Oito tesourinhos deprimentes do Parlamento

  • Margarida Peixoto
  • 25 Novembro 2016

Ricardo Mourinho Félix entrou para a história dos tesourinhos deprimentes do Parlamento, acusando a direita de "disfuncionalidade cognitiva temporária". Mas a lista de episódios já vai longa.

 

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Há dias em que deputados e governantes estão inspirados e citam Camões. Mas há outros em que o vernáculo não é tão poético e os ânimos exaltam-se, nomeadamente com expressões pouco elogiosas à capacidade de uns e de outros.

Esta sexta-feira foi um desses dias: Mourinho Félix, secretário de Estado do Tesouro, acusou os deputados da direita de terem uma “disfuncionalidade cognitiva temporária”. E durante perto de cinco minutos o plenário ficou inundado de gritos, assobios, pateadas, até que o Presidente da Assembleia da República decidisse ameaçar suspender a sessão. Contudo, este não foi caso único. O ECO recorda-lhe outros sete.

Guterres “não tem nível para ser primeiro-ministro”

Estávamos no ano 2000 e António Guterres era primeiro-ministro. O PSD, liderado na altura por Durão Barroso, apresentou uma moção de censura ao Governo. Durante o debate em plenário, António Guterres acusa os sociais-democratas de se deixarem arrastar pelo CDS-PP de Paulo Portas e de transformarem o PSD num “satélite político do PP”. Durão Barroso não gostou e respondeu.

“O senhor primeiro-ministro para além de ter citado posições do meu partido no âmbito das conversações sobre a lei de bases da Segurança Social que não correspondem de modo nenhum à verdade também procurou ofender gratuitamente da maneira mais vergonhosa, que eu não lhe admito, o meu partido, o PSD”, frisou. E depois das palmas da bancada social-democrata, continuou, referindo-se a Guterres: “Das duas uma, ou ele não está adequadamente informado pelo seu ministro e nesse caso não tem nível para continuar a ser primeiro-ministro, ou ele está informado e nesse caso mentiu, e se mentiu, não tem nível para ser primeiro-ministro.”

Os cornos de Manuel Pinho

É um dos episódios tristes da Assembleia da República mais conhecido. Passou-se em 2009, quando José Sócrates era primeiro-ministro e Manuel Pinho chefiava a pasta da Economia. Durante o debate do Estado da Nação, discutia-se a situação das Minas de Aljustrel. Bernardino Soares, do PCP, acusou Pinho de ter ido a Aljustrel “dar um cheque”. Era José Sócrates quem usava da palavra, mas Pinho encontrou outra forma de responder: colocou os dedos na testa e fez cornos para a bancada comunista.

Mais tarde, o então ministro reconheceu que ultrapassou os limites — “excedi-me“, disse — e saiu do Parlamento. Seria tarde demais: no final do debate Sócrates pediu desculpa em nome do Governo ao Parlamento, considerou o episódio “injustificável” e acabou por demitir Manuel Pinho.

“Manso é a tua tia, pá!”

“Sr. Primeiro-ministro, eu vejo que de intervenção em intervenção vai ficando um pouco mais manso…”, disse Francisco Louçã, em abril de 2010, quando era líder do Bloco de Esquerda, dirigindo-se a José Sócrates. A resposta do então primeiro-ministro não foi captada pelos microfones, mas ficou gravada nas imagens: “Manso é a tua tia, pá!” lê-se nos lábios. Louçã disse apenas: “não baixe o nível porque não é assim que deve ser o debate da Assembleia da República.”

A luta pelo microfone

A disputa foi entre Paulo Núncio, que era secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, e Eduardo Cabrita, que é atualmente ministro-adjunto mas que à data era deputado pelo PS na Assembleia da República. Passou-se em novembro de 2014 e o tema era a reforma do IRC. Núncio tinha acabado de intervir, acusando o PS de rasgar o acordo sobre a reforma, e Cabrita, apesar de estar a conduzir os trabalhos, decidiu tomar a palavra para contrariar o então governante. Paulo Núncio tentou ligar o microfone para interromper Eduardo Cabrita, mas o então deputado não deixou.

“Sr. Secretário de Estado não dirige os trabalhos desta comissão… Sr. Secretário de Estado, ouvi-o durante 28 minutos… Sr. Secretário de Estado não usa da palavra, vai ouvir aquilo que são três referências porque está em causa uma questão de verdade”, disse Eduardo Cabrita, enquanto desligava sucessivamente o microfone a Paulo Núncio. “Seja verdadeiro! Seja verdadeiro!” pediu Núncio.

“Vá chamar palhaço ao seu pai”

O debate era sobre jogo online, em junho de 2014. Duarte Marques, deputado do PSD, utilizou a palavra “palhaçada” para se referir à intervenção de José Magalhães, deputado socialista. José Magalhães preparava-se para intervir mas, antes disso, decidiu responder: “O Sr. Deputado vá chamar palhaço ao seu pai”.

Chamado à atenção por António Filipe, deputado comunista que presidia aos trabalhos da Assembleia, José Magalhães argumentou que a ata da reunião documentaria o “à parte inaceitável” que foi dito por Duarte Marques.

“Transtorno psicótico político”

Passou-se a 13 de abril de 2016, durante uma audição do ministro do Trabalho, Vieira da Silva, na comissão parlamentar da especialidade. Wanda Guimarães, deputada do PS, lançou-se contra os deputados do PSD: “As direitas – e neste caso estou-me a referir àquela que saiu adornada de social-democracia no último congresso do PSD – têm mudado, de facto, o seu comportamento. Primeiro assistimos a uma grande agressividade e agora passou para o que eu chamaria de transtorno psicótico político. Atenção, político.”

Mas Adão Silva, deputado social-democrata não gostou da expressão escolhida e na defesa elevou o tom: “Não aceito que a senhora me trate por psicótico, porque eu nunca fui deselegante com vossa excelência. A comissão estava decorrer nos termos em que devia decorrer e vossa excelência não tem o direito, nem tem sequer a categoria, para insultar o grupo parlamentar do PSD.” Wanda Guimarães não deu o assunto por terminado sem responder: “Se gosta mais de autismo do que de transtorno psicótico, pronto. Agora, não me interrompa porque isso é falta de educação“.

“Responde, ou é preciso fazer um desenho?”

“Responde, ou é preciso fazer um desenho”, perguntou Vieira da Silva, ministro do Trabalho, a 4 de maio deste ano, durante um debate no plenário da Assembleia da República, sobre Segurança Social. Em causa estava a insistência da oposição em pedir explicações sobre o valor que o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) deverá aplicar no novo Fundo de Reabilitação Urbana.

Quando anunciou o Fundo, o primeiro-ministro apontou para um investimento na ordem dos 1.400 milhões de euros, vindos do FEFSS. Mas mais tarde, no Programa Nacional de Reformas, a participação do FEFSS foi revista para 500 milhões de euros. Vieira da Silva argumentou que se tratou apenas de um mal-entendido e não de um recuo do Governo. Mas os deputados não desarmaram. A certa altura, Vieira da Silva perdeu a paciência. “O que foi dito pelo primeiro-ministro corresponde ao valor máximo do FEFSS que pode ser mobilizado para investimentos imobiliários”, começou por explicar. “Existe uma estimativa para o fundo [de reabilitação urbana] a criar que tem um valor de 1.500 milhões, dos quais a participação do FEFSS pode atingir um terço desse valor, em dez anos. Depois, existe a participação de 500 milhões, prevista para o horizonte da legislatura. Responde, ou é preciso fazer um desenho”, rematou.

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