O que é que a Alemanha tem e nós não? Capacidade de inovação
Glückwunsch! A Alemanha pode orgulhar-se, agora, de ser o país com maior capacidade de inovação. Portugal ainda tem muito a aprender com os alemães, mas parece estar num bom caminho.
Inovação é descrita no dicionário como “aquilo que constitui algo de novo”, tal como o “desenvolvimento e uso de novos produtos, métodos ou conceitos”. Inovar é “introduzir novidades”, “renovar, inventar e criar”. A estas definições poderia, ainda, acrescentar-se uma outra palavra: Alemanha, que, não só inventa, como também implementa.
De acordo com o relatório de 2018 dos países mais competitivos do mundo, publicado pelo World Economic Forum (WEF), na categoria de capacidade de inovação, a Alemanha distingue-se como o país com a maior capacidade para o fazer. Glückwunsch! (parabéns, na língua de Camões): está em primeiro lugar do ranking. Portugal, que obteve a 32.ª posição, tem muito a aprender com os alemães.
Retenção e atração de talento. Interesse em trabalhadores estrangeiros. Condições salariais e sistema social. Estes são só alguns dos “ingredientes” que fazem com que a Alemanha consiga a proeza de liderar em matérias de inovação. “Os alemães não só criam ideias inovadoras, como também são muito fortes em fazer com que essas ideias cheguem ao mercado”, afirma Leon Biermann, um alemão a viver em Lisboa.
Bennet Barth, também alemão, diz que o seu país “é tradicionalmente muito forte em inovação”. “A indústria alemã é um verdadeiro impulsionador de investigação e desenvolvimento (I&D), inovação e patentes. Basta pensar na indústria automóvel, farmacêutica ou química”, refere.
"A Alemanha pensa na aquisição e retenção de talento como cidade e como país.”
Na visão de um português, Pedro Oliveira, que conhece bem ambas as realidades, a inovação da Alemanha está, também, relacionada com um outro fator. “Na Alemanha, receber estrangeiros já é um processo natural, está tudo montado e preparado. Aliás, a Alemanha pensa na aquisição e retenção de talento como cidade e como país”, explica o cofundador da startup Landing.jobs.
Atrair e reter talentos, mesmo “fora de portas”
Sobre a aquisição de talentos, o líder da plataforma de recrutamento online, que vê na Alemanha o seu principal mercado, conta que, há cerca de um mês e meio, a startup portuguesa fez um evento em que foram convidadas 20 pessoas, de várias nacionalidades, a visitar empresas sediadas em Berlim. “Dessas 20, posso dizer que quase todas foram contratadas”, exemplifica.
A contratação de estrangeiros é, precisamente, um fator que, para Pedro Oliveira, explica a liderança da Alemanha no que toca a capacidade de inovação. “Há, de facto, uma maior abertura em receber estrangeiros”, diz.
Mas, se por outro lado Alemanha os quer receber, por outro, tem também de saber como atraí-los. E quanto a isso, talvez seja a sua localização geográfica dê uma ajuda. “Berlim é o coração da Europa. Como marca é muito mais atrativo” do que outras cidades, noutros países, como Lisboa e Portugal, por exemplo, explica.
Tendo em conta a sua experiência com os processos de recrutamento na área tecnológica, “é mais fácil atrair talento para Berlim do que para Lisboa”.
Se houvesse mais oportunidades no mercado, talvez fosse mais fácil para os alemães virem trabalhar para Portugal.
Sergine Bosch é uma alemã que aterrou em Lisboa. Fez o trajeto inverso, mas concorda que a capacidade de atração de Portugal é menor, quando comparada com a do seu país. “Se houvesse mais oportunidades no mercado, talvez fosse mais fácil para os alemães virem trabalhar para Portugal”.
Ainda que o clima e o próprio país estejam a corresponder às expectativas da alemã, há vários fatores em que considera que, de facto, a Alemanha está “muito à frente”. “Há mais benefícios, também devido à economia do país. Os salários são mais elevados e o sistema social também é melhor [do que o português]”, afirma.
Ainda assim, Sergine Bosch diz que pretende continuar a viver e trabalhar em Portugal e que “é preciso ter paciência para atingir um certo nível de vida”. Entretanto, nos intervalos, aproveita para visitar o seu país natal, tal como fez poucas horas depois da conversa com o ECO.
Inovadora, sim. Mas e as startups?
Leon Biermann veio para Lisboa para fazer o mestrado. Agora está a escrever a sua tese sobre novas oportunidades de negócio e reconhece que a Alemanha “é muito forte em certos aspetos”, como na investigação e desenvolvimento (I&D), por exemplo. Além disso, diz que o setor privado alemão está disposto a investir em novos produtos e — mais do que isso — disposto a implementar esses mesmos produtos.
No ensino, considera que a Alemanha tem um excelente desempenho na conciliação que consegue fazer entre as universidades e a indústria. “Além disso, a indústria é muito especializada e diversificada, o que cria novas oportunidades”, acrescenta. Pedro Oliveira concorda com este ponto, diz que é difícil superar a qualidade das universidades alemãs.
Por outro lado, o cofundador da Landing.jobs reforça que Berlim tem uma comunidade de investidores e empreendedores maior do que aquela que existe em Portugal, juntamente com maior acesso a capital de risco e mais elevada capacidade financeira.
Contudo, e apesar dos resultados do relatório do WEF, Leon Biermann não deixa de se mostrar surpreendido com o ranking. “Devo dizer que, para muitos alemães, foi uma surpresa saber que a Alemanha lidera este relatório no que toca a capacidade de inovação”, confessa. “É preciso ter cuidado com estes estudos. Há outras comparações internacionais, também, sobre competitividade, onde a Alemanha tem um desempenho não tão positivo. Depende sempre das variáveis que são analisadas”, acrescenta.
A Alemanha é incontestavelmente o número um no que toca a capacidade de inovação, mas isso não tem necessariamente a ver com ter um ecossistema de startups.
Já Bennet Barth — que trabalha em Lisboa, na MAZE – Decoding Impact, dá o devido mérito ao seu país de origem, ainda que com algumas reticências. “A Alemanha é incontestavelmente o número um no que toca a capacidade de inovação, mas isso não tem necessariamente a ver com ter um ecossistema de startups”, explica.
Neste ponto, o alemão considera que o ambiente de startups no seu país de origem é pequeno, principalmente quando comparado com outros lugares, como Silicon Valley, por exemplo, “onde a inovação acontece em startups que, depois, são usadas, adotadas e compradas por grandes empresas”. Biermann está a estabelecer uma startup na Ilha Terceira, relacionada com a produção de uma bebida alcoólica através de bananas.
Também há boas notícias para Portugal
Por cá, os ventos sopram cada vez mais favoráveis ao ambiente inovador. Pelo menos, tanto Sergine com Leon, tanto Pedro como Bennet acreditam nisso. A alemã Sergine Bosch, por um lado, salienta que vê cada vez mais estrangeiros em Portugal, que vêm para cá não só para passear mas também para trabalhar — como ela própria –, enquanto o português Pedro Oliveira relembra que agora temos um outro ponto a favor: o Web Summit. E a vinda de grandes empresas para o país, como a Google e a Microsoft, também veio impulsionar o ambiente inovador.
Para Bennet Barth, Portugal — e especialmente Lisboa — está a tornar-se cada vez mais empreendedor, atraindo talentos de todo o mundo. Na sua opinião, o país lusitano tem uma mentalidade mais empreendedora, especialmente no campo da inovação social, do que até mesmo a alemã, que está mais focada na pesquisa institucional.
No que toca às startups, a sua previsão também é animadora. “O cenário de startups em Portugal é, e será, cada vez mais, um motor de inovação no país”.
Mas a inovação pode medir-se através de outros fatores. Quanto a marcas registadas e qualidade de instituições de pesquisa, Portugal também dá cartas. Nestes aspetos, o país ocupa os 20.º e 26.º lugares, respetivamente, de acordo com o relatório do WEF.
O que eles têm e nós não?
Portugal podia ser um país mais competitivo? Podia. Como? Se imitasse os melhores. Seríamos os primeiros se tivéssemos a percentagem de utilizadores de Internet da Islândia, um serviço de saúde igual a Espanha, uma oferta de comboios idêntica à da Suíça, o sistema judicial da Finlândia ou uma tolerância ao risco das startups semelhante a Israel. E há mais, muito mais.
Para assinalar os dois anos do ECO, olhamos para Portugal no futuro. Estamos a publicar uma série de artigos, durante três semanas, em que procuramos saber o que o país pode fazer, nas mais diversas áreas, para igualar os melhores do mundo.
Segundo o World Economic Forum, Portugal está em 34.º no ranking da competitividade de 2018. Vamos “visitar” os mais competitivos do mundo, nas mais diversas áreas, e tentar perceber “O que eles têm e nós não?”. Clique aqui para ver todos os artigos da série.
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