Cecília Meireles é contra o novo imposto para os produtos com elevado teor de sal. Em entrevista ao ECO, a deputada do CDS afirma que o Estado está a ultrapassar os limites na intervenção que faz.
Ao terceiro Orçamento do Estado da atual solução governativa, os centristas continuam a fazer a mesma crítica: Governo dá com uma mão e tira com a outra. A maior crítica vai para a política fiscal no que toca aos impostos indiretos. É um “padrão” deste Governo, diz a vice-presidente do grupo parlamentar do CDS. Ainda que concorde com o alívio fiscal do IRS e o aumento extraordinário das pensões — consoante a folga orçamental existente –, Cecília Meireles defende uma outra forma de aplicar essas medidas.
A maior critica que o CDS tem feito ao Governo é o aumento dos impostos indiretos. No entanto, a maior parte deles, este ano, subiram ao nível da inflação. O CDS é contra? Caso não subissem ao nível da inflação, a carga fiscal destes impostos indiretos ia descer.
Em alguns casos seria bastante bom. Em alguns seria bastante sensato que descesse porque até nem têm razão de ser, como no caso do Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP). Alguns têm sido aumentados ao nível da inflação, mas não me consta que tenham sido retirados os aumentos que não foram ao nível da inflação, aplicados no ano passado. Eles incorporam esse aumento, sendo que há alguns, recordo, que [o aumento] não é ao nível da inflação. Por exemplo, o Imposto do Selo não é ao nível da inflação, é um aumento da percentagem. Eu percebo a preocupação com o aumento do crédito ao consumo, realmente também me preocupa, que o Estado não o queira incentivar. Já percebo menos que o Imposto do Selo atue sobre todo o crédito, incluindo o crédito às empresas, que tanto quanto se sabe continua a apresentar problemas.
A medida não tem em vista especificamente o crédito para consumo?
Estamos a falar de quatro tipos de créditos diferentes e isso é que baralha depois nas medidas. Começo até por partilhar preocupações, mas depois o que vejo na prática não é uma partilha de preocupações, é a partilha de uma única preocupação que parece ser ter uma fonte de receita que as pessoas não se apercebam, mas que depois o dinheiro apareça lá, independentemente do dano que isso possa causar. Depois, o ‘imposto do sal’.
O CDS é contra esse novo imposto?
O CDS é, de uma forma geral, contra o aumento de impostos e contra o ‘imposto do sal’. Sempre que se quer apresentar um novo imposto, quanto mais absurdo ele é, mais se tenta justificar dizendo que as receitas vão para um fim que é sempre indiscutível e com o qual todos os partidos estão de acordo.
Além da consignação da receita, é também um incentivo negativo…
É um incentivo negativo… mas foi como a história do imposto sobre os refrigerantes. É um incentivo a que o Estado tenha mais dinheiro nos seus cofres sem que as pessoas se apercebam. É sobretudo um incentivo à anestesia fiscal. Políticas de saúde que tenham pés e cabeça? Somos a favor. Sobre o Estado taxar alimentos de acordo com aquilo que entende que as pessoas devem comer e que é melhor para elas, sobre isso só posso dar a minha posição pessoal: sou radicalmente contra. Não acho que o Estado deva decidir por cada um de nós. Pode aconselhar, pode explicar, pode informar.
Mas não proíbe…
Não proíbe, mas vai bastante mais longe do que acho que devia ir. Por essa lógica, há muitos outros comportamentos que não são saudáveis. Um dia ainda vamos pagar uma multa por não irmos correr todos os dias. Há limites. Esta não é uma posição oficial do CDS. É a minha posição pessoal. Há limites para aquilo em que o Estado pode interferir nas escolhas individuais de cada um. Do meu ponto de vista, aquilo que se come é uma escolha individual. Criar este tipo de impostos, quer o do sal quer o dos refrigerantes, — e este assunto não é discutido só em Portugal — é ultrapassar esses limites. Poderá haver dentro do CDS quem pense de forma diferente.
As frases são do passado, os rostos são do passado e o modelo é do passado e esperemos que os resultados não sejam os do passado.
Se o CDS estivesse no Governo com o PSD neste momento já existiria um excedente orçamental para abater à dívida pública?
Isso dependeria de muitíssimos fatores. Se o crescimento da economia fosse igual… O caminho que nós teríamos seguido também teria permitido, por exemplo, que não tivesse existido o abrandamento em 2016. Teria havido um crescimento económico mais assente em produção de riqueza e em produtividade, coisa que não tem acontecido. E, portanto, sim, eu quero crer que seria possível termos alcançado esse excedente. Teria sido possível alcançar esse objetivo sobretudo com condições externas tão favoráveis. Agora é sempre difícil fazer a história do que não aconteceu e do que foi interrompido.
Sobretudo aquilo que está a acontecer é que lentamente muitas das mudanças estruturais — que tinha sido possível fazer e que tem a ver com aquilo que Portugal passou — estão novamente a voltar ao modelo de crescimento que é baseado em consumo e em dívida. É particularmente curioso que se continue a persistir nisso quando se percebe que dá os mesmos resultados. Vejo o retorno a padrões que são nitidamente do passado. Até os protagonistas são muito do passado, até as frases como ‘o melhor défice da democracia’… As frases são do passado, os rostos são do passado e o modelo é do passado. Esperemos que os resultados não sejam os do passado.
Assunção Cristas defendeu o alívio fiscal no IRS para todos. O ritmo de devolução deveria ser mais lento?
A minha opinião é precisamente a de Assunção Cristas: faz sentido que exista alívio fiscal, dependendo da folga que houver… e nós chamamos várias vezes a atenção para esta questão face ao estado de quase rutura dos serviços públicos. Agora, a existir, [a folga orçamental] deveria ser para todos e tem a ver com este critério de justiça. Nós estamos a falar de um imposto em que 10% dos contribuintes contribuem com 70% da receita. Faz sentido que se houver um desagravamento deste imposto que estes contribuintes fiquem de fora?
Pagam mais porque têm rendimentos superiores…
É normal não apenas que paguem mais, mas que paguem proporcionalmente mais. Isto é o que se chama ser progressivo. Agora, faz sentido um imposto em que quase toda a receita é financiada por uma pequena parte da população? Essa é que é a pergunta. Agora se me perguntar: mas faz sentido que todos tenham o mesmo alívio? Não, eu acho que faz sentido que o maior alívio seja dos contribuintes que menos podem e que ainda estão na metade da população que felizmente tem rendimentos para pagar IRS, porque os que menos têm são a outra metade que não paga.
Ou seja, não deveria ter sido feito a nivelação que se fez?
Não. Eu percebo que se faça a nivelação. Eu preferia que se fizesse uma nivelação que fosse em escadinha, mas que todos tivessem algum alívio, sendo que há aqui ainda outra coisa que vale a pena dizer… Por exemplo, o aumento de um imposto como o ISP tem um efeito muito mais transversal [do que o IRS] e que é, em muitos casos, esse sim, regressivo. O que também me revolta é ouvir muitas vezes um discurso que nos diz ‘não, não, quem tem mais paga tudo e quem tem menos tem alívio’. Eu concordo que o alívio seja maior para quem tem menos, mas acho que isso é totalmente incoerente com estar a aumentar o imposto sobre o gasóleo e a gasolina, porque esse imposto é regressivo. Não é apenas para quem tem carro ou põe gasóleo ou gasolina. É para quem adquire bens que pura e simplesmente vão parar às prateleiras do supermercado com recurso a produtos petrolíferos, que são todos. Essa ideia de que só quem tem mais dinheiro em Portugal é que tem carro é desconhecer que, infelizmente, em muitos sítios do nosso país as pessoas até para se deslocarem para ir trabalhar precisam com muito sacrifício de terem carro, porque o sistema de transportes deixa muito a desejar e isso acontece muitas vezes a pessoas de muito poucos rendimentos.
O que eu acho é que não é apenas a questão da discussão de como se faz um desagravamento do IRS, é que eu acho que ele é muito feito — como muitas alterações fiscais deste Governo — tendo em mente uma coisa: a imagem. No IRS, põe-se em prática tudo o que é a teoria e a imagem que o Governo quer passar, depois pega-se nos impostos indiretos e vai-se à realidade buscar receita. Pouco importa se é a quem tem mais se é a quem tem menos, se é à classe média ou se não é à classe média… E isso é que tem sido visível, porque a profusão de impostos indiretos e de aumentos dos impostos indiretos tem sido uma constante nos últimos anos. Já se transformou num padrão.
O CDS é a favor do aumento extraordinário das pensões?
O CDS é a favor que a lei possa ser cumprida. É, para nós, uma boa notícia.
E o aumento extraordinário em agosto?
Uma coisa é haver um aumento extraordinário. Outra coisa diferente é haver um aumento em agosto. Não vejo razões para que se faça aumentos em agosto. Percebo porque foi seguido esse método no ano passado. Os Orçamentos são feitos para os anos civis de janeiro a dezembro. Por isso, o que me parece que faz sentido é que os aumentos sejam feitos em janeiro.
Mas é a favor do aumento extraordinário?
Concordo que haja um aumento das pensões e que a lei seja cumprida. Houve um calendário eleitoral muito nítido, tal como houve um calendário eleitoral muito nítido na discussão do OE deste ano. Ao longo da discussão, certamente essas dúvidas vão ficar esclarecidas.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Novo imposto do sal? “Ainda vamos pagar uma multa por não irmos correr”
{{ noCommentsLabel }}