É um orçamento dos ‘istas’
O último orçamento da legislatura, e o último de Mário Centeno, não traz nada de novo. É otimista, é eleitoralista, é sobretudo errado nas opções políticas.
23h52 de 15 de outubro. A hora exata a que Mário Centeno entregou a proposta de Orçamento do Estado para 2019 no Parlamento, o quarto orçamento desta legislatura a oito minutos do fim do prazo limite, Mostra, sobretudo, como o processo negocial dentro da Geringonça foi até à 25ª hora, e vai prolongar-se até a votação final no Parlamento. Era a última oportunidade para o PS e os partidos que suportam o governo, o PCP e o BE, garantirem as bandeiras políticas. E não a perderam. Este orçamento continua a alinhar a prioridade na política de rendimentos, mas é mais do que nunca uma mercearia orçamental. A pensar, claro, nas eleições de 2019. É um orçamento dos ‘istas’. Otimista, eleitoralista e… (escolha a palavra que quiser).
É o último orçamento desta legislatura, e é preciso sinalizar que o Governo fez jus à agenda política de redistribuir. Redistribuir o que se tem e o que está longe de saber se virá a ter. Mas este orçamento, precisamente por ser o último, é o que contempla mais medidas avulso. Do lado da despesa, porque do lado da receita continua focado. Em quê? No agravamento dos impostos indiretos e na tributação autónoma das empresas, por exemplo. O orçamento está assente, mais do que nunca, no crescimento da economia (otimista, como veremos a seguir), nas receitas extraordinárias do Banco de Portugal e da Caixa Geral de Depósitos e na redução do peso dos juros.
Um exemplo que demonstra a ilusão do esforço de redução do défice e confirma o orçamento eleitoralista? A despesa pública sobe em termos nominais, e muito. Vemos que a despesa total aumenta 2,5 mil milhões de euros. Mas com a descida da despesa com juros em 100 milhões, a despesa primária aumenta 2,6 mil milhões. Só os funcionários públicos levam mais 800 milhões de euros em 2019. É pouco!??? É um esforço enorme, garante o ministro das Finanças. É mais do que isso. É um ‘investimento’ enorme nas eleições do próximo ano.
Vamos, então, nesta primeira análise, avaliar as perspetivas económicas que suportam as contas do governo.
O que está previsto para 2019? Um crescimento da economia de 2,2%, um valor claramente acima das previsões das outras instituições, como o Banco de Portugal, a Comissão Europeia ou o FMI. Mas como é que se compõe este crescimento? Mário Centeno acredita na aceleração do investimento privado e público de 7%, um valor a acelerar apesar do abrandamento da economia. E é este indicador, somado ao consumo das famílias de 1,9%, ligeiramente menos do que este ano, que permite suportar o crescimento. É no mínimo uma previsão otimista para o investimento. O Banco de Portugal, por exemplo, aponta para uma variação do investimento de 5,5%.
Pior é o contributo das exportações líquidas, que estão a perder ritmo. E se a evolução das exportações abranda, em linha com as previsões do Banco de Portugal, as importações também, o que leva a um contributo negativo do comércio internacional do país. É este o perfil que se deseja para a economia portuguesa?
O quarto orçamento de Mário Centeno não traz nada de novo, e isto não seria necessariamente mau. É eleitoralista, como são sempre os orçamentos em ano de eleições, de todos os governos, mas é sobretudo errado nas opções políticas. Constrói a casa pelo telhado. Centeno já mostrou que não vai deixar derrapar o défice, ponto a seu favor, porque não virá o diabo. Mas isso, em si mesmo, não traz uma economia saudável e um crescimento sustentado. É condição absolutamente necessária, mas não suficiente para sairmos da cauda da Europa. Ninguém poderá dizer, dentro de anos, que não houve uma oportunidade para mudar esse fatalismo. Uma oportunidade perdida.
Remodelação do governo: A surpresa João Galamba
António Costa mudou quatro ministros, deu a Pedro Siza Vieira o estatuto de super-ministro da Economia, acumulando a função de adjunto do primeiro-ministro com a tutela das pastas económicas que estavam nas mãos de Caldeira Cabral. Mas perdeu a pasta da energia, por ter pedido escusa nestas áreas. A mudança da energia, agora Transição Energética, para o Ambiente não seria notícia se se mantivesse o secretário de Estado, mas Seguro Sanches caiu e o Bloco de Esquerda apressou-se a fazer barulho. Costa respondeu e escolheu um dos socialistas mais próximos dos bloquistas, João Galamba. O deputado, antigo socrático, e ex-porta-voz do PS, não é propriamente conhecido por ser especialista na área da energia, antes pela agressividade na retórica, e pela capacidade de argumentação. Inteligente e com sentido político. Ambicioso. Socialista da ala esquerda do partido, vai ser o novo rosto da energia. É uma concessão ao BE. Vai fazer desta pasta a sua imagem de marca, o princípio da sua carreira governativa. Já tinha avisado que queria ser ministro ou secretário de Estado. Vai ser já a partir de amanhã. É evidente a desconfiança do setor em relação a Galamba, e com fundadas razões, mas o novo secretário de Estado vai ter a oportunidade de mostrar o que quer fazer e ser. Vai agir a pensar nas manchetes dos jornais ou na defesa do país?
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