Bruxelas não vê risco de contágio de Itália. Mercados também não
Itália está prestes a ficar sujeita a regras mais apertadas de Bruxelas. No entanto, "nesta fase" as implicações para outros países não são grandes aos olhos da Comissão. Mas será sempre assim?
Bruxelas considerou, esta quarta-feira, praticamente inevitável a abertura de um Procedimento por Défices Excessivos (PDE) a Itália, mas tentou conter o impacto que o anúncio poderia ter para os restantes países do espaço do euro, ao desvalorizar possíveis efeitos de contágio. Mas a frase do comissário europeu para os Assuntos Económicos e Financeiros tinha uma nuance – – Pierre Moscovici referia-se à “fase atual”. Ainda assim, para já não se notam implicações nos mercados financeiros.
O executivo comunitário tinha explicado a posição adotada pelo colégio de comissários sobre Itália e as consequências imediatas para o próprio país quando um jornalista presente na conferência de imprensa quis perceber as implicações para os restantes Estados-membros. Afinal, a Itália é a terceira maior economia na Zona Euro, depois da Alemanha e de França, cujo PIB representava no ano passado 15,4% do PIB do conjunto da Zona Euro.
“Na fase atual, não há grandes efeitos de alastramento a outros países da Zona Euro”, disse o comissário europeu, acrescentando que o bloco do euro “já dispõe de ferramentas suficientes para conter choques económicos” e que “a caixa de ferramentas da Zona Euro foi muito reformada com a crise”. Moscovici garantiu que a Comissão continuará a “acompanhar” a situação e frisou que o PDE não foi adotado já.
Os analistas não estão tão certos quanto Moscovici, mas também não o negam. O contágio existente é muito limitado. “Nem as próprias obrigações italianas sofreram os efeitos do que seria uma verdadeira crise”, afirmou Rui Bárbara, economista e gestor de ativos do Banco Carregosa, em declarações ao ECO.
A dívida soberana italiana não teve um alargamento expressivo do spread (aumento das taxas de juro, distanciando-se das taxas de referência da dívida europeia, as alemãs) típico de uma situação de elevado stress. A yield das Obrigações do Tesouro de Itália a dez anos negoceiam esta quarta-feira em mercado secundário próxima de 3,5%, o que compara com os 3,6% registados a 23 de outubro quando Bruxelas tomou a decisão inédita de chumbar o documento ou aos 3,3% do início do mês passado. “A própria reação italiana foi muito subtil, por isso, nem em Portugal, nem no resto da Europa houve ondas de choque”, continua Rui Bárbara.
No caso da dívida benchmark portuguesa, o juro situa-se nos 1,96%, face aos 1,9% do início de outubro. “No mercado primário não se tem sentido efeito contágio a não ser, claro, pelas taxas mais altas praticadas. Tem havido bastante procura nos leilões, que decorrem de forma perfeitamente normal e positiva”, corrobora Filipe Garcia, economista e presidente da IMF – Informação de Mercados Financeiros.
O Tesouro português tem conseguido pagar juros próximos dos negociados em mercado secundário nas emissões de Obrigações a dez anos. O último aconteceu na semana passada, no qual os investidores exigiram 1,908% por 752 milhões de euros em OT. Tal como na maioria das colocações, o juro baixou, mas no início de outubro — antes de Itália ter apresentado o OE e quando a incerteza sobre o que iria fazer o Executivo italiano aumentou o stress — Portugal fechou a agravar os custos de financiamento.
Garcia considera, porém, que “apesar de não estar a ser tão forte quanto eventualmente se temeria, há algum contágio nos juros da dívida em mercado secundário”. Explica que “os juros de Itália começaram a subir em maio, tendo acontecido o mesmo em Portugal e em Espanha”.
Sublinha, no entanto, que a subida do risco associado aos títulos italianos tem sido muito mais expressiva do que a dos portugueses. Portugal tem sido ligeiramente penalizado por duas razões, na perspetiva de Filipe Garcia. Por um lado, Portugal e Itália partilham os mesmos problemas de base: um rácio de dívida pública face ao PIB elevado e crescimento económico mais lento do que a média europeia. “E mais lento do que seria necessário para fazer diminuir a dívida de forma substancial”, aponta o presidente da IMF.
Um tema delicado para Portugal
O caso italiano, e o seu impacto, é tratado com delicadeza na esfera política. Esta quarta-feira, a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, defendeu que a Comissão “não tem razão até porque há outros países da União Europeia com défices mais altos que não têm este tipo de procedimentos”, mas criticou Bruxelas por não ser tão dura com um Governo de extrema-direita em assuntos de direitos humanos.
Mário Centeno, o ministro das Finanças e também presidente do Eurogrupo, sinaliza cá dentro que os desafios vindos de fora permanecem, apesar das metas orçamentais ambiciosas que quer ver cumpridas até às legislativas marcadas para o outono do próximo ano. No último dia do debate setorial do Orçamento do Estado (OE) para 2019, o governante lembrou que “o OE 2019 vai estar envolto em dificuldades tão de monta significativa como os anteriores”, para pedir aos deputados que evitem euforias despesistas. Na pele de líder do fórum de ministros das finanças do euro, Centeno tem-se batido pela correção dos planos orçamentais do Governo de Giuseppe Conte.
O ministro quer fechar o OE com uma meta de défice quase zero este ano, mas o documento tem sido algo de dúvidas sobre a sua prudência. Ainda na semana passada, o Conselho de Finanças Públicas chamou a atenção para o facto de a poupança de 110 milhões de euros nos encargos com juros da dívida pública, prevista para 2019, depender apenas das condições de mercado, ou seja, ficam mais dependentes do que se passa nos mercados financeiros.
O futuro é incerto e Rui Bárbara reconhece que “é verdade que o cenário ainda se pode agravar, antes de melhorar”. Nota, no entanto que “os investidores não acreditam verdadeiramente que possa haver qualquer colapso, caso contrário, a reação já teria ocorrido”. Ambos os analistas concordam que os mercados financeiros acreditam que, embora o braço de ferro entre Itália e a Comissão Europeia ainda possa durar mais algum tempo, no fim irá prevalecer um acordo.
“A ideia de que acabará por haver um compromisso parte a parte é muito forte. Mesmo a queda recente no preços dos ativos teve mais que ver com uma mudança de sentimento do que com o impasse com o défice italiano”, refere o economista e gestor de ativos do Banco Carregosa.
Apesar de os mercados estarem a apostar no compromisso e de não estarem a atribuir um risco expressivamente mais elevado a Portugal ou a outros países da zona euro, há fatores de risco no horizonte.
“O rácio da dívida face ao PIB português é muito elevado pelo que qualquer subida mais significativa colocará as contas públicas sob pressão”, alertou Filipe Garcia. “O maior risco é o efeito combinado de juros a subir num eventual contexto de desaceleração da economia. É algo que pode acontecer em 2019, caso o Banco Central Europeu (BCE) deixe de comprar títulos em secundário e se a situação em Itália escalar”.
Se estes efeitos combinados levarem a um alargamento do prémio de risco, o impacto negativo na economia portuguesa faria sentir-se na economia portuguesa, tornando o o financiamento quer para a banca quer para as empresas mais caro. “Todos temos presente o que sucedeu em Portugal no período de 2010 a 2012 e uma repetição desse cenário seria muito penalizadora para Portugal”, lembrou o economista e presidente da IMF.
“Em todo o caso, o mercado considera que há vontade política em Portugal para ter défices mais baixos. O outro ângulo é mais de longo prazo: percebendo-se que a questão italiana só se coloca devido à forma com a União Económica e Monetária está desenhada, um adensar da crise poderia fazer voltar os receios de crise da dívida, eventualmente colocando o euro em causa. Não estamos perto desse cenário, mas Portugal seria afetado se a crise em Itália se agudizasse”, acrescentou.
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