Caderno de encargos para o Orçamento. A lista já vai longa

  • Margarida Peixoto
  • 13 Setembro 2017

A um mês da apresentação do Orçamento do Estado, com a economia a superar expectativas e o défice a baixar, a lista de pedidos para o ministro das Finanças já vai longa.

O ministro das Finanças, Mário Centeno, terá de fazer as contas a todos os pedidos e decidir se há verba para os satisfazer.Paula Nunes / ECO

A um mês de apresentar a proposta de Orçamento do Estado para 2018 na Assembleia da República, Mário Centeno, ministro das Finanças, já tem um caderno de encargos com várias páginas preenchidas. Com a economia a crescer acima do projetado, e garantias por parte do Executivo socialista de que o défice orçamental está sob controlo, os grupos de interesse têm vindo a organizar-se: dia após dia, somam reivindicações — e ameaças de greve — com o objetivo de ver feita a sua vontade. Conseguirá Centeno manter as rédeas do Orçamento?

Em abril, quando apresentou o Programa de Estabilidade, Mário Centeno antecipava um crescimento de 1,8% para o PIB deste ano. Afinal, no primeiro semestre de 2017 a economia expandiu-se a um ritmo de 2,9%.

Do lado do mercado de trabalho, os progressos também são bastante positivos: a taxa de desemprego caiu no segundo trimestre do ano para 8,8%, quando a meta para o conjunto do ano era de 9,9%. Tal como o ECO explicou, por cada ponto a menos na taxa de desemprego, as contas públicas ganham uma folga de 340 milhões de euros.

Os números da execução orçamental já começaram a refletir o efeito dos estabilizadores automáticos: os gastos com prestações de desemprego recuam, enquanto a coleta de impostos engorda. A receita de IRC subiu 18,8% até julho, a coleta do IVA aumentou 6,1%, mas a despesa da Segurança Social com subsídio de desemprego baixou 13,4%. Feitas as contas, o défice melhorou 1.153 milhões de euros nos primeiros sete meses do ano, quando comparados com o mesmo período de 2016. Este é um número que ajuda a formar a perceção da existência de folgas orçamentais, margens para satisfazer a vontade aos vários grupos de pressão.

Greves e contestação

Para além da apresentação de reivindicações, as greves são outro sinal de pressão forte. Na Saúde, a contestação está ao rubro, com os médicos a ameaçarem fazer greve depois das autárquicas e os enfermeiros num braço de ferro com o Governo, a cumprir cinco dias de greve nacional.

E mesmo perante o alerta da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) de que o protesto dos enfermeiros especialistas está irregular (o pré-aviso não terá respeitado os dez dias de antecedência), os profissionais não recuaram e as taxas de adesão têm sido elevadas. Mais: até ameaçam fazer nova greve caso as faltas sejam mesmo marcadas.

Mas não é só na saúde que há pressão: os juízes também prometem fazer greve depois das eleições autárquicas, a 3 e 4 de outubro. Querem terminar a revisão do Estatuto, que dizem ter ficado a meio, protestam por melhores salários e mais condições no tribunais.

O problema é que Centeno terá de escolher bem quais são os grupos de pressão a que vai ceder. Por exemplo, só fazer a vontade aos enfermeiros que estão em greve custa 126 milhões de euros, estima a equipa da ACSS.

Quem quer o quê?

Os enfermeiros e os médicos querem melhores condições contratuais, os juízes querem terminar a revisão dos estatutos, os pensionistas querem mais aumentos extraordinários, os empresários querem pagar menos impostos. O ECO reuniu as reivindicações fundamentais que chegaram à mesa de Mário Centeno, ao longo das últimas semanas.

Função Pública

A Função Pública pede, desde logo, o descongelamento completo das carreiras, sem faseamentos. “Não podemos aceitar nenhum tipo de faseamento nem nenhum tipo de fracionamento nos escalões a que os trabalhadores têm direito,” defendeu José Abraão, da FESAP. Helena Rodrigues, do STE, também já tinha defendido o mesmo, bem como Ana Avoila, da Frente Comum. Quer também aumentos salariais — os pedidos variam entre reivindicações de 2% e de 4% e um subsídio de refeição mais alto, e não tributado. Por fim, os sindicatos dos funcionários públicos argumentam ainda a favor da despenalização das reformas antecipadas de pessoas com carreiras mais longas.

Médicos

As principais reivindicações dos médicos são a redução do número de horas semanais de trabalho no serviço de urgência (os médicos querem fazer menos seis horas por semana, passando de 12 horas para 18 horas); a diminuição do número de horas suplementares que têm de fazer, obrigatoriamente, por ano (de 200 para 150 horas); e a redução do número de utentes por médico de família (de 1.900 para 1.550).

Segundo um documento preparado pelo Governo para as negociações, revelado pelo Jornal de Negócios, só a redução do número de horas semanais no serviço de urgência custaria cerca de 120 milhões de euros por ano, estima o Executivo.

Enfermeiros

Querem ver reconhecida a carreira de enfermeiro especialista, com um vencimento mais elevado para os profissionais que têm esta formação. Segundo o Jornal de Notícias, um enfermeiro em início de carreira ganha cerca de 1.200 euros mensais. De acordo com a proposta do Sindicato dos Enfermeiros apresentada à Administração Central do Sistema de Saúde a 16 de agosto, o valor de entrada de um enfermeiro especialista deveria ser de 2.488,78 euros. Os enfermeiros reivindicam ainda a generalização do horário semanal de 35 horas já que, quando o Governo regressou a este horário, no ano passado, deixou de fora os trabalhadores com contratos individuais de trabalho, regulados pelo Código do Trabalho.

A ACSS fez as contas aos custos destes pedidos dos enfermeiros e estima um impacto anual na ordem dos 126 milhões de euros para os cofres públicos.

Já o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, que não aderiu à greve, mantém o diálogo com o Executivo. Esta terça-feira os dirigentes do SEP reuniram-se com Adalberto Campos Fernandes e, tal como explicou a sindicalista Guadalupe Simões, o objetivo era conseguir aval do Governo para uma valorização automática de duas posições na tabela salarial a todos os enfermeiros especialistas. Esta proposta terá um custo mínimo de cerca de 45 milhões de euros por ano, mostram os cálculos do ECO.

Professores

A FENPROF já entregou ao Governo e a todos os grupos parlamentares um conjunto de propostas e reivindicações para o OE2018. No âmbito do Ensino Básico e Secundário e da educação de infância os professores juntam-se ao pedido de descongelamento das carreiras já no próximo ano, querem condições especiais de aposentação para os docentes, um novo concurso extraordinário de vinculação de professores e que todas as atividades com alunos sejam consideradas para a componente letiva.

Pedem ainda o reforço dos recursos humanos, docentes e não docentes, das escolas; uma redução significativa do número máximo de alunos por turma; o início da desagregação dos mega-agrupamentos; e a aprovação de um regime de gestão democrática para as escolas.

No âmbito do ensino superior e ciência, a FENPROF reivindica “um reforço orçamental significativo para garantir o descongelamento das carreiras, a abertura de concursos e a vinculação de docentes e investigadores”.

Juízes

Numa carta aberta ao primeiro-ministro, publicada no Expresso a 26 de agosto, a presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Maria Manuela Paupério, sublinhou as principais preocupações dos magistrados. Desde logo, os juízes exigem terminar as negociações do Estatuto dos Magistrados Judiciais, que ficaram a meio.

Mas não só: estão preocupados com a falta de meios informáticos adequados para o exercício das suas funções, com a falta de espaço e as más condições dos tribunais, com o impedimento de recorrerem a assessoria e com a falta de acesso a medicina no trabalho. Estas serão reivindicações que deverão estar em cima da mesa das negociações do próximo Orçamento do Estado, uma vez que para serem atendidas é preciso dinheiro público.

Os magistrados marcaram uma greve para 3 e 4 de outubro, dois dias depois das eleições autárquicas.

Pensionistas

Na defesa dos interesses dos pensionistas, PCP e BE têm defendido a despenalização das reformas antecipadas para as carreiras longas — ou seja, para quem tem 60 anos de idade e 40 de serviço. Na Festa do Avante, o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, exigiu aumentos reais para todas as pensões (pediu no mínimo dez euros para todos os pensionistas).

Empresários

O presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), António Saraiva, não tem dúvidas sobre qual é o principal pedido dos empresários para o próximo Orçamento do Estado: “previsibilidade fiscal” sublinhou, em entrevista ao Expresso, publicada a 2 de setembro. Para António Saraiva, seria fundamental uma “melhoria da carga fiscal” para as empresas, com o IRC a descer para os 19%. O empresário nota ainda que, apesar dos progressos feitos com o Simplex, “a burocracia é ainda asfixiante para as atividades económicas.”

A CIP já publicou um documento com 44 páginas, com 14 propostas concretas para o Orçamento do Estado do próximo ano, que pode consultar aqui.

Forças de segurança

Os polícias e militares querem garantir o descongelamento de carreiras já no próximo Orçamento do Estado para 2018. Segundo o Público, nas negociações sobre o Orçamento do Estado para 2018 o Governo tem defendido que os funcionários públicos que já tiveram algum tipo de descongelamento não fazem agora parte das prioridades. Também o primeiro-ministro, António Costa, já tinha avisado, numa entrevista ao Expresso, que o descongelamento será para as carreiras “que não tenham sido objeto de nenhum tipo de descongelamento, sejam carreiras gerais ou especiais.”

Construção

A Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário pede um acordo entre o PS e o PSD para as grandes obras. Em declarações ao Jornal de Negócios, no final da semana passada, Manuel Reis Campos, presidente, defendeu que o próximo Orçamento do Estado deve trazer um entendimento político expresso sobre o grandes investimentos públicos. Além disso, pediu ao Executivo socialista estabilidade fiscal (exceto no adicional ao IMI, que gostaria de ver corrigido), programas de captação de investimento estrangeiro e um impulso à reabilitação urbana alargado à generalidade das cidades.

Indústria

As indústrias do têxtil, metal e calçado pedem menos IRC, para exportar mais, adiantou o Jornal de Negócios, na semana passada. Paulo Vaz, diretor da Associação Têxtil e Vestuário e Portugal, pede a descida mais expressiva, para 10%, enquanto o metal e calçado vão ao encontro da reivindicação de uma taxa de 19%, feita pela CIP.

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