Estado, e regressaram à Função Pública mais tarde vão poder reingressar, sem limitação alguma, na CGA. De sublinhar que o sistema de proteção social convergente é mais benéfico do que a Segurança Social, designadamente no pagamento da baixas médicas.
A CGA tem estado a rejeitar milhares de pedidos, sobretudo de professores que sofreram interrupções letivas por termo de contratos, o que os excluiu do sistema da CGA, ao abrigo de uma lei interpretativa, com origem no Governo e aprovada pelo Parlamento. Mas o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel já emitiu cinco sentenças, depois de recursos apresentados pela Federação Nacional de Professores (Fenprof), e concluiu que a norma é inconstitucional por “violação do princípio da confiança”, indicando que os trabalhadores em causa devem ser registados novamente na CGA. Estas decisões dizem apenas respeito às situações particulares de sete docentes, não podendo aplicar-se a todos os funcionários públicos.
Ao declarar a inconstitucionalidade da lei que limita a reinscrição na CGA, “o tribunal obriga o Ministério Público a recorrer para o Tribunal Constitucional e, até chegar a uma decisão, são suspensos os efeitos da sentença da primeira instância”, esclarece Tiago Duarte, professor de Direito Constitucional da Universidade Católica.
Se o TC validar as sentenças, de forma geral e abstrata, a norma cai. Caso contrário, terá de devolver os juízos ao tribunal para reverter a sua posição, obrigando a declarar a lei constitucional. O ECO já questionou o Palácio de Ratton sobre quantos recursos recebeu do Ministério Público e quando se irá pronunciar de forma geral e abstrata e aguarda resposta.
Perante as sentenças de inconstitucionalidade da regra que limita o regresso dos trabalhadores à CGA, a Fenprof já enviou um ofício à Provedoria de Justiça “solicitando pronunciamento sobre as dúvidas de constitucionalidade da Lei n.º 45/2024, de 27 de dezembro”, afirmou ao ECO o secretário-geral da federação sindical Mário Nogueira. “Fomos informados de que já estava criado um grupo de trabalho e que, muito em breve, a Provedoria de Justiça se iria pronunciar”, sublinhou. Ao ECO, a instituição, liderada pela provedora Maria Lúcia Amaral, afirmou apenas que, neste momento, está analisar o pedido da Fenprof.
Em fevereiro, quando o Governo ainda não tinha caído e estava em plenitude de funções, o ECO perguntou ao Ministério do Trabalho, que tutela esta área, se tencionava revogar o diploma face às sentenças de primeira instância. Mas, na altura, fonte oficial do gabinete da ministra Maria do Rosário Palma Ramal adiantou apenas: “O Governo não quer antecipar-se à declaração do Tribunal Constitucional, pelo que é prematura uma resposta”. Uma eventual proposta de alteração legislativa passará agora para as mãos do próximo Executivo que sair das eleições antecipadas de 18 de maio.
Violação do princípio da confiança
Em todas as cinco sentenças do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel relativamente aos recursos apresentados pela Fenprof para contestar a lei interpretativa e forçar a reinscrição de professores na CGA, a conclusão é a mesma: “Desaplica-se o número 2 do artigo 2.º da Lei n.º 45/2024 de 27 de dezembro por inconstitucionalidade”, devido à “violação do princípio da confiança”.
O artigo, declarado inconstitucional e que contraria vários acórdãos de tribunais superiores, estabelece que só é possível a reinscrição de funcionários públicos quando se verifique que não existiu descontinuidade temporal na prestação de trabalho ao Estado ou, existindo, se comprove que foi involuntária, limitada no tempo e justificada pelas especificidades próprias da carreira. Para além disso, é preciso comprovar que o funcionário não exerceu atividade remunerada durante o período em que interrompeu o vínculo público.
De salientar que o regime de proteção social deixou deixou de aceitar novos subscritores desde 1 de janeiro de 2006. Ou seja, apenas os trabalhadores que estavam inscritos em data anterior podem regressar à CGA quando voltem a exercer funções na Administração Pública, se cumprirem os requisitos previstos no diploma.
“O legislador viola a confiança legítima dos particulares e, consequentemente, o princípio da proteção da confiança, quando decide introduzir, em 2024, inovações na Lei n.º 60/2005, sem qualquer consideração pelos efeitos já constituídos, sem qualquer consideração pela jurisprudência que, de forma reiterada e constante, vinha atribuindo aos professores o direito à inscrição na Caixa Geral de Aposentações a quem antes de 1 de janeiro de 2006, estivesse inscrito nesse regime de providência”, conclui o juiz.
Assim, o entendimento deste tribunal de primeira instância é que, “quando um sujeito cesse o vínculo laboral e celebre um novo, tal não se considera como sendo ‘iniciar funções’”, tal como resulta do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de março de 2014.
“A lei em causa e mais concretamente o número 2 do artigo 2.º veio introduzir requisitos novos, que a jurisprudência não previa, e que não se podem retirar da letra da norma interpretada”, lê-se no relatório. Por isso, o tribunal conclui que “o número 2 do artigo 2.º da Lei n.º 45/2024 “é uma falsa norma interpretativa”.
Há ainda o “problema jurídico” da retroatividade do diploma em causa, embora o mesmo indique que não se aplique a decisões transitadas em julgado em data anterior à da sua entrada em vigor: “Esta lei produz efeitos a partir da entrada em vigor da Lei n.º 60/2005 de 29 de dezembro. As normas contidas neste diploma visam por isso ser aplicadas retroativamente a situações de facto já constituídas e inclusive a ações judiciais pendentes”.
Uma vez que a lei retroage a situações anteriores, o princípio inviolável da proteção de confiança fica ferido de inconstitucionalidade. “O Tribunal Constitucional explica, no seu acórdão n.º 310/2021, que o princípio da proteção da confiança constitui um dos invólucros jurídicos que o ordenamento jurídico e seu edifício não deixarão de dispensar aos valores da estabilidade, da segurança e da confiabilidade”, argumenta o juiz que assina as sentenças.
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