Orçamentos eleitoralistas já não são o que eram?
O Orçamento para 2019 vai ter medidas populares, mas também vai prever o défice mais baixo da democracia. No último OE da geringonça parecem caber todos os rótulos: eleitoralista e de rigor.
Imaginemos um Governo a construir o seu último Orçamento do Estado, a um ano das eleições. Imaginemos que para ganhar votos esse Governo agita a bandeira da consolidação orçamental. E agora imagine que esse Governo é de esquerda. Parece estranho. Parece, no mínimo, diferente do que se verificou no passado. Mas é o que está a acontecer… embora em parte. No último Orçamento da geringonça parecem caber todos os rótulos.
O debate sobre o último Orçamento do Estado deste Governo foi lançado ainda a legislatura ia a meio. Foi Marcelo Rebelo de Sousa quem largou o primeiro aviso, quando promulgou o Orçamento para 2018 e mostrou preocupação com a possibilidade de o Orçamento seguinte — este que esta segunda-feira chega ao Parlamento — ser eleitoralista.
A discussão arrefeceu durante um tempo mas a sombra ficou a pairar. E neste momento o debate em Portugal é sobre se o OE 2019 é eleitoralista ou não.
O Governo reconhece que não ia deixar de fazer “boa figura” lá porque se trata do último — assumindo assim o risco de este OE poder ser entendido como eleitoralista. “Não é por ser o último OE que passaria a ser mau”, disse o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares na terça-feira depois de no fim de semana o ex-líder do PSD Luís Marques Mendes ter defendido que se este será um Orçamento “muito popular” e “dos mais eleitoralistas de sempre”.
Apesar disso, o Executivo não tem desistido de salientar publicamente as vantagens de ter contas certas. “Acabámos com o mito de que, em Portugal, é a direita que sabe governar a economia e as finanças públicas”, disse o primeiro-ministro, António Costa, ainda em maio. “Contas públicas saudáveis dão a garantia de que são sustentáveis”, reforçou Pedro Nuno Santos mais recentemente, a seis dias da entrega do documento na Assembleia.
O PS chegou ao poder no final de 2015 e o défice fechou as contas desse ano em 4,4% do PIB. Portugal ainda estava sob Procedimento por Défices Excessivos. Foi em maio de 2017 que o país deixou de fazer parte do grupo de estados-membros abrangidos pelo braço corretivo do Pacto de Estabilidade e Crescimento. E agora a proposta do Orçamento aponta para um défice de apenas 0,2% do PIB em 2019.
Quando contas certas rendem votos
Significa isto que este Orçamento, que é o último — e, por isso, tradicionalmente apelidado de eleitoralista — não o é? Depende do ponto de vista. Ao ECO, António Correia de Campos explica que neste último Orçamento de uma legislatura a história é diferente. “O equilíbrio macroeconómico é uma poderosíssima arma eleitoral”, diz o ex-ministro socialista que ocupou a pasta da Saúde nos governos de António Guterres e de José Sócrates.
O ex-governante considera que no quadro atual, depois da passagem da troika por Portugal e tendo em conta a forma como o primeiro-ministro apresenta as opções — 50 milhões para aqui implicam menos 50 milhões ali –, o Governo já percebeu que contas certas também rendem votos. “Se este discurso não fosse valioso, o primeiro-ministro não o adotava”, acrescenta o antigo ministro, que acredita que este “não vai ser um OE de derrapagem para fins eleitorais”, apesar de o Governo já ter mostrado disponibilidade para dar mais dinheiro aos funcionários públicos, aos pensionistas e até para setores do Estado, como a saúde.
Quando era ministro [no Governo de Sócrates] fomos para o interior do país explicar o que era a subida das taxas de juro. Era muito difícil falar disto às pessoas. Elas nem sabiam que o país se endividava para financiar o défice e que isso implicava pagar juros. Eu próprio tinha dificuldade em explicar.
Correia de Campos salienta que, agora, as pessoas estão educadas para valorizar as contas certas. “Quando era ministro [no Governo de Sócrates] fomos para o interior do país explicar o que era a subida das taxas de juro. Era muito difícil falar disto às pessoas. Elas nem sabiam que o país se endividava para financiar o défice e que isso implicava pagar juros. Eu próprio tinha dificuldade em explicar”, conta.
A “grande novidade”: a quadratura do círculo no último Orçamento
É certo que o rigor orçamental está em força no discurso do Governo, mas o Executivo avança ao mesmo tempo com medidas populares como o aumento dos salários para os funcionários públicos. No início do ano, um membro do Governo dizia ao Público que a “memória de 2009” impedia a atualização dos vencimentos do Estado. Foi nesse ano, quando José Sócrates era primeiro-ministro, que os trabalhadores do Estado tiveram o último aumento nos salários — de 2,9%.
Agora, na véspera da entrega do documento no Parlamento, o Governo abriu a porta a aumentos. “A tendência para utilizar o Orçamento para ganhar eleições ou minorar derrotas eleitorais verifica-se em quase todas as democracias”, explica o professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, António Costa Pinto. O politólogo lembra, porém, que esta estratégia é “tanto mais eficaz quanto menor for a perceção do acontecimento”. Ainda assim, Costa Pinto acredita que este Governo “tem uma margem simpática para passar uma imagem de rigor orçamental e fazer uma ou outra concessão”. E esta é a “grande novidade” deste último Orçamento de legislatura face aos anteriores.
Para além disso, o politólogo recorda que, ao contrário do habitual, esta legislatura começou com a aprovação de medidas de devolução de rendimentos. E, portanto, “o último OE até não será mais despesista do que os anteriores”. Ou seja, “dificilmente será escrutinado como um Orçamento eleitoralista”, admite Costa Pinto.
O facto de a legislatura ter arrancado com a devolução de rendimentos, de a conjuntura económica continuar a apresentar-se favorável — com a taxa de desemprego ainda a baixar apesar de a economia ter começado a abrandar — e não havendo uma turbulência que possa mudar o enquadramento levam Costa a Pinto a prever que “o PS não precisa de um OE eleitoralista” para preparar as legislativas agendadas para o outono de 2019. Na última sondagem, da Aximage, o PS conseguia a maior percentagem de intenções de voto (38,9%).
Pode não precisar de um OE eleitoralista, mas pode sair a ganhar se a economia estiver a crescer. “As melhorias da economia são utilizadas na vida das pessoas”, disse esta semana Pedro Nuno Santos para explicar a estratégia do Governo. Ou seja, quanto melhor é o crescimento, mais fácil é justificar e entender a existência de medidas dirigidas às pessoas.
E, para 2019, o Governo prevê que o PIB cresça 2,2%, apenas menos uma décima do que o crescimento económico previsto para este ano. Uma projeção mais otimista do que aquela que fazem as instituições que acompanham Portugal para o próximo ano.
Um debate a falar para os “eleitorados tradicionais”
Miguel Poiares Maduro, que foi ministro-adjunto no Governo de Passos Coelho, vê no Orçamento que se avizinha, uma vez mais, a “estratégia de continuação da política de aritmética eleitoral”. Para o diretor da School of Transnational Governance do Instituto Universitário Europeu de Florença, a ação do Governo é orientada em função das eleições e dos grupos de eleitores que podem garantir os resultados desejados. “As medidas, de que se fala para utilizar a margem orçamental que existe, implicam um aumento de despesa corrente e não de despesa de investimento”, diz Poiares Maduro, acrescentando que embora “a recuperação de rendimentos seja importante, para ser sustentável tem de assentar numa economia competitiva”.
"As medidas, de que se fala para utilizar a margem orçamental que existe, implicam um aumento de despesa corrente e não de despesa de investimento.”
Depois da entrega do documento, esta segunda-feira, o Parlamento entra na fase de debate na generalidade. E para esta fase, Duarte Pacheco há 27 anos na Assembleia e que acompanha de perto os debates do Orçamento do Estado, antevê que este debate sirva mais falar para os “eleitorados tradicionais” dos partidos – uma marca dos últimos debates de OE das legislaturas.
No entanto, o deputado do PSD acredita que este será um Orçamento de olhos postos nas eleições, ao contrário do que diz ter acontecido nas eleições de 2015, quando Passos Coelho era primeiro-ministro. “É verdade que nesse ano começou a devolução dos cortes salariais, em 20%, mas esta era uma reposição faseada em cinco anos e o Governo manteve a mesma linha de orientação de defender a descida do IRC em vez de a redução do IRS, que fala mais diretamente a quem vota.”
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