Recibos verdes: quem paga mais e menos? Veja as simulações
Desaparecem os escalões, baixa a taxa, o desconto passa a ter por referência rendimentos mais recentes. Para saber se há quem venha a descontar mais ou menos, cada caso é um caso.
O regime contributivo dos recibos verdes vai mudar e os primeiros efeitos práticos são esperados em 2019. Com o novo modelo, estima-se que os trabalhadores venham a poupar 100 milhões de euros, conforme referiu já o deputado bloquista José Soeiro. Mas isto não quer dizer que haja poupança em todos os casos.
O Governo já disse que o objetivo das mudanças é tornar as contribuições “justas” e aumentar a proteção social. E em entrevista ao ECO, a secretária de Estado da Segurança Social, Cláudia Joaquim, também admitiu que “é completamente impossível dizer que não haverá aumentos para alguns trabalhadores independentes, porque cada caso é um caso”.
Com o novo regime, a taxa contributiva desce, mas também há mudanças na base sobre a qual incidem os descontos. Desde logo, os trabalhadores independentes vão passar a descontar 21,41%, quando atualmente descontam 29,6%. A taxa desce de 34,75% para 25,17% no caso de empresários em nome individual e de titulares de estabelecimento individual de responsabilidade limitada (e respetivos cônjuges). Uma versão preliminar do diploma, sujeita a alterações, a que o ECO teve acesso, eliminava a taxa de 28,3% para produtores agrícolas com rendimentos exclusivos da atividade agrícola.
O rendimento relevante vai continuar a corresponder, em regra, a 70% do valor da prestação de serviços e a 20% dos rendimentos de produção e venda de bens. No caso de atividades hoteleiras, deve manter-se a regra dos 20%. No entanto, no regime que hoje vigora os trabalhadores independentes são posicionados anualmente em escalões contributivos que têm por base o rendimento relevante do ano anterior — a taxa incide sobre o valor do escalão imediatamente abaixo. E com o novo regime, a referência será a média do trimestre anterior ao da (nova) declaração de rendimentos — desaparecem os escalões e a taxa incide sobre o valor do rendimento relevante apurado.
Mais: atualmente, os trabalhadores independentes podem pedir à Segurança Social para subir ou descer até dois escalões contributivos, descontando mais ou ou menos. Portanto, um trabalhador que esteja no quinto escalão, por exemplo, pode descer até ao terceiro, contribuindo menos; mas quem tem rendimentos mais baixos e está no primeiro escalão, já não pode descer qualquer patamar nem descontar menos — uma questão que chegou a ser levantada pelo anterior Provedor de Justiça. Além disso, existe ainda uma espécie de ‘escalão 0’, onde são colocados trabalhadores de rendimentos muito reduzidos. De acordo com o ministro Vieira da Silva, mais de 45% dos trabalhadores independentes descontam sobre meio IAS e estão a “construir uma carreira que só lhes garante uma pensão mínima e, mesmo assim, com uma forte comparticipação de transferências do Estado”.
Já com as novas regras, o trabalhador poderá ajustar os descontos subindo ou descendo até 25% o valor dos rendimentos — “em intervalos de cinco”, anunciou esta quinta-feira o ministro do Trabalho.
Face às diferenças entre sistemas, para perceber se o desconto aumenta ou diminui é preciso analisar caso a caso, tendo também em conta a opção do trabalhador de ajustar, e em quanto, as suas contribuições. E há outras ressalvas a fazer, que dificultam comparações diretas. Desde logo, as referências temporais: a lei diz hoje que a base de incidência é fixada em outubro — tal como o ECO noticiou, os trabalhadores independentes foram avisados no mês passado do desconto a que estariam sujeitos durante 12 meses (que não coincidem exatamente com o ano civil), tendo por base os rendimentos de 2016. Já com o novo regime, a contribuição é revista de três em três meses, tendo por referência rendimentos mais recentes. Por exemplo, até 30 de abril de 2019, os trabalhadores vão ter de declarar os rendimentos do trimestre anterior e serão depois geradas contribuições relativas a abril, maio e junho, que terão de ser pagas no mês seguinte (entre os dias 10 e 20 de maio, junho e julho). Esta será a segunda declaração trimestral no âmbito do novo regime.
Além disso, o novo regime prevê uma contribuição mínima de 20 euros (mesmo nos meses sem rendimento), abaixo do valor que resulta das regras atuais, que ultrapassa 60 euros. Ao fim de um ano a descontar pelo valor mínimo, o trabalhador fica isento. Ainda assim, se atualmente, os trabalhadores com rendimentos muito reduzidos podem ficar excluídos dos efeitos do sistema, no futuro isso não deverá acontecer.
Exceção deve ser feita aos trabalhadores independentes com contabilidade organizada, cujo rendimento relevante deverá corresponder ao valor do lucro tributável apurado no ano anterior, com o limite mínimo de 1,5 IAS, ainda que o contribuinte possa optar pelo regime trimestral. Atualmente, estas pessoas também descontam sobre o lucro tributável (a partir de 1,5 IAS), mas apenas se este for inferior ao que resulta das regras gerais.
Mais ou menos?
Sendo os sistemas diferentes, a comparação direta não é simples, explicou já o deputado bloquista José Soeiro num artigo de opinião onde elencou alguns exemplos. Estendendo o seu raciocínio a outros casos, e tendo em conta o valor do IAS atualizado em 2018, é possível ter uma ideia de situações concretas em que a contribuição sobe ou desce. E cada caso é um caso, porque a diferença de alguns euros pode mudar as conclusões.
Para simplificar, num primeiro passo tomemos o exemplo de um rendimento mais ou menos constante de prestação de serviços de um trabalhador (sem contabilidade organizada): 600 euros. Para comparar os dois regimes, é preciso assumir que este é o valor recebido no futuro, ao abrigo das novas regras, e também em 2017 (já que seria este o rendimento a originar o desconto na maior parte do ano de 2019 pelo atual sistema, caso este ainda vigorasse).
A um valor de 600 euros corresponde um rendimento relevante de 420 euros (70% do total). De acordo com o regime atual, este trabalhador seria colocado numa espécie de ‘escalão 0’, e descontaria sobre meio IAS, ou seja, pagaria cerca de 63,48 euros (tendo em conta o IAS de 2018). Mas no futuro, passa a descontar 89,92 euros (21,41% sobre 420 euros) e mesmo que escolha reduzir a base de incidência em 25%, paga 67,4 euros (mais).
Mas olhando para um rendimento de 613 euros (pouco mais alto), a que corresponde um rendimento relevante de 429,1 euros, o desconto baixa. Com as regras em vigor, descontaria 126,95 euros (sendo colocado no primeiro escalão) mas no futuro, passa a pagar menos de 92 euros e, se decidir reduzir a base até ao máximo de 25%, o desconto não chega a 70 euros. No artigo de opinião publicado no Expresso, e referindo-se ao regime atual, José Soeiro fala numa “lotaria dos escalões que faz com que, pela diferença de um euro no seu rendimento, um trabalhador mude de escalão e pague o dobro (ou metade) do seu colega”.
Um rendimento global de mil euros também paga menos, quer o trabalhador não opte por ajustar o desconto em nenhum dos regimes, quer decida descer para os mínimos possíveis nos dois casos. Mas uma remuneração em torno dos 1.428,6 euros — assumindo um rendimento relevante de mil euros — pode descontar mais, dependendo das opções. Esta pessoa seria colocada no terceiro escalão com o regime em vigor, descontando 253,9 euros na maior parte de 2019, mas poderia baixar dois escalões, pagando 126,95 euros. Olhando já para as novas regras, passa a pagar cerca de 214 euros, mas, se reduzir a base de incidência em 25%, paga menos de 161. Quer isto dizer que o desconto é mais baixo se não houver redução da base de incidência em nenhum dos regimes, mas mais alto se o pagamento for feito pelo valor mínimo nos dois sistemas.
As conclusões variam consoante o nível de rendimento. Mas também é preciso notar que, tratando-se de trabalhadores independentes, é de esperar que os rendimentos não sejam regulares ao longo do ano. Portanto, as possibilidades multiplicam-se. José Soeiro dá um exemplo deste caso, já enunciado pelo ECO: uma pessoa que ganhe, em média, 500 euros por mês no primeiro trimestre, 1.150 no segundo, 700 no terceiro e 900 no quarto — o rendimento relevante corresponde depois a 70%.
No atual regime, este trabalhador contaria com um rendimento mensal de cerca de 812 euros, o que significa que, se quiser descer de escalão (do segundo para o primeiro) paga hoje 124,71 euros mensais ao longo de 12 meses — com o IAS atualizado paga 126,95 euros. E se também forem aqueles os rendimentos em 2019, quanto descontará com o novo regime? Caso o trabalhador decida reduzir a base contributiva em 25%, baixando o desconto ao limite mínimo, paga:
- 56,2 euros mensais por referência aos rendimentos do primeiro trimestre (o pagamento ocorre em maio, junho e julho),
- 129,26 euros por referência aos rendimentos do segundo trimestre;
- 78,68 euros por referência aos rendimentos do terceiro trimestre;
- 101,16 euros por referência aos rendimentos do quarto trimestre (pagamento ocorre já em 2020).
Ou seja, neste caso em concreto não paga sempre menos, mas poupa na maior parte das vezes. Estes casos são apenas exemplificativos, porque a opção dos trabalhadores é mais abrangente: podem decidir reduzir os descontos, mas não até 25%, por exemplo. E no regime em vigor, também podem não querer descer de escalão, para garantir um maior nível de proteção social.
Aliás, estas mudanças têm de ser lidas a par das mudanças na proteção social, que o Governo promete alargar, sobretudo no que toca ao subsídio de doença e ao subsídio de desemprego (neste caso, para trabalhadores que são considerados economicamente dependentes de uma entidade contratante).
Vieira da Silva já disse que espera “que as pessoas possam assumir uma remuneração mais alta sem que isso signifique um desproporcionado um aumento da sua contribuição”. Mas isso “vai depender” de cada um: “Se isso significa que as pessoas podendo, têm disponibilidade para pagar um pouco mais”, notou ainda.
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