Herança económica que Bolsonaro recebe é melhor do que a que Dilma deixou
O primeiro responsável da vitória de Bolsonaro é o PT, afirma Paulo Portas no seu comentário semanal na TVI. Mas, para governar, Bolsonaro terá de negociar muito, vai precisar muito da democracia.
Seria muito difícil haver uma reviravolta nas eleições no Brasil entre Jair Bolsonaro e Fernando Haddad. É verdade que, da primeira para a segunda volta, os resultados se aproximaram daquilo que é normal nas eleições presidenciais no Brasil. Se nos lembrarmos da última eleição, o vencedor ganhou por 51,5%, na penúltima por 56%.
Objetivamente, este é também o resultado de Fernando Hadddad ter conseguido alguns apoios independentes na segunda volta e de Bolsonaro ter escolhido aquilo que no futebol se chamaria uma estratégia de catenaccio. Ou seja, totalmente defensiva. Sabendo que tem a liderança num sentimento dominante no Brasil, que é um sentimento anti-PT ou anti-Lula — o maior partido no Brasil –, a estratégia foi evitar cometer erros, não se expor, não sair de casa, até com uma alegação médica, não participar em debates, não aceitar entrevistas fazer só campanha via Facebook.
Há uma estratégia mais ofensiva de um lado e mais defensiva do outro. Mas a vantagem é de tal ordem que tudo indica — esperemos pelos resultados — que o Brasil tenderá a eleger Bolsonaro.
Para as pessoas perceberem o tsunami que se passou no Brasil, na primeira volta, 60% dos senadores são-no pela primeira vez; 52% dos deputados eleitos para o Congresso são eleitos pela primeira vez; há 21 partidos no Senado, mais seis do que antes, e 30 partidos no Congresso, portanto, mais cinco. Bolsonaro para governar vai ter de negociar muito, vai precisar muito da democracia, da negociação parlamentar.
E o que está na origem deste resultado? O ‘saco cheio’, como diriam os brasileiros. ‘Saco cheio’ de saírem à rua e poderem levar um tiro, sem saber como, porquê ou de onde; terem perdido mais de 10% da riqueza do país com a recessão em que o PT os colocou — convém recordar que o PT duplicou a dívida do Brasil em poucos anos –; e também com a corrupção à escala continental. Só o caso Odebrecht são 3,4 mil milhões de dólares em comissões pagas em corrupção em 12 países. As pessoas estão de ‘saco cheio’.
O primeiro responsável da vitória de Bolsonaro é o PT, o segundo o PMDB e o terceiro o PSDB, ou seja, os partidos clássicos.
Há dois fenómenos bastante novos nesta eleição: primeiro há um triunfo da chamada democracia digital, da qual não sou especialmente adepto, porque tende a radicalizar e a emocionalizar as eleições em todo o lado. Se Bolsonaro chegar a Presidente do Brasil consegui-lo-á com apenas 15 segundos de televisão durante a campanha eleitoral. Fez toda a campanha por via digital.
É a primeira vez, que no Brasil, as igrejas e também as seitas pentecostais são mais relevantes, do ponto de vista da sua proatividade política, do que a Igreja Católica. O Brasil está a mudar nesta matéria. E eles apostaram em Bolsonaro.
Quanto às consequências destas eleições: primeiro, para governar vai ser preciso negociar muito. A herança económica que Bolsonaro vai receber é melhor do que aquela que Temer recebeu quando houve o impeachment de Dilma. Finalmente a inflação está controlada — em torno dos 3,7% — e os juros estão baixos (6,5%), para médias brasileiras. Henrique Meirelles, o ministro das Finanças de Temer, fez um grande trabalho para estabilizar os indicadores macroeconómicos do país.
Mas, a grande questão vai ser a segurança. Bolsonaro é um militar e os militares tendem a achar que numa crise de emergência, em matéria de segurança, o exército tem de ter poderes de polícia. Felizmente os portugueses não sabem o que é ter uma taxa de homicídios violentos seis vezes superior à média mundial.
Donald Trump
Se as eleições fossem hoje Trump perderia o Congresso, mas manteria o Senado
Dia 6 de novembro há eleições parlamentares de meio mandato nos Estados Unidos. Neste momento, a taxa de aprovação de Donald Trump está nos -7,8% — 44,4% aprovam e 52,2% desaprovam. Mas os 44,4% que aprovam o trabalho de Donald Trump são muito próximos dos 46,1% que teve quando ganhou a presidência dos Estados Unidos.
Houve muito pouca erosão e, sobretudo, como as eleições parlamentares têm muito pouca abstenção o que conta são os votos mais militantes.
Ora, em 2016, como toda a gente sabe, Trump perdeu no voto popular mas ganhou no Colégio Eleitoral porque conseguiu mobilizar mais a sua base. É isso que pode acontecer.
Neste momento, se as eleições fossem hoje, a acreditar no balanço de todas as sondagens nos Estados Unidos — que como se sabe falham, como falharam estrondosamente na última vez, mas espera-se que tenham aprendido alguma coisa –, Trump perderia o Congresso por muito pouco, ainda há 31 circunscrições indecisas, e manteria o Senado, reforçando a sua maioria.
Já tem 50 senadores praticamente garantidos e, provavelmente, chegará a 53 ou 54. O que significa que a vida de Trump, como Presidente, ficará mais difícil, porque terá mais oposição. Mas impeachment, além de um problema de substância, com esta configuração é muito difícil.
Há dois temas que marcaram esta semana. O primeiro tende a favorecer Donald Trump, o segundo tende a desfavorecê-lo. O facto de ter havido atentados, embora relativamente primitivos, contra antigos Presidentes ou membros do Governo, senadores ou congressistas democratas, permite aos Democratas tentar insinuar que o facto de Trump radicalizar a linguagem política pode contribuir para estes excessos.
Não chegam ao ponto de dizer que foi o próprio Presidente que inspirou estes atentados, mas, evidentemente, permite aos Democratas fazerem esse ponto.
O segundo é que, em poucos dias, o FBI prendeu quem tinha de prender e o autor dos atentados vai apanhar umas dezenas de anos de cadeia. Portanto, a Justiça lá, apesar das críticas, funciona.
O outro tema é a marcha dos migrantes. Este fator, sobretudo se não houver outras matérias na agenda, favorece Donald Trump. Sou a favor da livre circulação de pessoas e não gosto desta hostilidade em relação à imigração. Mas, não há nenhum Estado de Direito no mundo que possa aceitar um movimento de migração organizada, como este, que nasce em três Estados, que são praticamente Estados falhados, na América Central.
Em causa estão a Nicarágua, Honduras e El Salvador, que passa pela Guatemala (que também não está bem), que pretende usar o México para chegar aos Estados Unidos. São, por isso, muitas vezes injustas as críticas que se fazem ao México, que mais não é do que uma plataforma de passagem.
São Estados que não se importam de exportar o problema, em vez de governarem bem. Fazem lembrar o doutor Salazar que não se importava com a emigração, porque quantas mais pessoas emigrassem menos problemas ele teria.
Além dos governos há também as ONG, muito orientadas ideologicamente, que patrocinam e organizam estes movimentos. Isto não nasce do nada e o que querem é algo muito perigoso. Querem que haja tiros quando chegarem à fronteira com os Estados Unidos, querem forçar o exército americano a disparar, querem mártires, vítimas e feridos.
Nenhum Presidente, republicano ou democrata, poderia aceitar um movimento desta natureza, e isso obviamente tenderá a favorecer Donald Trump.
Se a violência favoreceu os Democratas esta semana, a evidência que pode haver uma enxurrada de pessoas, e que isto se pode repetir N vezes, favorecerá, sobretudo no sul dos Estados Unidos, Donald Trump.
Itália
Comissão Europeia está dividida entre fazer demais ou de menos.
Se a Comissão Europeia fizer demais pode fazer de Matteo Salvini (líder da extrema-direita italiana e ministro do Interior), primeiro-ministro de Itália daqui a uns meses depois das eleições europeias. Salvini já está acima dos 30%, se lhe dão argumentação para se queixar e fazer de vítima pode chegar a primeiro-ministro de Itália muito rapidamente. Talvez por isso o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, que é italiano, tenha feito uma declaração bastante soft, dizendo que Itália tem de baixar o tom e reduzir o spread dos juros. Se a Comissão Europeia não fizer nada, a vida de Itália será mais fácil, mas as pessoas e os mercados deixariam de acreditar no Pacto de Estabilidade e Crescimento.
Para haver um Procedimento por Défice Excessivo Preventivo era preciso não só que muitos Estados o aprovassem e que fosse aplicada uma multa de 0,2% do PIB, que é muito pesada. Mas era ainda mais difícil e estamos a poucos meses das eleições europeias. Até agora não houve contágio da situação da dívida italiana — provavelmente muita dela é interna — para o resto da Europa. Creio que há uma certa divisão sobre o que pode ser feito, mas se for feito em demasia, provavelmente fica toda a Europa prejudicada.
Nota: A opinião de Paulo Portas é publicada com base no comentário semanal no Jornal das Oito da TVI, ao domingo, que pode ver aqui em vídeo.
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