Orçamento: Centeno prepara-se para saltar mais uma barreira
Mário Centeno tem estado numa corrida de obstáculos. Não será desta que o ministro tropeça: Bruxelas deve aprovar o OE2017 e os fundos não deverão ser congelados. Mas a meta ainda está longe.
Pelas 12 horas desta quarta-feira, Mário Centeno, ministro das Finanças, ficará a saber se saltou mais uma barreira no caminho da sua governação. O colégio de comissários europeus divulgará a opinião formal sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2017. Se a avaliação for suficientemente positiva para aprovar os planos orçamentais do Governo, o processo de suspensão de fundos comunitários deverá ser interrompido e Centeno consegue um dois em um. Mas o ministro tem vivido o primeiro ano de mandato numa verdadeira corrida de obstáculos. E nem todos estão ultrapassados.
O Orçamento passa no crivo de Bruxelas?
É a barreira que marca o dia de quarta-feira. Os sinais têm sido positivos. O próprio ministro Mário Centeno garantiu hoje Portugal vai sair do Procedimento por Défices Excessivos. Primeiro, o vice-presidente da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, e o comissário dos Assuntos Económicos e Financeiros, Pierre Moscovici, enviaram uma carta a avisar para o risco de “desvio significativo” dos planos do Governo face às metas comunitárias. Por outras palavras, isto quer dizer que onde o Governo promete um ajustamento orçamental estrutural de 0,6 pontos percentuais, os comissários encontravam, na melhor das hipóteses, 0,1 pontos.
"Há diferenças entre as nossas previsões e as do Governo, mas sem consequências práticas. [O Orçamento de 2017] cumpre totalmente as regras.”
Contudo, o que parecia uma repetição do filme do Orçamento de 2016, poderá não passar de um susto. É certo que, nas Previsões de outono, a Comissão Europeia não alterou as estimativas orçamentais para 2017 — nem em termos globais, já que a expectativa para o défice se mantém em 2,7% este ano, nem em termos estruturais, uma vez que a estimativa continua a ser a de um ajustamento nulo, com o défice a manter-se em 2,4%.
Mas as declarações de Pierre Moscovici têm sido promissoras. “Há diferenças entre as nossas previsões e as do Governo, mas sem consequências práticas”, disse, numa sessão sobre reformas estruturais na Europa, acompanhada pelo Negócios. O Orçamento português “cumpre totalmente as regras”, garantiu.
De acordo com a resposta do Governo português à carta de Bruxelas, o que separa a avaliação da Comissão da de Mário Centeno é a estimativa do PIB potencial. E, segundo apurou o ECO, os comissários até estão disponíveis para mudar as regras de apuramento das variáveis estruturais, mas nada garante que as mudanças sejam para já.
Suspensão de fundos estruturais prestes a ser travada
Se o OE2017 for aprovado, tudo indica que a suspensão de parte dos fundos comunitários seja travada. Esta é uma penalização que decorre do procedimento de sanções desencadeado em julho, depois de se ter confirmado que o défice orçamental de 2015 superou a meta estabelecida por Bruxelas e de os comissários terem decidido que o desvio se deveu ao facto de o anterior Governo não ter tomado medidas eficazes para o evitar.
Em setembro, os comissários garantiram que a suspensão de fundos não avançaria se o Governo cumprisse a meta do défice de 2016 e as perspetivas para 2017 fossem de continuidade da redução do desequilíbrio das finanças públicas. Apesar de o Governo garantir que o défice de 2016 será de 2,4% do PIB, abaixo da meta de 2,5% estabelecida pela Comissão, Bruxelas ainda não dá estes resultados como adquiridos.
Entretanto, o diálogo estruturado com o Parlamento Europeu decorre no bom caminho, com os eurodeputados a defender que, tal como Espanha, Portugal não merece ser sancionado.
Dossier CGD: uma barreira mais alta do que a perna?
Parecia uma barreira saltada com distinção: ao fim de um ano de mandato, o Governo de António Costa lidou com o elefante na sala e encontrou um plano de recapitalização para a Caixa Geral de Depósitos que passou no crivo de Bruxelas e não foi considerado como ajuda de Estado.
Mas no melhor pano cai a nódoa: depois de ter conseguido o que parecia ser o mais difícil, Centeno corre o risco de ver o banco público sem administração. A equipa escolhida pelo Governo, liderada por António Domingues, recusa-se a apresentar as suas declarações de rendimento e património ao Tribunal Constitucional, questionando uma lei de 1983.
Independentemente de ficarmos, ou não, a conhecer os rendimentos e património dos gestores da CGD, o certo é que continua a haver uma dúvida por desfazer: mesmo que a administração da Caixa veja o seu plano de recapitalização aprovado, por enquanto ainda não é possível afirmar com certeza que esta operação não terá impacto no défice orçamental. Quem toma esta decisão é o Eurostat, depois de a operação ser concretizada. Se a operação se materializar ainda em 2016, este é um risco para o cumprimento da meta do défice, como já avisou o Conselho de Finanças Públicas.
Malparado na banca continua por resolver
Está à vista de todos, inclusive do chefe do Governo: a banca portuguesa tem um problema de rendibilidade, que decorre do excessivo peso do malparado. António Costa já assumiu que o problema tem de ser resolvido de forma sistémica e pondera-se a hipótese de criar um veículo que permita libertar os bancos destes ativos problemáticos.
"Eu nunca falei em banco mau. Eu falei da necessidade de termos um veículo, até direi mais, um mecanismo, que permita efetivamente resolver a situação.”
Não tem de ser necessariamente um banco mau, conforme frisou o primeiro-ministro, em entrevista à TVI: “Eu nunca falei em banco mau. Eu falei da necessidade de termos um veículo, até direi mais, um mecanismo, que permita efetivamente resolver a situação.” Mas o certo é que a solução continua por encontrar. E enquanto Mário Centeno não desatar este nó, o crescimento da economia continuará comprometido pela dificuldade dos bancos em conceder crédito e impulsionar o crescimento empresarial.
Um Orçamento e meio aprovado pela esquerda
Quando António Costa tomou posse, com o apoio da esquerda parlamentar — PS, BE e PCP — muitos vaticinaram o fim do mandato logo no primeiro Orçamento que tivesse de ser desenhado. Acontece que Mário Centeno passou a barreira do OE2016, num movimento habilidoso entre as pressões de Bruxelas e as exigências dos parceiros domésticos, e prepara-se para saltar também a do OE2017. O Orçamento para o próximo ano já foi aprovado na generalidade, com os votos favoráveis da esquerda.
O debate parlamentar do OE2017 está agora centrado na especialidade. As propostas de alteração dos partidos têm de ser entregues até às 21 horas da próxima sexta-feira. Por enquanto, só o PCP frisou que o voto final dos comunistas não está ainda fechado e dependerá deste debate. Seja como for, tanto o PCP como o BE elogiaram o documento do Governo durante o debate da generalidade, frisando que o Executivo não vai tão longe como seria desejável, mas já percorre parte do caminho defendido pela esquerda.
Sanções por causa do défice anuladas
Foi um obstáculo ultrapassado no limite: Bruxelas desencadeou o processo de aplicação de sanções pecuniárias a Portugal por causa do resultados orçamentais de 2015, mas cancelou a aplicação desta penalização no último momento. O valor da sanção seria, por defeito, de 0,2% do PIB.
Em julho, os comissários reviram a meta do défice dos anteriores 2,3% para os atuais 2,5% para 2016 e pediram mais esforços ao Governo para atingir este valor. Mas reconheceram o esforço feito no passado e por isso decidiram que Portugal não deveria ser penalizado.
Para este resultado contribuíram não só os argumentos do Governo português, numa carta enviada a Bruxelas, como também a união parlamentar em torno da injustiça que resultaria da aplicação de sanções.
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