Nove alertas e três elogios do FMI a Portugal
Dificuldades em recrutar trabalhadores qualificados, choques externos e medo de mexidas na lei laboral. Estes são alguns dos avisos deixados pelo FMI, que elogia a banca e a consolidação orçamental.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou, esta terça-feira, as conclusões relativas à missão do Artigo IV da instituição. Entre o reconhecimento de que a economia portuguesa fez progressos significativos e a apresentação de perspetivas favoráveis para o futuro de Portugal, a instituição liderada por Christine Lagarde deixa também vários alertas, que vão desde os riscos externos a que Portugal é vulnerável até às dificuldades em recrutar mão-de-obra qualificada, passando pelo impacto que o FMI entende que as mexidas na legislação laboral poderão ter sobre a economia portuguesa.
?O crescimento é significativo e as perspetivas são favoráveis…
É o primeiro e mais óbvio elogio que o FMI faz a Portugal. “O crescimento rico em emprego manteve-se no ano passado, suportado por uma recuperação do investimento e das exportações, e as perspetivas mantêm-se, maioritariamente, favoráveis”, pode ler-se no comunicado emitido esta tarde.
O reconhecimento é dado pelo FMI depois de o produto interno bruto (PIB) português ter crescido 2,7% no ano passado, um valor que superou todas as expectativas. Já para este ano, o Governo antecipa que a economia cresça 2,3%, uma previsão acompanhada pelo próprio FMI.
?… Mas há fatores temporários a explicar o crescimento
No mesmo capítulo em que elogia o progresso da economia portuguesa, o FMI alerta para os fatores que estão a contribuir para esse crescimento. Se é certo que a evolução do “investimento e das exportações de bens e serviços, sobretudo o turismo”, justificam a aceleração do PIB no ano passado, os técnicos da missão notam também que “as estatísticas rápidas do primeiro trimestre de 2018 mostram um crescimento de certa forma condicionado a fatores temporários que afetam as exportações”. Por outro lado, admite, poderá haver “alguma moderação da procura em alguns dos mercados” para onde Portugal exporta.
?… E até há dificuldade em contratar trabalhadores qualificados
Mais: se a recuperação do mercado de trabalho é inegável, com a taxa de desemprego a fixar-se em 7,4% em março, um valor que fica abaixo da média da Zona Euro, e uma redução do número de “desaproveitados”, surge um novo problema. “Em alguns setores da economia, as empresas começam a ter dificuldade em preencher vagas, sobretudo para trabalho altamente qualificado”. Ao mesmo tempo, e ainda que o salário médio tenha aumentado, a proporção de trabalhadores a receber o salário mínimo também subiu, o que, para o FMI, reflete “o aumento do trabalho pouco qualificado”.
?Mesmo assim, a consolidação foi “significativa”
Apesar dos entraves que poderão colocar-se ao crescimento económico de Portugal, a consolidação orçamental conseguida no ano passado foi “significativa”, graças a uma “execução orçamental disciplinada”. Esta “forte” performance orçamental gerou até efeitos positivos indiretos para a economia, como a redução do risco da dívida soberana. Neste contexto, a meta que o Governo definiu para o défice este ano, de 0,7%, “parece ser atingível”, reconhece o FMI. Isto, ressalva, se se mantiver “o foco no controlo da despesa” e se o ciclo positivo que a economia atravessa se prolongar.
?… Mas há riscos que a ameaçam
O crescimento é significativo, a consolidação orçamental também, mas nenhum deles pode ser tido como garantido. Desde logo, porque há riscos externos e internos que ameaçam Portugal. A nível internacional, o FMI aponta para um “aumento da incerteza política em alguns dos países parceiros de Portugal”, bem como para a “volatilidade” dos mercados obrigacionistas e cambiais. “Isto é um lembrete de que as condições externas, ainda que maioritariamente favoráveis, podem tornar-se desfavoráveis”, diz o FMI. Já a nível interno, Portugal apresenta ainda o elevado nível de endividamento, pelo que “surpresas” nas taxas de juro podem ter um impacto relevante sobre a economia.
?… E as metas de redução da dívida deviam até ser antecipadas
Os objetivos para o défice e para a redução da dívida soberana são não só atingíveis, como deveriam ser alcançados mais cedo do que o Governo planeia. “O ambiente favorável propicia uma oportunidade para obter um progresso mais rápido na redução da dívida pública“, aponta a instituição, que, ainda assim, reconhece que os objetivos que constam do Programa de Estabilidade para o período de 2018 a 2022 são “ambiciosos”. Nesse documento, o Governo aponta para um défice de 0,7% este ano, reduzindo-se o desequilíbrio para 0,2% no próximo ano. Já em 2020, antecipa o Governo, deverá mesmo haver um excedente de 0,7%. Contudo, nessa altura, o FMI antecipa que o crescimento económico já estará em desaceleração, além de que a incerteza relativamente às perspetivas macroeconómicas é tanto maior quanto mais longínquo é o ano da previsão. Por isso, aconselha o FMI, o melhor é mesmo alcançar estas metas de consolidação orçamental o quanto antes, não só para evitar o risco de que as políticas se tornem “pró-cíclicas”, como para assegurar que o ajustamento previsto é “robusto” o suficiente para resistir a “surpresas ao longo do caminho”.
?Aumentos? A despesa tem de ser controlada
“Controlar o aumento da despesa do Estado com salários e com pensões é um fator chave para que o crescimento da despesa se mantenha moderado, ao mesmo tempo que se salvaguarda a qualidade dos serviços públicos e o investimento público”, alerta o Fundo.
?Banca tem nota positiva
Também a banca merece um elogio do FMI, depois de um ano em que se registaram “melhorias significativas na estabilidade financeira”. A avaliação é clara: os rácios de capital foram reforçados e o nível de crédito malparado reduziu-se em 13 mil milhões de euros desde que atingiu o pico, em meados de 2016, atingindo-se um ritmo de redução de malparado “consistente, que cumpre ou ultrapassa os objetivos dos bancos”.
?… Mas não passa com distinção
Mais uma vez, o elogio não vem sem aviso. “Os supervisores deveriam continuar a encorajar os bancos a reforçarem a governação corporativa e a gestão de risco, e, ao mesmo tempo que devem continuar a reduzir o malparado e a cortar custos, os bancos devem desenvolver estratégias para gerar capital“.
?… E tem de ter atenção ao imobiliário
A agravar as perspetivas para a evolução do setor financeiro está o imobiliário. Mais uma vez, e a par de outras instituições internacionais, o FMI alerta para o aumento dos preços das casas, que deve ser “monitorizado”, tendo em conta o peso que o crédito à habitação tem sobre o bolo total do crédito concedido pelos bancos.
?As reformas que devem ser desenvolvidas
A terminar, o FMI elenca as “reformas” que já vêm de trás e que devem continuar a ser desenvolvidas, para que seja possível alcançar um crescimento “mais rápido” a médio prazo. É o caso do aposta na educação, para que se aumentem as qualificações da população ativa, e da promoção do investimento através da melhoria das condições apresentadas aos empresários. O “travão ao excesso de regulação”, a melhoria dos “processos de reestruturação e de liquidação” e o aumento da “flexibilidade das instituições e dos mercados” são os exemplos destacados pelo FMI.
?… E as que devem ser travadas
Ao mesmo tempo, o FMI alerta para a necessidade de não se voltar atrás na flexibilização do mercado de trabalho, isto numa altura em que Governo e parceiros sociais estão a discutir alterações ao Código de Trabalho. Esse cenário poderá colocar em causa “reformas ao mercado de trabalho feitas nos últimos anos e que facilitaram a criação de emprego que agora contribui para a recuperação económica“. Assim, introduzir novas medidas de “rigidez”, ou recuperar outras antigas, “comprometeria a competitividade e a produtividade” da economia portuguesa, ao mesmo tempo que complicaria a capacidade de “gestão das flutuações da procura” por parte das empresas.
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