António Costa está a pagar o cartão de crédito. Falta o crédito da casa
O Governo está de parabéns. Fez o que mandam as regras na casa de qualquer português: está a pagar dívidas. Começa pela mais cara, conseguindo ao mesmo tempo calar os sucessivos alertas do FMI.
6 de abril de 2011. A data fica para a história, mas não pelos melhores motivos. Foi neste dia, ao final da tarde, que José Sócrates, com Teixeira dos Santos, então ministro das Finanças, ao seu lado, deu as más notícias. Portugal iria pedir um resgate. Era “por prudência”, dizia o então primeiro-ministro, tentando esconder a situação de emergência vivida nas contas públicas. Não havia, efetivamente, dinheiro para o país cumprir com as suas obrigações.
O momento está, e estará, gravado na memória de todos os portugueses. Pela terceira vez em democracia, Portugal precisava de ajuda financeira que acabou por chegar, meses depois, através da troika. Se na altura poucos sabiam o que era, nos últimos anos todos passaram a saber bem quem são. Banco Central Europeu, Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional (FMI) trouxeram o ansiado cheque de 78 mil milhões de euros, mas com ele vieram muitas condições. E o país teve de empobrecer.
O cheque forçou a economia portuguesa a duras reformas. Já não foi com Sócrates que se fizeram, mas sim com Passos Coelho que, juntamente com Paulo Portas, conseguiu, anos depois, a “saída limpa”. Não foi preciso um novo cheque, como muitos aventaram, mas a divida para com a troika mantinha-se. E se para Sócrates “pagar a dívida é uma ideia de criança”, porque “as dívidas dos Estados são por definição eternas. As dívidas gerem-se”, para Passos não era bem assim. E para António Costa, que entretanto chegou ao poder, também não.
Com uma solução governativa inédita em Portugal, apoiada no PCP e no Bloco de Esquerda, Costa assumiu o Governo com um contexto económico favorável que lhe permitiu adotar uma estratégia diferente para o país. Apostou na distribuição de rendimento para puxar pela economia, e agradar aos parceiros da esquerda, mas sem nunca esquecer a necessidade de rigor orçamental. E de que há dívida para saldar com quem resgatou o país em 2011.
Paulatinamente, Portugal começou a pagar o que devia, ainda com Passos Coelho. E Costa seguiu a receita, procurando amortizar antecipadamente, sempre que possível, os milhares de milhões de euros devidos ao FMI. Foram vários os cheques de milhares de milhões desembolsados ao longo dos últimos anos, procurando livrar o país de custos de dívida altíssimos por comparação com os exigidos pelos restantes credores. Com o BCE a ajudar, os mercados tornaram-se os melhores amigos do país para pagar ao FMI.
O “bolo” foi encolhendo. Ficou apenas uma “fatia” que, agora, Costa decidiu “comer”. No dia em que viu o último orçamento da legislatura ser aprovado no Parlamento, o primeiro-ministro fez um brilharete ao anunciar que até ao final do ano será liquidada toda a dívida junto do FMI. São 4,7 mil milhões de euros que vêm pôr fim a juros que para o comum dos portugueses é o equivalente ao dos cartões de crédito. São elevados.
Costa, mas também Mário Centeno, merece uma palmada nas costas. Fez o que devia. Está prestes a saldar uma dívida pesada em tamanho, mas também em juros para o país. É um momento de celebração que, contudo, não deve afastar o Governo daquele que tem de ser o desígnio do país: pagar, pagar, e pagar a elevada dívida que assola a economia nacional. São, mais euro menos euro, 250 mil milhões. Se o FMI era o cartão de crédito, este é o crédito da casa.
O Governo fez bem em saldar esta dívida o mais rapidamente possível, mas por detrás da justificação óbvia, a dos juros proibitivos para uma economia com taxas de crescimento anémicas, está outra, que irrita Costa. O primeiro-ministro não gosta de críticas. Viu-se isso ainda recentemente com a famosa carta de Bruxelas sobre o Orçamento do Estado para 2019. Costa ironizou, mas a carta veio mesmo. E mereceu resposta à letra, por carta. E nem as previsões da Comissão Europeia, muito pouco positivas para o país, escaparam. Costa parecia Trump. Foi para o Twitter mostrar que as contas estão erradas. Estarão?
A Comissão Europeia irrita Costa, mas mais irritante mesmo — agora que desapareceu o “irritante” com Angola — são todas as “missões” do FMI. Os técnicos do fundo já conhecem bem as portas do Aeroporto de Lisboa, tantas foram as vezes que ao longo dos últimos anos as cruzaram. Visitas atrás de visitas, o FMI foi zelando pelo crédito concedido com sucessivos relatórios de acompanhamento pós-programa de ajustamento.
E o FMI tem tido sempre alguns alertas a fazer. Seja ao crescimento, à dívida, à banca, mas muitas vezes às politicas de Costa, muitas vezes colocadas em causa pelos responsáveis da missão. E quem quer esses alertas sucessivamente espalhados nas notícias em ano de eleições? Não fica bem. Não ajuda nada Costa a passar a mensagem aos portugueses de que está tudo a correr às mil maravilhas. Que mesmo sem reformas que sustentem a economia num período de menor crescimento na Europa, como o que aí vem, Portugal está preparado. E que a crise em que mergulhou em 2011 não se repetirá. Em suma, que o Diabo não vem aí.
Calar o FMI é uma jogada de mestre. E sê-lo-á ainda mais se António Costa conseguir, ao mesmo tempo que vai ajustando os parafusos da geringonça, aumentar a sua popularidade junto do eleitorado. 2019 é um ano rico em eleições, com as legislativas a serem a cereja no topo do bolo. Especialmente se Costa conseguir chegar à maioria absoluta. Não será fácil. Costa já encostou o Bloco de Esquerda, afastando-o de um futuro Governo, mas Catarina Martins está atenta. Diz que Costa não se livra do BE. Vamos ver quem será o último a rir.
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