Mário Nogueira e a mercantilização de votos dos professores

A Fenprof montou uma banquinha nas escadinhas da Assembleia para transacionar os votos de 125 mil professores, seus familiares, vizinhos e alunos. É o derradeiro argumento de Mário Nogueira.

Depois de falhada a segunda ronda de negociações entre os sindicatos e o Governo sobre o descongelamento das carreiras dos professores, o ministro Tiago Brandão Rodrigues avança novamente com a aprovação dos dois anos, nove meses e 18 dias de recuperação do tempo de serviço que esteve congelado durante os anos de crise.

Segue-se agora a promulgação já pré-anunciada por Marcelo Rebelo de Sousa e depois o diploma pode ser avocado ao Parlamento. E é aqui que o secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof) joga todas as fichas. Mário Nogueira esteve esta quinta-feira na Assembleia da República, onde vários sindicatos de professores tiveram encontros com os partidos com representação parlamentar.

Depois de já ter usado um sem número de argumentos para justificar a tese dos nove anos, quatro meses e dois dias, esta quinta-feira Mário Nogueira jogou a última cartada: o voto dos professores.

O dirigente da Fenprof lembrou aos partidos que o “voto dos professores não é um voto que não valha nada”. E explicou donde podem vir: “o voto dos docentes é um voto de pelo menos 125 mil pessoas, que têm família, vizinhos, alunos, pais com quem se relacionam bem”.

Vamos então às contas, a ver com quantos votos poderá contar o partido que resolver apoiar a causa de Mário Nogueira:

  • Professores são 125 mil votos. Por esta via, o partido que apoia Mário Nogueira já terá mais votos do que o PAN.
  • Família. Mário Nogueira não especifica quantos familiares podem votar. Vamos assumir que cada prof tem mais três elementos no agregado familiar. São mais 375 mil votos. O que daria um total de 500 mil votos, o que já dava para ultrapassar o PCP-PEV.
  • Vizinhos. O líder da Fenprof não especificou quantos vizinhos têm os profs e quantos vão votar solidariamente. Vamos assumir dois, um do lado da frente da casa e outro nas traseiras do prédio. São mais 250 mil, o que elevaria para 750 mil os votos conseguidos. Já dava para ter um partido mais votado do que o Bloco de Esquerda.
  • Alunos que já tenham idade para votar, também haverá uns milhares, o que eleva o apoio de Mário Nogueira a mais de um milhão de votos. Já dá para ombrear com o PSD/CDS ou o PS.
  • E, por fim, Mário Nogueira promete os votos dos “pais com quem se relacionam bem” dos alunos. Isto já dava uma maioria absoluta a quem apoiasse a causa dos nove anos, quatro meses e dois dias. O único voto que aparentemente o líder da Fenprof não consegue mesmo prometer é o dos pais que não se dão bem com os alunos.

É legítima a luta dos professores. Mas é ridícula esta tentativa de mercantilização dos votos que está a ser feita por Mário Nogueira.

Prometer votos em troca de tempo de serviço é o pior e o mais caricato dos argumentos de Mário Nogueira para tentar convencer os partidos da bondade da sua causa. Tem razão o secretário-geral da Fenprof quando diz que houve um apagão no tempo de serviço dos professores. A revindicação é justa, mas esbarra na dura realidade que é a falta de dinheiro nos cofres do Estado.

De onde saíram os 2 anos, 9 meses e 18 dias?

Aqui entra a questão de fundo. De onde saíram os 2 anos, 9 meses e 18 dias aprovados esta quinta-feira pelo Governo? É uma solução imaginativa e engenhosa, mas também justa: Nas carreiras gerais, um módulo padrão de progressão corresponde a 10 anos. Na carreira docente, o módulo padrão é 4 anos. Assim, os 7 anos de congelamento, que correspondem a 70% do módulo de uma carreira geral, traduzem-se em 70% de 4 anos de carreira docente, ou seja, 2 anos, 9 meses e 18 dias.

Com esta matemática, o Governo está a reconhecer uma injustiça ainda maior do que a injustiça do apagão do tempo de serviço. É que os profs têm um modelo de progressão na carreira muito mais rápido e generoso do que o comum dos funcionários públicos, a quem não basta o passar do tempo para progredirem.

Os funcionários públicos das carreiras gerais precisam de 120 anos para alcançar o topo da carreira, mas aos professores bastam 34 anos. Tendo em conta que os professores são a classe profissional mais numerosa no Estado, este é um modelo de progressão que pesa sobremaneira nas contas públicas.

O argumento de que as regiões autónomas da Madeira ou dos Açores aprovaram a contagem integral do tempo de serviço também não colhe grande simpatia. O que se passa na Ilhas não tem de ser necessariamente replicado no Continente. Senão estaríamos hoje no Continente a pagar um IVA de 18% como nos Açores, ou de 22% como na Madeira, e não de 23%.

Esvaziados estes argumentos, sobra a promessa de votos em troca de tempo de serviço. A palavra agora é dos “professores, familiares, vizinhos, alunos e os pais com quem se relacionam bem”. Tendo Mário Nogueira já decidido em quem irão votar todos estes portugueses, a única dúvida nas legislativas de outubro de 2019 é mesmo saber em quem irão votar os pais que não se relacionam muito bem com os alunos.

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