Like & Dislike: o banquete da dívida
Da próxima vez que for multado não vale a pena ficar aborrecido; pense que está a ajudar a Carris.
Estávamos em maio de 2012. Jorge Coelho era presidente executivo do Mota-Engil e resolveu lançar o repto: “Se o atual governo conseguir que, de forma clara, no fim deste ano, o setor dos transportes tenha resultados de exploração positivos, sou o primeiro subscritor para fazer uma estátua a quem conseguir tal coisa, porque é um problema gravíssimo que o país tem”.
A estátua de Passos Coelho
Na altura, a dívida total das empresas públicas do setor dos transportes totalizava 16.800 milhões de euros. No final desse ano, o então secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro, veio dar a boa nova: “é altura de erguer a estátua a Passos Coelho”, já que as empresas públicas de transporte alcançaram um resultado operacional positivo.
Este resultado aconteceu por imposição da troika. As empresas foram restruturadas, a dívida entrou no perímetro das administrações públicas, os custos foram cortados, o Governo impôs um limite ao crescimento da dívida e as empresas lá conseguiram o tal EBITDA positivo.
Depois da Câmara de bandeja, a Carris numa bandeja
Quatro anos volvidos, o governo de António Costa rasgou o contrato de subconcessão das empresas em Lisboa (Metro e Carris) ao grupo espanhol Avanza, e resolveu entregar a Carris, de bandeja, à Câmara de Lisboa. Fernando Medina, que já tinha recebido de bandeja a própria Câmara, agradeceu.
Fernando Medina, em ano de autárquicas, já veio anunciar um reforço de 250 novos autocarros nos próximos três anos para a cidade, num investimento de 60 milhões de euros, a diminuição em 40% das emissões poluentes, a contratação de 220 motoristas e a criação de 21 novas linhas.
Onde é que há dinheiro para isto tudo?
A pergunta é pertinente e as contas são do deputado comunista João Ferreira: “a Câmara havia já difundido amplamente que inscrevera no Orçamento para 2017 uma rubrica de 15 milhões de euros, tendo em vista a passagem da Carris para a sua responsabilidade. Para termos uma noção de escala, refira-se que os custos de exploração da empresa em 2014 (último ano com contas disponíveis) foram superiores a 100 milhões de euros.”
Como não há maneira de as contas bateram certo, o vereador da Câmara pergunta: “quem vai pagar?”.
A estratégia de Fernando Medina: custe o que custar
Mas o presidente da Câmara de Lisboa já tinha a resposta preparada. A diferença entre os 15 e os 100 milhões de euros vai ser paga com receitas do estacionamento de Lisboa, as receitas das multas e as receitas do imposto de circulação. Da próxima vez que for multado não vale a pena ficar aborrecido; pense que está a ajudar a Carris.
Só que Medina vai ainda mais longe: “alocaremos as receitas que forem necessárias para desenvolvermos a nossa estratégia para o transporte público da cidade, sempre com um pressuposto: as empresas não voltarão às dívidas históricas do passado, mas as empresas também não voltarão à situação crónica de subfinanciamento que fez deteriorar a situação”.
Ainda está para se perceber como é que com uma lógica de gestão do custe o que custar e do “alocaremos as receitas que forem necessárias” vai produzir resultados sustentáveis.
Transportar pessoas ou produzir EBITDA?
Fernando Medina não recebeu só a Câmara e a Carris de bandeja, como ainda a recebeu sem um cêntimo de dívida. O endividamento de 700 milhões fica no Estado e António Costa ainda diz que: “o Estado não faz nenhum favor, porque mantém-se responsável pelo que já é responsável, que é a dívida que criou”. E pronto, num estalar de dedos resolveu-se o problema crónico da dívida da Carris: desapareceu. Esfumou-se.
O primeiro-ministro diz que a “municipalização” da empresa só não aconteceu antes por “fanatismo ideológico” e fez ainda questão de clarificar qual é o papel da Carris: “Antes, tinha de produzir EBITDAS, e não transportar pessoas. Mas a função primeira é de ser uma empresa para servir as pessoas”.
Uma empresa pública pode e deve ter resultados positivos. E não é “fanatismo ideológico”. É sensibilidade social. Para que o Estado tenha dinheiro para dar descontos nos passes sociais aos idosos ou para permitir que as crianças até aos 12 anos possam viajar na Carris sem pagar, é necessário que o Estado tenha esse dinheiro. E não pode ter políticas sociais a crédito, ou seja, exclusivamente financiadas à custa da dívida.
Dívida pública atinge novo recorde
Ontem, o Banco de Portugal anunciou que a dívida pública portuguesa bateu um novo recorde: em setembro escalou para 133,1% do PIB, o valor mais alto desde o início da série compilada pelo banco central. No meio desses 244,4 mil milhões de euros estão algures perdidos os 700 milhões da Carris.
Quando o Banco de Portugal divulgou este dados, que nos colocam na linha da frente para um novo resgate caso haja uma nova turbulência nos mercados, muitos ter-se-ão lembrado da forma como este país foi gerido nas últimas décadas; sempre com esta lógica do “alocaremos as receitas que forem necessárias” e a do “objetivo das empresas públicas não é produzir EBITDA”. O resultado foi uma dívida monumental. Esta lógica merece um Dislike. Em vez de uma estátua a Passos Coelho, ergam uma estátua à divida.
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