Cecília Meireles é contra as alterações que o Governo quer aplicar ao regime simplificado para os recibos verdes e diz que vai sair beneficiado quem faz contabilidade organizada.
Foi a surpresa deste Orçamento do Estado para 2018: o Governo quer alterar uma parte do regime simplificado dos recibos verdes. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais recusa que a alteração provoque um aumento da tributação, mas essa não é interpretação do CDS, principalmente porque a medida vai aumentar a arbitrariedade do fisco. Em entrevista ao ECO, Cecília Meireles defende que, pelo contrário, é necessário dar um sinal positivo ao mérito e ao esforço dos trabalhadores através da isenção do IRS nas horas extraordinárias.
O CDS é contra as alterações que o Governo quer introduzir no OE2018 para os recibos verdes. Os trabalhadores independentes podem contar com o CDS para apresentar propostas de alteração na especialidade?
Com certeza que podem. Isto como está não faz nenhum sentido. Isto não pode ser como está a dizer o secretário de Estado, caso contrário é o caos absoluto. Isto não é o fim do regime simplificado. Isto é o regime mais complicado e mais arbitrário que já se viu. Qualquer pessoa sensata que entenda como é que a administração tributária funciona já percebeu que as pessoas vão fazer essa afetação e depois o que vai acontecer é que um dia aparecem-lhe as finanças a dizer que não aceitam a afetação e que têm de pagar impostos. Abrir áreas de arbitrariedade à Autoridade Tributária (AT) é péssimo. Quanto mais seguras e mais explícitas as coisas estiverem, melhor é. Se o Governo acha que 25% é demais, então que escolha outra percentagem.
Como se viu com a interpretação em relação às mudanças dos bancos nos empréstimos à habitação, regra geral, quando se dá arbitrariedade à AT para fazer interpretações, as interpretações não são normalmente as que mais favorecem o contribuinte. Quanta mais certeza nós podermos introduzir na AT, melhor. Há pessoas que provavelmente terão mais despesas do que 25%. Mas a previsibilidade e a certeza que este regime simplificado dá e a simplificação que ele produz é muito melhor. Não se percebe qual é a ideia de, num cenário que o Governo diz ser de desagravamento fiscal, vir agravar impostos. Qual é a lógica?
O que poderá o CDS propor?
Estamos a trabalhar em propostas. Esta é a área mais inexplicável [do OE2018]. Se o Governo demonstrar situações de iniquidade em relação a este regime, podemos discutir. Se o Governo é contra o regime simplificado… [a alternativa] é a contabilidade organizada. É uma excelente notícia para quem organiza contabilidade. É mais uma despesa para quem ganha 16 ou 17 mil euros por ano… a quem não é absolutamente indiferente que tenha de organizar esta contabilidade, de todo. Isto vai introduzir um lado de absoluta arbitrariedade no sistema.
Este Orçamento é um Orçamento que não diz praticamente nada ao futuro.
A maior parte das medidas propostas pelo CDS são de desagravamento fiscal. Presumindo que mantêm a ideia de que o país não deve ter défice, como compensariam a menor receita fiscal?
Estas propostas foram feitas com base nas reiteradas afirmações do Governo de que havia margem. E eram até propostas do ponto de vista financeiro muito mais modestas do que aquelas que foram finalmente postas em prática. Apresentamo-las porque queríamos assinalar algumas coisas que, para nós, eram e são muito importantes. Mantêm-se atuais, embora algumas tenham de ser afinadas em função da disponibilidade [orçamental].
Este Orçamento é um Orçamento que não diz praticamente nada ao futuro. É um Orçamento todo voltado para o presente e que não tem rigorosamente nada para o futuro. Essa é a primeira crítica que vale a pena fazer ao Orçamento. Tem de facto aumentos de despesa muito substanciais, designadamente com prestações sociais e com salários, que são, como se sabe, estruturais. Vão repetir-se e vão incrementar-se todos os anos com recurso a um financiamento que tem a ver com crescimento económico que é conjuntural e até com alguns fatores que são ainda mais conjunturais, como é o facto, por exemplo, de termos uma diminuição da despesa com juros e de termos uma política de juros a ser levada a cabo pelo Banco Central Europeu que tem determinados efeitos, mas que serão necessariamente finitos. Temos, de um lado, despesas estruturalmente a crescerem, financiadas com receitas que são meramente conjunturais. Isso preocupa-nos.
Temos despesas estruturalmente a crescerem financiadas com receitas que são meramente conjunturais.
Quanto às propostas, a ideia de que quando se desce a taxa de IRC isso provoca imediatamente uma queda na receita… se todos os outros fatores se mantiverem, sim. Mas se, por exemplo, estivermos num período de expansão económica, se isso induzir um maior investimento, se induzir a instalação de empresas, isso pode significar, sobretudo nos anos seguintes, um aumento de receita. A continuação do que se chamou reforma do IRC, que tem sobretudo a ver com a questão da taxa, era fundamental para se tentar fazer alguma coisa de estrutural e não apenas de conjuntural em relação à economia do país.
No caso de isentar o IRS dos trabalhadores nas horas extra, isso dificilmente traria mais receita…
Como é óbvio. É impossível.
Onde é que o CDS cortaria nas despesas do Estado ou onde é que iria buscar mais receita para compensar esses potenciais efeitos?
Estas propostas sinalizam escolhas. Naturalmente que quando as apresentarmos na [versão] final, vamos ponderá-las com todas as outras alterações que são feitas no Orçamento e todas as outras fontes de receita do Orçamento e chegar a essa versão. Foram feitas num pressuposto de que haveria alguma margem de diminuição de impostos este ano. Informação essa que foi dada pelo Governo. As coisas até foram bastante mais longe do que eu estava à espera nessa matéria e essa é uma escolha que convinha que as pessoas estivessem bem cientes dela. Nós estamos a aproveitar ao máximo as condições conjunturalmente positivas para fazer estes ajustamentos.
Em relação à questão das horas extraordinárias, é uma proposta que não é nada fácil de quantificar. É possível chegar a alguns impactos aproximados mas com as indicações que são públicas. É possível chegar [a uma estimativa exata] com os dados que o Governo tem — com os dados que nós temos é difícil chegar a uma quantificação exata.
Consegue dar uma ideia de quanto custaria?
Com os dados que nós temos, é muito difícil. Agora, também lhe digo: há abertura da nossa parte para todas as modulações da proposta que permitam que se dê voz a este princípio essencial e que, para nós, é fundamental: quando alguém trabalha mais, quando alguém faz um esforço suplementar e produz mais, que beneficie do rendimento que se obtém com esse trabalho, pelo menos parcialmente. Aquilo que acontece em muitos casos, até pelo funcionamento das tabelas da retenção na fonte, e isso é relatado por muitos trabalhadores, é que estas horas são muito pouco compensadoras.
Uma medida destas, numa altura que o desemprego estivesse a aumentar, era completamente errada.
Passaram a ser menos compensadoras por causa das alterações que PSD e CDS introduziram no mercado laboral…
Pois, mas isto tem a ver com coisas diferentes. Aqui estamos a falar de política fiscal. Desse ponto de vista, é importante sinalizar esta questão do esforço e esta questão do mérito. Há de certeza outras visões alternativas e elas são absolutamente claras e espelham-se em algumas opções que têm sido tomadas em relação ao IRS. Agora, estas duas ideias, para nós, são essenciais.
Primeiro, sinalizar esta ideia de que se há margem e há folga para haver um desagravamento, que este desagravamento seja para todos e dar um sinal ao trabalho, ao mérito e ao esforço. Isso é uma coisa que para nós é essencial. Se tecnicamente se pode fazer desta maneira ou daquela, eu estou aberta a todas as discussões técnicas. Agora, acho muito engraçado, de uma forma irónica, que tenha ouvido todo o tipo de questões sobre todo o tipo de desagravamentos e sobre todo o tipo de aumento de prestações do Estado… Não havia limites. O céu era o limite. Havia dinheiro para tudo. Bastou falar em mérito, bastou falar em esforço e é só dificuldades e é tudo impossível.
Admite que pode haver um incentivo errado para as empresas?
Com certeza que admito que uma medida destas, numa altura que o desemprego estivesse a aumentar, era completamente errada. Claro que só é possível adotar uma medida destas numa altura de aumento do emprego e de diminuição do desemprego. Por isso mesmo é que não a propusemos durante outras alturas.
Quem se esforça mais merece que o Estado reconheça esse esforço e que não se aproprie desse esforço.
E o desenho da medida poderá ter essa ideia também?
Nós fomos muito claros no nosso objetivo. Identificámos um problema e ninguém consegue dar uma resposta a isto. Depois, tecnicamente, vejo apontar muitos defeitos, mas qual é a alternativa? Têm alguma ideia que permita premiar o trabalho? Premiar o mérito? Premiar o esforço? Se têm, vamos discuti-la. Agora, o que eu não aceito é que não se possa discutir esse princípio, que é sobretudo um princípio de mobilidade social, de acreditar que é possível subir na vida pelo mérito, pelo trabalho. Quem se esforça mais merece que o Estado reconheça esse esforço e que não se aproprie desse esforço. Esse princípio pode ter inúmeras consagrações técnicas. Eu não vejo ninguém discutir o princípio, mas depois são contra todas as consagrações práticas desse princípio. Isso é que eu não acho aceitável.
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Alteração nos recibos verdes? “É uma excelente notícia para quem organiza contabilidade”
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