O que a Suíça tem e nós não? Formação profissional
Portugal situa-se na 45º posição no indicador que mede a qualidade do ensino profissional, no Global Competitiveness Report. Na Suíça, dois terços dos jovens escolhem esta opção.
O que determina o sucesso dos jovens? Em alguns países, uma licenciatura numa universidade é vista como essencial para desenvolver uma carreira, mas o caso não é igual em todo o lado. A Suíça destaca-se como o país com a formação profissional com mais qualidade, que coexiste com uma das taxas de desemprego jovem mais baixas da UE.
Já Portugal situa-se na 45º posição no indicador que mede a qualidade deste tipo de ensino, no Global Competitiveness Report. A opção ainda é vista por muitos como “uma via mais fácil” para concluir os estudos, aponta Pedro Castro, técnico informático que tirou um curso profissional na Escola do Comércio de Lisboa.
O jovem, de 26 anos, tirou o curso de informática, instalação e gestão de redes. O programa inclui “formação em contexto de trabalho” durante os três anos letivos, em empresas do setor, nacionais e em países da UE. O último estágio que fez foi na Cofina, onde acabou por ficar a trabalhar. A integração no mundo de trabalho foi, portanto, imediata. Mas mesmo que não tivesse ficado, diz que “os melhores alunos começam logo a ser contactados por empresas”.
“Quando senti que tinha mais para aprender fora da empresa, comecei a enviar currículos”, conta. As respostas não tardaram a chegar, e conseguiu arranjar trabalho rapidamente. Nas entrevistas, não notou que o facto de ter feito um curso profissional tivesse afetado a perceção dos empregadores. “Mas também pode ser da minha área, que é mais recente”, e portanto existe mais procura.
Uma das críticas apontadas por Pedro é que o ensino não está modernizado, e ainda são aplicadas técnicas e matérias antigas para temas que serão trabalhados no contexto atual. No curso de multimédia, ainda é pedido aos alunos a utilização de uma câmara VHS, exemplifica.
Para além disso, a falta de motivação de alguns dos estudantes afeta o ambiente das aulas, tornando a aprendizagem mais difícil, acrescenta o ex-aluno. Marta Santos, que tirou também um curso profissional, na área de Marketing, é da opinião de que este fator é dos que mais prejudica a reputação do curso.
“É um ciclo vicioso, as pessoas veem o profissional como última opção, então vão para lá com baixas expectativas e não se esforçam”, aponta. “Depois o desempenho nos estágios não é exemplar, e afeta a imagem que passa para as empresas que aceitam os alunos“, explica.
Em 2016, 41% dos alunos em Portugal estavam inscritos no ensino profissional, o que é um valor ligeiramente abaixo da média da OCDE (44%) e da UE23 (47%), segundo os dados do “Education at a Glance“, da OCDE. O valor fica ainda aquém do necessário para atingir a meta definida pelo Governo, de chegar aos 50% em 2020.
O Executivo português tem demonstrado a intenção de apostar no ensino profissional. O apoio a esta modalidade de ensino deverá ser reforçado com 350 milhões de euros, depois de esgotadas as verbas inicialmente destinadas no âmbito do Programa Operacional Capital Humano.
O relato de como o sistema funcionava há alguns anos não é muito diferente. Alexandra Trindade fez o curso de contabilidade e gestão na agora extinta Veiga Beirão, no final dos anos 80. O curso de três anos terminou com um estágio numa instituição bancária, onde foi convidada a ficar a trabalhar. Passados mais de 20 anos, ainda se mantém na banca.
A decisão de ir para o curso prendeu-se com a vontade de ir para gestão. “Achei que era a melhor forma de me preparar para a faculdade”, explica Alexandra. Mas como a oferta de emprego apareceu, os planos do ensino superior ficaram para trás.
Mas segundo testemunhos de alguns profissionais numa situação semelhante, tendo começado a trabalhar depois de um curso profissional, existe uma certa pressão das chefias para prolongar os estudos. No caso de algumas empresas, uma licenciatura ou mestrado pode ser um fator determinante para a atribuição de uma promoção.
Podemos aprender com a Suíça?
Portugal não chega ao top 30 na maioria das categorias dentro do pilar que avalia as competências dos habitantes, no Global Competitiveness Report, exceto no conjunto de competências dos finalistas e no tempo médio de escola. Os países que estão em primeiro nos indicadores desta área são famosos pelo seu sistema de ensino, nomeadamente a Finlândia, a Alemanha e a Suíça.
O país da neutralidade é dos que mais se destaca neste setor. A escolaridade obrigatória na Suíça é até ao 9º ano, pelo que quando terminam o terceiro ciclo têm a opção de escolher entre ensino secundário ou profissional (VET) — dois terços dos jovens do país escolhe a segunda opção, de acordo com o Instituto Federal Suíço de Educação e Formação Profissional. Existem vários exemplos de pessoas que começaram uma carreira de sucesso com ensino profissional, nomeadamente o CEO da UBS, Sergio Ermotti.
Mais à frente existe também a escolha entre ensino superior ou profissional. Para Lukas Unterschütz, jovem suíço que está atualmente a viver em Portugal, uma das vantagens do sistema é que oferece uma “ampla variedade de caminhos”. A porta do ensino superior não fica fechada, tanto que é vista como uma escolha para qualquer idade.
A duração dos cursos profissionais é variável, mas oscila entre os dois e quatro anos, e no fim os estudantes ficam com um diploma ou um certificado federal, sendo ambos reconhecidos em todo o país. Os cursos preveem também estágios em empresas da área, onde é incentivada a aprendizagem “com as mãos na massa”. Aproximadamente 30% das empresas suíças aceitam jovens inseridos neste programa.
Este tipo de formação especializada “é muito bem vista”, relata Lukas, e são até dados incentivos para prosseguir por este caminho. “Os empregos de artesãos e na construção têm uma boa reputação e, com a devida educação, as pessoas também são bem remuneradas nesses campos”, conta.
A oferta suíça é de cerca de 250 programas de VET. As carreiras mais populares são para a área comercial e de retalho, prestação de cuidados de saúde, assistência social, eletricista, cozinheiro e especialista em Tecnologias de Informação (TI).
Mais especialização, menos desemprego
O sistema de educação suíço, que permite uma alta especialização dos jovens, é apontado pelos especialistas como uma das principais razões para os baixos níveis de desemprego. A inserção no mercado de trabalho acontece mais cedo e com mais facilidade.
Portugal e Suíça encontram-se em espetros opostos na taxa de desemprego jovem, segundo mostram os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). O desemprego entre a população jovem, dos 15 aos 24 anos, fixou-se nos 8,1% na Suíça, no ano passado. Já em Portugal a taxa chegou aos 23,9%, uma das mais altas da OCDE.
Na altura de encontrar emprego, Lukas Unterschütz refere que ter feito um curso profissional é uma mais-valia. “Se saíres da universidade sem experiência de trabalho, terás muito mais dificuldade em encontrar bons empregos”, indica. “A maioria das pessoas já reuniu muita experiência prática por essa fase, então quem esteve apenas a estudar está em desvantagem”, explica.
O que eles têm e nós não?
Portugal podia ser um país mais competitivo? Podia. Como? Se imitasse os melhores. Seríamos os primeiros se tivéssemos a percentagem de utilizadores de Internet da Islândia, um serviço de saúde igual a Espanha, uma oferta de comboios idêntica à da Suíça, o sistema judicial da Finlândia ou uma tolerância ao risco das startups semelhante a Israel. E há mais, muito mais.
Para assinalar os dois anos do ECO, olhamos para Portugal no futuro. Estamos a publicar uma série de artigos, durante três semanas, em que procuramos saber o que o país pode fazer, nas mais diversas áreas, para igualar os melhores do mundo.
Segundo o World Economic Forum, Portugal está em 34.º no ranking da competitividade de 2018. Vamos “visitar” os mais competitivos do mundo, nas mais diversas áreas, e tentar perceber “O que eles têm e nós não?”. Clique aqui para ver todos os artigos da série.
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