Em fim, Gili
Os locais estiveram uns tempos longe das Gili e depois voltaram aos pouquinhos, o turismo é que vai demorar mais a recuperar.
Bom, entretanto cheguei ao paraíso e percebi que o livro de reclamações estava cheio. Estão a ver porque é que não adianta querer agradar a toda a gente? Se uma ilha com clima equatorial, águas turquesa, areia branca, sem crime, nem carros, é odiada por muitos, nós, espécie cheia de opiniões, não temos qualquer hipótese.
Mas antes de mandarmos o paraíso ao psicólogo, vamos ver se estas críticas são fundamentadas ou se afundam. Comecemos pelo antes. Há duas semanas estávamos a nadar com lixo nas praias de areia negra de Bali. Apanhámos um barco e chegámos ao sítio mais bonito que já vi por estas coordenadas. As Gili.
Gili quer dizer “pequena ilha” e Lombok está cheia delas. As mais famosas são três amendoins lá para o norte. A maior chama-se Trawangan, a do meio, Meno e a terceira Air (que quer dizer água). Eu fiz casa nesta última.
Imaginem um pedaço de terra que podia estar à deriva num mar quente e quieto, vegetação tropical debruada a praia por todos os lados, vacas, gatos e cavalos, locais sorridentes, bons restaurantes e hotéis simpáticos. Se usarmos os pés, damos a volta à ilha numa hora, se usarmos bicicleta em meia hora, se usarmos a cabeça, não queremos voltar.
Mas desde que cheguei que tenho recebido mensagens de viajantes a queixar-se das Gili como de um ex-namorado safado. Que têm turistas a mais, que são uma confusão, que as praias são só corais, enfim, tudo o que chegar à imaginação. Será que a realidade está toldada pela minha jovem paixão? A verdade é que eu casava já, não fosse um ou outro senão.
E depois percebi que a questão não é a Gili em que estamos, mas quando chegamos. Sim, havia um turismo maciço pela altura do verão, mas eu vim na época das chuvas (onde, na verdade, ainda não vi chover nada). Além disso houve um fenómeno que mudou tudo há coisa de oito meses. Um pouco o que aconteceu em Lisboa em 1755, de um dia para outro a terra tremeu e 90% da população fugiu. É o que dá viver entre vulcões.
Os locais estiveram uns tempos longe das Gili e depois voltaram aos pouquinhos, o turismo é que vai demorar mais a recuperar. Então, 8 meses depois, as Gili têm a população flutuante de um resort caro demais, ao preço da uva mijona. E isso é verdadeiro luxo viajante.
A malta também não gosta das Gili porque as praias têm muitos corais. É verdade. Tem de se ir de havaianas até à água e, quem não quiser ficar nas espreguiçadeiras, tem de se contentar com uma areia ortopédica. Mas pensem: se não houvesse corais, a areia também não era tão branquinha, e quando a areia não é branca, o mar não é turquesa. Sem chuva não há flores, certo? Sem corais também não há areia cor de açúcar em pó. Nós chegámos foi cedo demais. Estas praias vão ser incríveis daqui a 300 anos. As pessoas que não gostaram das Gili porque têm corais são um bocado como aquela primeira namorada do Brad Pitt que acabou com ele porque ele tinha acne. Mal jogado.
O problema das Gili é que elas podem ser um one day stand medíocre. Mas tornam-se absolutamente encantadoras com o passar do tempo. Sobretudo quando os visitantes que vêm só passar o dia se vão embora e deixam a ilha para os verdadeiros amores.
Nós, que decidimos viver juntos, tomamos pequenos-almoços como reis, na manhã silenciosa em frente ao mar transparente. Sabemos onde fica a praia com areia fofa, onde nadam as grandes tartarugas, onde se comem pizzas venezianas, “enchiladas” mexicanas, iguarias vegetarianas e gulosas napolitanas. Sabemos enganar o tempo, andar à frente da chuva e ver cinema à luz das estrelas. Temos um lado para assistir ao nascer do sol, a quinze minutos do lado para ver o seu adeus. Jantamos peixe fresco, debaixo de luzinhas, com os pés na areia fria. Partilhamos bicicletas, dormimos sestas, lemos livros usados. Sim, toda uma Lagoa Azul com hidratos de carbono à mistura.
Mas, como em qualquer relação, os novos namorados parecem tanto melhores, quanto piores foram os últimos. Se vierem cá depois das Maldivas, isto vai parecer um pardieiro mas se cá chegarem depois de Bali, é um paraíso verdadeiro. Onde quer que decidam juntar os trapinhos, ouçam este conselho: façam-no longe da mesquita ou lá se vai o romance “pró” galheiro.
No resto, damos um jeito!
“Crónicas asiáticas” são impressões, detalhes e apontamentos de viagem da autora e viajante Mami Pereira. O ECO publica as melhores histórias da viagem à Ásia. Pode ir acompanhando todos os passos aqui e aqui. Leia ou releia também as “Crónicas africanas” e as “Crónicas indianas”.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Em fim, Gili
{{ noCommentsLabel }}