Já há acordo político para controlar investimentos chineses na União Europeia
A União alcançou esta terça-feira um acordo de princípio para criar um mecanismo de escrutínio de investimentos de países terceiros. É um tema sensível para Portugal por causa da banca e energia.
É um primeiro passo para controlar a nível europeu investimento em setores estratégicos por parte de países como a China e Rússia. Portugal está particularmente exposto ao investimento chinês.
As instituições europeias — Conselho, Parlamento e Comissão — alcançaram esta terça-feira um compromisso político para criar um quadro legal que permite escrutinar o investimento de países terceiros no bloco comunitário e estabelecer um mecanismo de partilha de informação entre os Estados-membros e a Comissão sobre operações que afetem a segurança e ordem pública. O acordo foi confirmado ECO por fontes próximas das negociações no final da última ronda de conversações entre os representantes da Parlamento, Conselho e Comissão — os trílogos, no jargão comunitário — que decorreu esta terça-feira, em Bruxelas.
O mecanismo acordado estabelece um quadro jurídico para filtrar o investimento direto estrangeiro em setores sensíveis — energia, espaço, telecomunicações e transportes — e em ativos estratégicos (tecnologias e infraestruturas críticas, dados sensíveis). A regulamentação pretende dar segurança jurídica e aumentar a transparência.
Ao contrário dos principais parceiros internacionais — EUA, Canadá, Austrália e Japão –, só 12 Estados-membros da UE dispõem de um mecanismo para avaliar potenciais riscos do investimento estrangeiro direto.
Sob pressão da França e da Alemanha, Bruxelas propôs no ano passado um quadro legal que cria um mecanismo de partilha de informação entre os Estados-membros (e a Comissão) que pode ser desencadeado quando um investimento direto estrangeiro afete a segurança ou ordem pública. A proposta define o tipo de informação a partilhar e os timings. Prevê que o país alvo de investimento informe os parceiros europeus. Estes podem requerer mais informações e manifestar preocupações e, finalmente, a Comissão emitir um parecer (não-vinculativo). Em qualquer dos casos, o Estado-membro é soberano cabendo-lhe a decisão final.
Bruxelas pode ainda escrutinar e dar a sua opinião (não-vinculativa) no caso de o investimento estrangeiro afetar projetos ou programas da interesse da UE na área da investigação (Programa Horizonte 2020), do espaço (Galileo, o sistema de navegação por satélite), e das redes de transportes, energia ou telecomunicações.
A posição negocial que o Parlamento Europeu adotou para os trílogos era mais ambiciosa do que as da Comissão e do Conselho e alargou o âmbito e os setores abrangidos (meios de comunicação, infraestruturas eleitorais). Os eurodeputados consideram que o mecanismo deve igualmente incluir uma nova definição relativa ao investimento de empresas controladas por governos estrangeiros (o que deverá ficar no regulamento).
Em qualquer dos casos, o mecanismo não permite o veto. O Estado-membro é soberano cabendo-lhe a decisão final de aceitar a operação. O que a nova regulamentação permite é um melhor controlo dos investimentos, introduzindo alguma harmonização e transparência, aumentando a pressão e vigilância dos parceiros europeus.
Reticências nacionais
O investimento estrangeiro é responsável por 36% da riqueza gerada e por 7,6 milhões de postos de trabalho na UE — o bloco comunitário tornou-se o primeiro destino de investimento estrangeiro. Em 2016, os 28 receberam cerca de 280 mil milhões de euros em investimento estrangeiro direto, sendo a Suíça (55 mil milhões) e os Estados Unidos (54) os principais investidores. Mas nos últimos anos, investimentos de países como a China, Brasil e Rússia dispararam para níveis exorbitantes que fizeram soar os alarmes em Bruxelas e em muitas capitais europeias.
Certos investimentos estrangeiros podem ser problemáticos para a UE se visarem controlar ou influenciar empresas em setores críticos. Sobretudo se esse investimento estiver em mãos de governos. A UE tem estado sob pressão para responder à vaga crescente de aquisições, sobretudo por parte da China, das jóias da coroa do setor energético europeu.
Os investimentos estrangeiros tiveram particular incidência em países como Portugal (energia, banca, comunicação social e seguros) e Grécia (porto do Pireu) que, durante e após os programas de resgate, ficaram particularmente expostos. Outros países também estiveram no radar: França (gás, petróleo, transportes), Alemanha (alta-tecnologia) e Itália (energia, telecomunicações).
Em Portugal, por exemplo, o Estado chinês tem já uma posição estratégica no setor energético. A empresa pública China Three Gorges já é o maior acionista da EDP, com 23% do capital, tendo anunciado em maio uma OPA sobre a elétrica portuguesa.
Fontes ouvidas pelo ECO, explicam que Portugal e Grécia foram dois dos Estados-membros que mais reticências levantaram inicialmente à criação de um mecanismo europeu de escrutínio devido ao peso e à dependência do investimento externo no país.
Esclarecidas as dúvidas sobre a base legal do mecanismo, os governos reticentes aceitaram finalmente o mandato do Conselho para iniciar os trílogos. Agora só a Itália parece levantar a voz contra a iniciativa. O mecanismo tem ainda que ser aprovado pelos Estados-membros, por maioria qualificada, pelo que a oposição de um só país não tem consequências — ainda que o mecanismo só faça sentido se todos os países concordarem na troca de informação.
O governo populista italiano opõem-se à troca de informação “forçada” considerada como uma “ingerência”. A oposição é vista por alguns como reação ao braço de ferro com Bruxelas sobre o orçamento, vindo na sequência de uma aproximação recente de Roma a Pequim.
Durante as negociações, vários deputados expressaram igualmente a sua preocupação com as aquisições chinesas e russas, apelando à remoção das barreiras aos investimentos europeus naqueles países, com o objetivo de garantir reciprocidade.
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