António Leitão Amaro, relator do projeto que PSD, CDS, BE e PCP levam hoje à comissão de Orçamento e Finanças, explica ao ECO o que pretendem os partidos com as novas regras de transparência bancária.
O Parlamento discute esta sexta-feira uma proposta conjunta do PSD, CDS, Bloco de Esquerda e do PCP que visa reforçar a transparência nos processos de capitalização de bancos com recurso a dinheiro público. Na prática, os deputados querem saber quem são os grandes devedores em situação de incumprimento nos bancos que foram ajudados pelo Estado desde 2007. Em entrevista ao ECO, António Leitão Amaro, deputado do PSD e relator da proposta que vai a debate ao início da tarde na Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, recusa a ideia de se tratar de “um exercício voyeurista ou de striptease bancário” da parte dos deputados. E acredita que as novas regras vão aumentar a exigência sobre as práticas de concessão de crédito em Portugal.
Que regras de transparência bancária vão ser discutidas esta sexta-feira?
Trata-se de uma proposta que é subscrita pelo PSD, CDS, Bloco de Esquerda e PCP e que procura melhorar o que foram as iniciativas originais destes quatro partidos. O PS sempre se opôs, como aliás se opôs à transparência no caso da comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos (CGD). Mesmo depois de o tribunal ter decidido que o Parlamento devia ter acesso à informação, o PS fechou a comissão de inquérito à pressa para que não se soubesse o que é que tinha acontecido nas duas enormes capitalizações em cinco anos. O PS sempre quis fugir à transparência, sabe-se lá do que tem medo. O PSD nunca desistiu dessa transparência.
O que prevê esta proposta conjunta?
Essencialmente procura criar dois regimes: por um lado, garantir que as comissões parlamentares de inquérito não voltam a ser alvo destas tentativas de silenciamento, ficando claro que estas comissões terão acesso a informação bancária sem que os argumentos de sigilo bancário e de supervisão possam ser oponíveis. Por outro lado, há um regime verdadeiramente inovador em que os bancos que receberam ou venham a receber ajuda pública à sua capitalização estão sujeitos a um mecanismo de transparência e controlo apenas sobre créditos de valor muito elevado que tenham sido incumpridos ou reestruturados por força do incumprimento e, por consequência disso, tenha havido impacto no capital.
Dentro deste último regime prevê-se um mecanismo dual em que há informação que é disponibilizada no portal do Banco de Portugal sobre as condições e o montante da ajuda pública e depois um retrato agregado das grandes posições financeiras. Outra parte da informação, mais ampla, é entregue à Assembleia da República para acesso pela comissão parlamentar de inquérito para que haja uma verdadeira transparência, escrutínio e responsabilização.
"Não é aceitável que os cidadãos possam ter a ideia de que os representantes eleitos utilizam tanto do seu dinheiro e não querem saber. Queremos que os portugueses sintam que nós queremos saber e que percebemos que este dinheiro lhes custa muito.”
Em relação a este último mecanismo de informação mais ampla que é entregue ao Parlamento, para que servirá a informação não existindo uma comissão de inquérito?
O PSD nunca desistiu deste regime por três problemas muito sérios que Portugal ainda vive: dois problemas democráticos e um problema económico.
Sobretudo na década de 2000, muito concentrada nos anos entre 2005 e 2010, houve um conjunto de algumas entidades, empresas e pessoas que beneficiaram muito com decisões tomadas na concessão de crédito e de financiamento por alguns gestores bancários e que depois teve como consequência que muitos viessem a pagar uma fatura muito grande, os contribuintes. Este processo de alguns beneficiarem com a fatura a ser paga por muitos envolveu – e nós hoje sabemos isso – situações de promiscuidade, são também conhecidas situações de tráfico de influências, situações que envolveram decisores bancários e, em alguns casos, decisores políticos, muitos deles ligados ao Governo socialista anterior. Ora, numa sociedade democrática, quando este tipo de conluio e este tipo de práticas resulta numa fatura coletiva e socializada tão elevada e com o esforço dos contribuintes, é necessário haver transparência e responsabilização.
O segundo problema democrático é este: não é aceitável que os cidadãos possam ter a ideia de que os representantes eleitos utilizam tanto do seu dinheiro e não querem saber. Queremos que os portugueses sintam que nós queremos saber e que percebemos que este dinheiro lhes custa muito.
Depois há o problema económico. À medida que estas práticas de concessão de crédito erradas em muitos destes casos foram acontecendo, o dinheiro foi canalizado para muitos projetos sem viabilidade e sem competitividade, para projetos sem interesse para o conjunto da economia portuguesa. Nós queremos combater estes três fenómenos e queremos reforçar essa liberdade e reforçar as condições de competitividade nos termos em que a iniciativa económica no acesso ao financiamento acontece.
A ideia de que para quem se portar mal, efetivamente mal, e isso tiver um custo tão grave ao ponto de ser preciso o recurso a fundos públicos existe uma transparência em que funciona como aquele princípio de que “a luz do Sol é o melhor detergente”, no sentido em que limpa a transparência e clareza sobre os comportamentos, tendo um efeito dissuasor nos comportamentos errados e aumentando a exigência sobre as práticas de concessão de crédito.
Mas essa não é a função do Banco de Portugal?
Não colocamos em causa aquelas que são as funções de supervisão do Banco de Portugal. Mas quem decide a injeção pública, no limite, são os representantes eleitos e esses têm também de exercer os seus poderes.
Falou há pouco de quem tomou as decisões. São os nomes que os partidos querem ver?
Agrupando isto em grandes questões: queremos ver quais foram as soluções de financiamento muito grande que vieram a demonstrar-se insustentáveis, com informações como o valor do financiamento à data, as garantias, as condições de pagamento, eventuais reestruturações, toda a informação sobre grandes posições financeiras que se mostraram insustentáveis. Com certeza que vamos encontrar casos em que o grande crédito ou grande dívida foi incumprida por condicionantes e situações de uma evolução inesperada no mercado, mas também vamos encontrar outros casos em que se percebe que o crédito foi concedido com uma avaliação de risco fraquíssima.
Portanto: queremos ter informação sobre a posição financeira, sobre quem beneficiou dela. Porque nós não somos ingénuos. Em sociedade, as coisas acontecem mas também acontecem porque existem pessoas e interesses subjacentes às mesmas. Muitos deles legítimos e nós não colocamos isso em causa. E alguns ilegítimos e a transparência serve também para que isso se perceba. O facto de querer manter tudo atrás de um biombo é o que faz com que as pessoas tenham desconfiança, é não se perceber, não separar o trigo do joio.
Porque é que provavelmente um dos mais reputados bancários portugueses, que não opera em Portugal nesta fase, António Horta Osório, veio publicamente dizer que achava que esta medida faz sentido? Porque quem faz bem não tem de temer.
Mas o Banco de Portugal e a APB, tal como o PS, também mostraram muitas reservas e estão contra a divulgação dos devedores.
Não tenho dúvidas de que se tratou de uma reação típica corporativa, de rejeição de um aumento de transparência e responsabilização sobre a sua ação. Creio que é natural. Vários banqueiros partilharam comigo ao longo destes meses que achavam boa ideia desde que não houvesse discriminação entre bancos. Mas há uma reação normal que tem algo de proteção face ao escrutínio que passam a estar sujeitos e isso não nos faz demover. Ainda assim, o processo de audições foi muito rico porque melhorámos e robustecemos a qualidade e o equilíbrio neste texto de substituição e daí ter sido subscrito pelos quatro partidos.
Também vai haver um reforço do escrutínio ao Banco de Portugal porque se vai poder ver onde é que a supervisão errou.
Sim, vai mesmo. Por isso é que é normal que quer algumas das pessoas que estão nos bancos quer alguns dos que estão no supervisor possam ter uma reação corporativa porque percebem que se cria um aumento de transparência, responsabilização e exigência sobre todos os atores do sistema: bancos, grandes clientes devedores incumpridores e o supervisor. Em relação ao que é que os deputados agora vão fazer, uma das coisas é olhar para a informação completa — nomeadamente a que foi negada na comissão parlamentar de inquérito à CGD — e para o desempenho quer do regime regulatório (legislação e regras vigentes), quer dos atores de supervisão (reguladores e supervisores das várias áreas: Banco de Portugal, CMVM e ASF, se fosse o caso). Portanto, sim, há um aumento da transparência sobre o Banco de Portugal. É a vida e é para isso que cá estamos…
Uma nova comissão de inquérito à CGD é uma hipótese?
Nós não nos precipitamos, nem queimamos etapas, nem misturamos assuntos. Isto também envolve a CGD, mas não é só sobre a CGD. É indiferenciado relativamente à natureza pública ou privada dos bancos. É para todos os bancos que tenham, por força de incumprimentos não coberto no crédito concedido, levado à ajuda pública.
"Nova comissão de inquérito à CGD? Nós não nos precipitamos, nem queimamos etapas, nem misturamos assuntos. Isto também envolve a CGD, mas não é só sobre a CGD. É indiferenciado relativamente à natureza pública ou privada dos bancos.”
Admitem fazer comunicações ao Ministério Público?
O PSD não está a fazer um exercício vão, é consequente. Mas não vou especular porque o PSD não tem posições à partida. Há um exercício de responsabilização e de reflexão sobre os instrumentos existentes: o desempenho dos supervisores e dos gestores e sobre o próprio quadro regulatório. Diria que é natural o recurso aos vários instrumentos que os deputados tenham, mas dizer que vamos fazer a intenção A ou B pode dar uma ideia errada.
Nalguns casos, os bancos tiveram de recorrer à ajuda pública porque não tinham fundos e tinham de cumprir exigências regulatórias. Não é totalmente líquido que se deva a incumprimentos nos créditos.
Não há seguramente nenhum caso de banco que recorreu à ajuda pública e que não tenha tido valores relevantes de créditos incumpridos. Pode haver várias razões cumulativas para o recurso a ajuda pública, entre as quais se encontram a mudança de critérios regulatórios. Mas há, com certeza, uma soma de causalidades. Há muitos créditos que foram incumpridos em Portugal por situações em que caíram os devedores, situações de mercado ou situações de infortúnio nas vidas das pessoas. Toda a informação que for recebida vai-nos permitir analisar cada uma das situações.
Isto não é exercício voyeur nem de striptease bancário. É um exercício sério, montado com equilíbrio e ponderação para permitir a fiscalização. O que não permitimos é que se procure proteger quem fez efetivamente de forma errada. Essas pessoas é que estão a fazer de forma errada. Quem diz que não se pode saber nada é que lança a suspeita sobre muitos porque quando tivermos a informação completa poderemos saber a diferença. Penso que todos preferimos viver com luz para percebermos o que é certo ou errado.
Se o objetivo é a transparência, como é que explica que o PSD defenda que sejam conhecidas só para os bancos que ainda não devolveram as ajudas recebidas, em vez de todos os que a receberam?
Todos os bancos estão abrangidos por este sistema. Se amanhã, qualquer banco, público ou privado, cair, qualquer um está abrangido. Não há discriminação e este regime vai vigorar pelo futuro. Espero que haja o mínimo recurso possível a fundos públicos, mas se houver, todos os bancos em Portugal estão abrangidos seja qual for a forma de capitalização. E para o passado também não há qualquer restrição no acesso à informação pelas comissões parlamentares de inquérito. A delimitação que o PSD prevê ocorre apenas para o relatório extraordinário que o Banco de Portugal terá de elaborar.
E aqui tivemos o cuidado de recuar no tempo (12 anos) o suficiente para abranger o BPN, uma série de bancos privados e o banco público, que recebeu mais de sete mil milhões de euros em cinco anos. Portanto, a regra é esta. Se há ajuda pública viva por reembolsar — nem que seja um euro — tem de haver transparência. Se lá atrás houve ajuda pública e foi integralmente reposta, essa situação, entendemos, que não se aplica.
Há dois bancos [BCP e BPI] que caem nessa situação de terem recebido, nos últimos 12 anos, ajudas públicas e devolveram. Mas nós não temos qualquer intenção persecutória, nem nenhuma desconfiança essencial sobre a atividade bancária (que há outros partidos que têm) nem qualquer intenção voyeurista sobre nada. Não é um ataque ad hominem. Havendo dinheiro público a haver de volta, os cidadãos e os contribuintes merecem esta responsabilização e transparência.
Neste processo, tentaram um entendimento com o PS?
Desde o primeiro segundo que entrámos na especialidade, tivemos contactos com o PS. Abordámos e mantivemos sempre o PS informado dos passos que fomos dando e da evolução dos documentos, mas o PS fez a sua opção de ficar de fora.
Qual foi a justificação?
O PS, no momento certo, dará as justificações que quiser. Penso que os portugueses, depois do que viram entre 2005 e 2011, e depois do que viram designadamente na comissão de inquérito da CGD, têm muitas razões para desconfiar do que é que o PS tem para esconder.
"O que não permitimos é que se procure proteger quem fez efetivamente de forma errada. Essas pessoas é que estão a fazer de forma errada. Quem diz que não se pode saber nada é que lança a suspeita sobre muitos porque quando tivermos a informação completa poderemos saber a diferença.”
Qual é a expectativa em relação ao debate e votação?
A expectativa é que o processo legislativo esteja terminado de hoje a uma semana e que seja aprovada uma lei que cria este duplo regime de transparência sobre a concessão de crédito. Depois há mais uns para a redação final e, diria, seguramente ainda em janeiro estará em Belém. Penso que dada a maioria formada, a justiça subjacente e o bom senso que o Presidente da República tem mostrado, espero que seja promulgado e entrará em vigor no dia seguinte à publicação em Diário da República. Espero que ainda neste primeiro semestre tenhamos a informação.
Com estas novas regras, acredita que os portugueses vão contribuir menos para suportar o sistema financeiro?
Não há, nas sociedades, risco zero, mas há formas de mitigar esse risco. O que foi feito no mundo, a partir de 2009, e na Europa, a partir de 2011 ou 2012 (em Portugal foi praticamente quase só entre 2012 e 2015) de mudanças regulatórias na supervisão não evitou todos os problemas porque nem as leis nem as pessoas são perfeitas, mas diminuímos os riscos. Um país que passou pelo que Portugal passou nas três dimensões — economicamente, moralmente e de má alocação de crédito, alguma falta de respeito pelos contribuintes, promiscuidade e tráfico de influências — precisa de uma resposta especialmente qualificada e forte. É isso que estamos a dar.
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Conhecer a “lista dos grandes devedores não é voyeurismo nem striptease bancário”, diz Leitão Amaro
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