Carlos Silva na Operação Fizz: “Não tenho sequer o telefone de Orlando Figueira”
Presidente do Banco Privado Atlântico está a ser ouvido por ter sido responsável pela contratação do ex-procurador Orlando Figueira depois da saída deste do DCIAP. Esta é a primeira de três sessões.
“Conheci o Orlando Figueira em maio de 2011. Havia um processo que decorria no DCIAP, o processo que envolvia o BANIF, e o Rosário Teixeira havia dito ao Paulo Blanco que gostaria de me ouvir no âmbito desse processo como testemunha. Prestei as minhas declarações. Findo esse momento, ficou uma conversa simpática, correta e aparece o Dr. Orlando Figueira“.
Nesta que é a primeira de quatro sessões em que será ouvido, Carlos Silva, presidente do Banco Privado Atlântico (BPA) admitiu, perante o coletivo de juízes da chamada Operação Fizz, que “findo esse momento, ficou uma conversa simpática, correta” entre os presentes. O banqueiro acrescentou ainda que, depois dessa conversa a três – com o procurador do DCIAP Rosário Teixeira, o advogado Paulo Blanco e o principal arguido Orlando Figueira – falou na possibilidade de um almoço. E assim aconteceu. Dias depois, dois desses convidados almoçaram com Carlos Silva, à exceção de Rosário Teixeira, que não compareceu. “Não se falou de trabalho, só se falou de Angola, do país, da relação óbvia que existia nessa altura entre os dois países”.
Nas anteriores sessões de julgamento, os arguidos Orlando Figueira e Paulo Blanco defendem que nos “bastidores” da celebração de contrato com a Primagest, que levou Orlando Figueira a abandonar a magistratura, estaria o banqueiro Carlos Silva. Para o tribunal, os contornos deste contrato são fundamentais para perceber se o magistrado foi corrompido ou não para arquivar processos que tinha em mãos quando trabalhava no DCIAP.
O presidente do Banco Privado Atlântico (BPA) e administrador não executivo do Millennium BCP, Carlos Silva, foi assim indicado por arguidos no processo Operação Fizz como tendo sido o responsável pela contratação do ex-procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) Orlando Figueira para trabalhar na banca privada. O coletivo de juízes ouve aquele que é um testemunho fundamental para avaliar a versão apresentada pelo principal arguido do processo: o ex-procurador Orlando Figueira.
Aos magistrados, Carlos Silva garantiu que “em momento nenhum depois disto nos encontramos, nunca tivemos nenhum tipo de interação a não ser essas duas. Eu nem tenho o telefone do Dr. Orlando Figueira”.
Orlando Figueira, principal arguido do processo, é acusado de ter sido corrompido pelo ex-vice-Presidente angolano, Manuel Vicente, e alega que os 760 mil euros que recebeu nas suas contas resultaram de um contrato de trabalho que assinou com Carlos Silva.
Questionado sobre se existiria uma eventual ligação ao advogado Daniel Proença de Carvalho, e se teve contactos com o advogado a propósito de Orlando Figueira, Carlos Silva disse peremptoriamente que não. “A Uría é um dos muitos escritórios com quem o BPA trabalha. Proença de Carvalho nunca foi coordenador jurídico nem do BPA nem de qualquer dos bancos em questão”.
A magistrada questionou ainda quanto à data em que Carlos Silva conheceu Manuel Vicente, o ex-vice presidente de Angola: “Conheci o engenheiro Manuel Vicente antes de 2000, naquele que era um conhecimento social, quando era presidente da Sonangol. Não sei precisar em que circunstância o conheci, foi num evento social, mas aquele que viria a ser um conhecimento a sério só se deu em 2006, porque o BPA é fundado com um conjunto de ativos que saem do BES. A participação da Sonangol era importante, para termos vantagem competitiva. E acabámos por conseguir 19,5% de participação da Sonangol no banco”, revela.
No início da 20ª sessão de julgamento, em fevereiro, o presidente do coletivo, Alfredo Costa que julga o processo Operação Fizz consideraram imprescindível ouvir presencialmente Carlos Silva, e recusaram que este fosse inquirido no consulado de Portugal em Angola.
Em 2011, alegadamente, o banqueiro contratou o procurador português Orlando Figueira para este sair do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e ir trabalhar para uma empresa do grupo Banco Privado Atlântico, que dirigia. Mas o magistrado e hoje arguido no caso Operação Fizz começou por ser contratado pelo Banco Comercial Português, do qual Carlos Silva também era acionista. Segundo a acusação, estes contratos eram fictícios e serviam apenas para justificar o pagamento de luvas ao procurador, por este ter arquivado investigações que tinha em mãos nas quais o vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, figurava como suspeito.
Na sessão de julgamento, Carlos Silva conta que soube que Orlando Figueira gostaria de deixar a magistratura e “procurar emprego”. Neste contexto, Carlos Silva alega que recebe um telefonema do advogado Paulo Blanco, a perguntar se havia algum desafio para Orlando Figueira no BPA. “Pareceu-me ser um telefonema de alguém que queria ajudar outra pessoa por um assunto pessoal. Pode ser entendido como aquilo a que chamam de cunha, mas neste caso pareceu-me ser apenas uma dimensão de ajuda”.
Carlos Silva explica que foi muito claro: “Nós no banco não tínhamos nenhum desafio para o Orlando Figueira. Mas Paulo Blanco insistiu… E há de facto um segundo telefonema, a insistir. Do ponto de vista humano não entendi aquilo como uma pressão. A forma que eu encontrei para lidar com a situação foi sugerir a Paulo Blanco que falasse com o Dr. Paulo Marques”, revela o banqueiro.
Eu e o Dr. Paulo Blanco tínhamos relações institucionais boas. Paulo Blanco procurava criar uma relação, eu diria, de proximidade comercial. No sentido de para apresentar empresários. É o seu perfil. Eu procurei, de forma correta, balizar também esta relação.
A razão estaria relacionada com o facto de Paulo Marques, acionista fundador do BPA, ter, desde a década de 90, uma base de trabalho em Portugal. “Ele tinha a sua carteira de clientes, ia e vinha. E então sugeri que falassem com ele. A partir daí não soube de mais nada, nem de nenhum detalhe relacionado com Orlando Figueira”, admite.
Carlos Silva descreve o advogado Paulo Blanco como tendo um perfil incisivo e situa os telefonemas duas semanas depois do dito almoço, aquando da sua chegada a Angola, em meados de junho de 2011. “Eu e o Dr. Paulo Blanco tínhamos relações institucionais boas. Paulo Blanco procurava criar uma relação, eu diria, de proximidade comercial. No sentido de para apresentar empresários. É o seu perfil. Eu procurei, de forma correta, balizar também esta relação”, explica.
O Dr. Orlando Figueira não era minha agenda. E um Presidente de um Banco tem de estar muito focado na sua agenda. Conversas de ajudas não passam pela minha agenda.
O banqueiro angolano vai mais longe e esclarece mesmo que aqueles pedidos não estavam na sua agenda. “O Dr. Orlando Figueira não era minha agenda. E um Presidente de um Banco tem de estar muito focado na sua agenda. Conversas de ajudas não passam pela minha agenda”.
Num comunicado emitido em janeiro, o banqueiro, admitiu diversos encontros com o então procurador do DCIAP quando testemunhou na fase de inquérito da Operação Fizz — concretizando um almoço no Hotel Ritz – mas desmentiu, contudo, as acusações que lhe foram dirigidas por Orlando Figueira durante o seu testemunho. “Quero reiterar que, para além do que relatei no meu depoimento, não tive nenhum outro contacto, pessoal, telefónico ou por outra via com este senhor, nem muito menos lhe fiz qualquer convite de trabalho.”
Nas declarações que prestou em julgamento, o ex-procurador defendeu várias vezes que quem devia ser arguido era o banqueiro Carlos Silva, por o ter aliciado a sair do DCIAP quando, na realidade, quereria simplesmente afastá-lo das investigações relacionadas com os interesses angolanos. Depois deste depoimento, Carlos Silva fez um comunicado a desmentir o arguido, que acusou de tentar “adulterar a realidade” de forma “oportunista” e com base em “insinuações falsas”. E assegurou nunca lhe ter oferecido trabalho.
O denominado processo Operação Fizz julga vários crimes de corrupção e branqueamento de capitais, envolvendo o antigo presidente da Sonangol e ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente que, num processo entretanto separado da operação Fizz, é acusado de ter pago ao ex-procurador Orlando Figueira 760 mil euros para que este arquivasse inquéritos do DCIAP em que era visado, designadamente na aquisição de um imóvel de luxo no edifício Estoril-Sol.
Além de Orlando Figueira, estão em julgamento no processo Operação Fizz o advogado Paulo Blanco (mandatário do Estado angolano em diversos processos judicias) e Armindo Pires, amigo de longa data e homem de confiança de Manuel Vicente em Portugal.
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