Seguradoras vão propor ao Governo criação de fundo de catástrofes

A APS está a olhar para modelos de outros países como a Nova Zelândia para desenhar um fundo que, além de riscos sísmicos, deverá abranger outras catástrofes. Proposta fechada nas próximas semanas.

José Galamba de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Seguradores (à direita) e José Almaça, presidente da Autoridade de Supervisão dos Seguros e Fundos de Pensões (ASF).Paula Nunes / ECO

Quase uma década após um projeto inicial que acabou por ficar na gaveta, o país prepara-se para ter um fundo sísmico mas que irá abranger também outro tipo de catástrofes. A Associação Portuguesa de Seguradores (APS) está a desenhar este fundo que ganha maior relevância após o recente sismo de Arraiolos. Mas não se ficará pelos tremores de terra; irá estender-se a outro tipo de catástrofes tais como os incêndios que no ano passado fustigaram o país, provocando mais de uma centena de mortes.

A confirmação foi dada ao ECO pelo presidente da associação de seguradoras, sendo que José Galamba de Oliveira antecipa para dentro de algumas semanas o fecho de uma proposta que será discutida com o regulador e, posteriormente, apresentada ao Governo.

“Em 2017, pegamos no trabalho que foi feito há dez anos, que resultou de uma proposta do Instituto de Seguros de Portugal e que esteve em discussão pública. Fizemos também um levantamento do que tinha acontecido no mundo em termos destes fundos na última década e percebemos que esta é uma necessidade”, avançou ao ECO Galamba de Oliveira, reforçando que “o país precisa de ter um mecanismo para mitigar esse risco sísmico“.

Em causa está a recuperação de um anteprojeto de 2010 que pretendia a criação de um fundo sísmico que seria financiado pelas contribuições de parte dos prémios de seguros multirriscos ou incêndios emitidos pelas seguradoras e que deveria ter sido lançado no início de 2012, mas que não se confirmou. A crise financeira de 2011 terá feito o tema passar para segundo plano.

Mas no início de dezembro, José Almaça, presidente da Autoridade de Supervisão dos Seguros e Fundos de Pensões (ASF), defendeu a criação de um fundo para fazer face a perdas associadas aos sismos, frisando que este poderia ser uma espécie de “embrião” para a criação de um fundo de catástrofes para ser utilizado em fenómenos como os incêndios que abalaram o país no ano passado.

Este mesmo argumento é utilizado pela APS para agilizar a criação deste fundo. “Na sequência dos incêndios de 2017, pensamos que valia a pena aproveitar e alargar o âmbito dessa iniciativa para abarcar outro tipo de riscos catastróficos: nomeadamente, grandes inundações, tempestades e incêndios. E nesse sentido, começamos a usar a terminologia de fundo de catástrofes”, diz Galamba de Oliveira.

O representante das seguradoras acrescenta que “o evento sísmico de há uns dias trouxe isso novamente para a agenda” e que o objetivo agora é “de uma forma célere começar a ter conclusões mais concretas” sobre a forma como o fundo será montado, em que prazos e com que características.

O objetivo é que esse fundo entre em ação para cobrir as situações em que há seguro, de forma a conseguir uma resolução mais rápida, sendo o alvo as habitações das famílias. Em dúvida está ainda se apenas vai incluir primeiras habitações, ou também segundas habitações. “Esta é uma questão que está em curso. É um dos cenários que está a ser trabalhado, mas ainda não está fechado”, afirma a este propósito Galamba de oliveira.

Mas o objetivo de ter um fundo é que a resolução também seja competitiva. “Se temos um fundo que vai cobrir um grande número de situações, consegue-se negociar tarifas junto dos resseguradores internacionais no sentido de ter propostas competitivas para a população em geral”, justifica o presidente da APS. “É um trabalho que está em curso em função de um conjunto de premissas que estão a ser discutidas e que vamos e queremos fechar nas próximas semanas“, antecipa.

José Galamba de Oliveira diz que o tema já foi falado com o Governo, a quem compete criar legislação específica, salientando que este “está a par da iniciativa e à espera do modelo que está a ser desenvolvido”. Mas antes disso, terá de ser apresentado à ASF que também está a dentro do que está a ser feito.

Como poderá funcionar este fundo?

Aquilo que está a ser feito neste momento é ainda técnico, esclarece o presidente da APS, no sentido de atualização do trabalho inicial que já foi feito no âmbito do risco sísmico, já que a regulação também mudou face ao que acontecia há dez anos. Mas há muito ainda por determinar.

A APS reuniu uma equipa com representantes das várias seguradoras que está a trabalhar em torno do desenho deste fundo com algum apoio externo. Uma das coisas que ainda está em discussão é se vai haver uma cobertura obrigatória para todas as habitações ou não. “Diria que numa proposta inicial o que faz sentido é que seja obrigatório, mas há outros modelos lá fora em que isso não acontece. Esta é uma discussão que ainda não está fechada”, esclarece a este propósito o representante das seguradoras.

Um dos modelos que tem sido analisado é o fundo de desastres naturais da Nova Zelândia, país que só nos últimos 20 anos foi abalado por três sismos de grandes dimensões. Este fundo é alimentado pelos prémios de seguros da casa que entretanto são investidos em diferentes categorias de ativos.

Mas há muito mais que tem que ser analisado. Nomeadamente as coberturas a considerar. “Estes fundos podem ser maiores e mais ou menos abrangentes em termos de cobertura. Por exemplo, se estamos a falar de cobertura de habitação, em Portugal, hoje em dia a cobertura sísmica é muito baixa. Os últimos números que estão disponíveis, de 2011, apontam para que só 19% do parque habitacional tenha cobertura sísmica. Isto cria problemas sobretudo em prédios de propriedade horizontal, quando haja uma situação sísmica com danos graves”, revela José Galamba de Oliveira.

Outro dos temas que está a ser discutido no âmbito das coberturas é se abrangerá apenas a parte física, se incluirá ou não o recheio, se a demolição estará incluída, se haverá uma franquia e qual o seu valor. “Tudo isto são temas que ainda têm de ser trabalhados. Temos de arranjar um modelo e discuti-lo depois com as autoridades”.

Acresce ainda a discussão sobre a obrigatoriedade do seguro. “Pelo que vemos lá fora, conseguem-se níveis de penetração mais altos e assim também uma melhor mutualização do risco por todos quando este é obrigatório”, esclarece o representante das seguradoras, salientando contudo que “a obrigatoriedade também tem os seus desafios“. Exemplo disso mesmo são os riscos associados à cobertura de habitações degradadas ou edifícios que têm uma construção muito débil.

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