Finlandeses confiam nos seus bancos. Em Portugal, nem por isso
Não há economia sem um sistema financeiro sólido. E não há sistema financeiro sólido onde não há confiança. Na Finlândia, os bancos são percecionados como os mais seguros do mundo. Aqui, nem por isso.
Confia no seu banco ou prefere guardar o dinheiro debaixo do colchão? Na Finlândia, parecem estar os bancos mais sólidos do mundo. Pelo menos, é isto o que acham os finlandeses que foram questionados pelo Fórum Económico Mundial para o seu “The Global Competitiveness Report 2018″. O sistema financeiro finlandês está bem e recomenda-se, crê-se por lá. Por cá, nem por isso. Após anos e anos de crise, durante os quais tombaram dois grandes bancos, com todas as implicações que isso trouxe para quase todos, incluindo contribuintes, continua-se a ter pouca confiança na banca.
Antes de olhar para as conclusões do relatório, é preciso perceber do que trata exatamente este indicador em causa: “Soundness of banks” ou, em português, “Solidez dos bancos”. Para avaliar a robustez das instituições bancárias, o Fórum Económico Mundial usou o seu inquérito a executivos dos vários países em análise para perguntar: “No seu país, como avalia a solidez dos bancos?”
Ou seja, não se trata de um indicador puramente económico ou objetivo, resultando antes daquilo que é a realidade percecionada do universo dos entrevistados. Assim sendo, os países foram avaliados entre 1 (muito baixo; os bancos podem precisar de recapitalização) a 7 (muito alto; os bancos são geralmente saudáveis e têm balanços sólidos).
Embora possa levantar questões metodológicas (afinal, este ranking resulta de um conjunto de opiniões subjetivas sobre a realidade e não tanto indicadores objetivos como usa o Banco Central Europeu, por exemplo, com os seus rácios de capital e testes de stress), este indicador não deixa de traduzir a confiança de um país quanto à solidez do seu próprio sistema financeiro.
Interpretando os resultados: o inquérito mostrou que os portugueses pouco confiam nas suas instituições financeiras. Neste subindicador de “Solidez dos bancos”, Portugal obteve um valor de 3,3 na tal escala de 1 a 7, o que situa o país no lugar 127 entre as 137 economias analisadas. Imediatamente à nossa frente estão países como o Burundi, Mongólia, Zimbabwe ou Mali. E atrás de nós estão apenas oito países, entre os quais o Iémen, Chade, Grécia ou Lesoto.
Estes resultados podem ser analisados à luz do passado recente do setor financeiro nacional, marcada pelas falências de bancos com enorme presença no mercado (BES e Banif) e que trouxeram prejuízos para investidores, acionistas e até contribuintes, e cujo legado ainda se faz sentir também ao nível da reputação dos bancos.
Aliás, se o valor 1 da escala aponta para um cenário em que as instituições podem precisar de mais dinheiro, Portugal é um mesmo desses casos: não vai há muito tempo que a Caixa Geral de Depósitos (CGD) recebeu uma enorme injeção de dinheiro do Estado e o Novo Banco vai continuar a consumir recursos do Fundo de Resolução enquanto limpa o seu balanço do crédito malparado.
Ainda assim, os bancos portugueses têm uma opinião diferente daquilo que é a confiança dos portugueses na solidez do sistema. E dão como exemplo um indicador que quantifica de forma mais palpável essa confiança: os depósitos bancários. Numa recente conferência de bancos, os banqueiros nacionais argumentam que, mesmo durante a crise e a falência daqueles dois bancos importantes, os aforradores não deixaram de depositar dinheiro nos seus cofres.
Os números do Banco de Portugal confirmam isto mesmo: o dinheiro aplicado em depósitos bancários aumentou 40% nos últimos dez anos, mesmo num ambiente de fraca remuneração que eles dão. E não houve fuga de capitais para fora do país ou necessidade de impor restrições para a saída de capitais, como aconteceu noutros países que também foram alvo de uma intervenção, como na Grécia ou no Chipre.
Voltando ao ranking do Fórum Económico Mundial: ao contrário dos portugueses, os finlandeses parecem depositar uma fé quase inabalável na segurança do seu sistema financeiro. No mesmo subindicador “Solidez dos bancos”, a Finlândia consegue obter o melhor resultado de todas as economias pelo terceiro ano seguindo: 6,7 numa escala que vai até 7, atingindo quase o topo da escala (os bancos estão bem e recomendam-se, leia-se). A fechar pódio estão o Canadá e a Nova Zelândia.
Mas o que é que os bancos da Finlândia têm e os nossos não? O próprio Fundo Monetário Internacional fornecia uma big picture bastante positiva sobre a realidade finlandesa há apenas dois anos: “Apesar da recessão de três anos, o sistema bancário da Finlândia continua bem capitalizado e rentável. Enquanto as baixas taxas de juro apertam a margem financeira, os bancos aumentaram os seus rendimentos na área do trading e seguro, reduziram os seus rácios cost-income, ajudando a manter a rentabilidade. Os empréstimos não produtivos continuam baixos e os rácios de capitalização estão bem acima dos requisitos”.
A Finlândia surge igualmente em boa posição no que toca a indicadores de saúde dos bancos que o Fórum Económico Mundial também divulgou, tais como nível do malparado e rácios de capital. Ao contrário de… Portugal.
É verdade que bancos portugueses melhoraram bastante nos últimos dois anos, estão mais bem capitalizados (acima dos níveis regulatórios) e vão voltar a apresentar lucros volumosos este ano, piscando o olho a dividendos e prémios aos trabalhadores. Mas continuam longe da realidade finlandesa retratada há dois anos pelo FMI. Subsistem fraquezas quanto ao elevado nível de malparado, um fardo da crise que vai continuar a corroer a rentabilidade do negócio da banca nos próximos anos. E os lucros deste ano estão longe de compensar aquilo que foi a dimensão dos prejuízos registados na última década.
No último relatório da sua missão no país, o FMI começava por dizer, em relação ao setor bancário, que “importantes progressos foram alcançados na limpeza dos balanços dos bancos, mas é necessário continuar este esforço para reduzir vulnerabilidades”. Quais?
“Os bancos continuam constrangidos pelos elevados níveis de NPL (Non Perfoming Loans) e pela baixa rentabilidade, e vão enfrentar pressões nos custos para cumprir os requisitos de MREL”, refere o Fundo. “Outras vulnerabilidades incluem exposições significativas ao imobiliário (38% dos ativos no final de 2017, enquanto empréstimos para a casa contavam para 28% do total dos ativos) e, numa menor medida, à dívida pública (cerca de 15% dos ativos dos bancos, com dívida soberana doméstica a contar com 8% do total dos ativos)”, acrescentaram os técnicos do Fundo, pedindo atenção redobrada aos reguladores.
Mas há pontos em comum entre Portugal e Finlândia: são mercados altamente concentrados e com forte presença de bancos internacionais. Ou seja, se há diferenças na confiança em relação aos bancos, estas não terão tanto a ver com o tipo de mercado.
No mercado finlandês, três grandes bancos detêm 90% dos depósitos: OP Group, Danske Bank e Nordea Bank). O próprio setor bancário ficou maior este ano com a “re-domiciliação” do Nordea Bank enquanto banco com sede na Finlândia em outubro passado. Na sequência desta operação, o total dos ativos do sistema deverá atingir os 420% do PIB finlandês e a base de depósitos expandir-se-á dos 50 mil milhões para os 140 mil milhões de euros, ficando sob garantia do Fundo de Garantia de Depósitos da Finlandês. Por cá, o sistema bancário é dominado por cinco principais instituições: CGD, BCP, Santander Totta, Novo Banco e BPI. Destes, apenas a CGD se mantém portuguesa, estando nas mãos do Estado.
O que eles têm e nós não?
Portugal podia ser um país mais competitivo? Podia. Como? Se imitasse os melhores. Seríamos os primeiros se tivéssemos a percentagem de utilizadores de Internet da Islândia, um serviço de saúde igual a Espanha, uma oferta de comboios idêntica à da Suíça, o sistema judicial da Finlândia ou uma tolerância ao risco das startups semelhante a Israel. E há mais, muito mais.
Para assinalar os dois anos do ECO, olhamos para Portugal no futuro. Estamos a publicar uma série de artigos, durante três semanas, em que procuramos saber o que o país pode fazer, nas mais diversas áreas, para igualar os melhores do mundo.
Segundo o World Economic Forum, Portugal está em 34.º no ranking da competitividade de 2018. Vamos “visitar” os mais competitivos do mundo, nas mais diversas áreas, e tentar perceber “O que eles têm e nós não?”. Clique aqui para ver todos os artigos da série.
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