Os idiotas úteis

Um coro de influenciadores e ativistas entrou no jogo de desinformação do Youtube e espalhou mentiras por onde pode, atacando a União Europeia. É mais um sinal do populismo que por aí anda.

Na semana passada, o Youtube fez questão de mostrar a sua força e de lançar uma campanha de desinformação em larga escala. Basicamente atiçou os produtores de conteúdos da plataforma contra a União Europeia, numa inusitada pressão política à escala continental. O objetivo é tentar travar a diretiva dos direitos de autor que está na fase final de discussão – e como os milhões gastos em lobby em Bruxelas não foram suficientes, agora recorreram ao exército que lucra com o Youtube para espalhar mentiras pelos seus seguidores.

É a primeira vez que, na Europa, somos confrontados com uma ação clara de manipulação contra um órgão democrático. Mas não é isso que torna este momento menos assustador, até porque se percebeu rapidamente quão vasta é a quantidade de pessoas dispostas a embarcar neste tráfico de emoções em que a racionalidade fica à margem.

A campanha suja do Youtube foi seguida de forma canina pela maioria dos “influenciadores” portugueses com canais populares na rede de vídeos. Em coro, repetiram mentiras, espalharam desinformação e esqueceram-se de mencionar que têm interesses ativos nesta questão, pois a limitação de utilização de conteúdos alheios vai reduzir os seus lucros. Vendo estes vídeos dá para perceber que este batalhão de aspirantes a entrar na próxima série da Casa dos Segredos nem sabe bem o que é a União Europeia. Mas claro que um bom influenciador não tem de se preocupar em dizer a verdade, a única coisa que verdadeiramente interessa é quanto dinheiro se angaria com a mentira da semana. Não me parece que a internet fique pior se algum destes Youtubers for forçado a, horror dos horrores, sair do ecrã e arranjar um emprego.

Mas infelizmente não são os únicos a desempenhar o papel de idiotas úteis. Há um grupo mais ou menos organizado em plataformas de interesses que se tem também entretido a espalhar mentiras por onde podem, numa desonestidade intelectual confrangedora. Nunca ocorreu a nenhum destes “ativistas da liberdade de expressão” preocupar-se com as repetidas campanhas de desinformação promovidas pelo Facebook ou com a participação da Google na construção de um mecanismo de censura a exercer sobre toda a população chinesa (praticamente um quinto da população mundial). Aliás, são estes defensores da liberdade que aplaudem de pé coisas como a Wikileaks, que foi parte ativa nas campanhas que levaram Donald Trump ao poder.

Tentar fazer acreditar que a internet vai acabar e que o Youtube vai deixar a União Europeia é a coisa mais ridícula que existe – pura e simplesmente não se abandona um mercado (muito) lucrativo de 600 milhões de utilizadores. Também é triste continuar a afirmar que a colocação individual de links vai ser taxada. Ou ameaçar com ataques à liberdade de expressão individual.

Quem deixa que estas mentiras se propaguem está ativamente a fazer o papel das grandes plataformas americanas que lucram com a polarização das sociedades e a manipulação do discurso público, como repetidamente se tem visto no Facebook e no Youtube.

Nada disto é um problema para eles – o que os incomoda verdadeiramente é que lhes tirem os memes. Aliás, o pedido de ajuda público enviado a um conhecido neonazi americano é bem prova do quanto estas pessoas valorizam a democracia e a liberdade de expressão.

Note-se: A versão conhecida da diretiva está longe de ser perfeita. E é obviamente possível ter discordâncias de princípio contra o que aí vem. Mas a versão que é conhecida já está desatualizada, porque as negociações à porta fechada entre o Conselho, a Comissão e o Parlamento estão a moldar o novo texto. Neste momento, é preciso esperar pelo resultado final e depois, se for caso disso, contestá-lo com recurso a mecanismos legais se necessário for. Mas ninguém fica melhor com os ataques e as mentiras que se viram nas últimas semanas.

É bem possível que o texto final fique aquém do que se espera e as transposições para as leis nacionais continuem a promover a confusão – se isso acontecer terá sido uma oportunidade perdida, mas ainda assim a internet será bem melhor do que aquilo que existe hoje.
E ao menos pode ser que as pessoas percebam que a nossa voz na Europa depende dos deputados que vamos eleger – e talvez se decidam a aprender alguma coisa e a votar de forma esclarecida nas próximas eleições europeias.

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