Dois pequenos passos…

  • Nuno Cruz
  • 24 Junho 2019

O novo Código da Propriedade Industrial, a entrar em vigor já no próximo dia 1 de Julho, introduz soluções de um "muito salutar pragmatismo". O advogado Nuno Cruz analisa duas das mais relevantes.

Recordo-me sempre da frase de Neil Armstrong — “Um pequeno passo para o Homem, mas um salto gigante para a Humanidade” –, sempre que a solução de um grande problema pode depender de uma medida simples. Vem isto a propósito não de uma, mas sim de duas recentes medidas legislativas adotadas para o combate à contrafação.

Foram considerados “alarmantes”, os dados apurados e constantes do novo relatório da OCDE e do EUIPO sobre o impacto da contrafação (“Tendências no Comércio de Produtos de Contrafação e Pirataria”), publicado em março de 2019. De acordo com esse relatório, a percentagem no comércio mundial de mercadorias contrafeitas “aumentou muito significativamente” entre 2013 e 2016. Essa percentagem atinge os 3,3% do comércio global, sendo ainda referido, no relatório, que as importações de produtos contrafeitos para a UE ascenderam a 6,8% em 2016.

Na vertente da defesa judicial (enforcement) dos direitos de Propriedade Intelectual, são cada vez mais uma opção eficaz os processos civis, no Tribunal da Propriedade Intelectual. É assim sobretudo quando os infratores estão sobejamente identificados, atuando nos meios comerciais lícitos.

Mas é ainda a via criminal, com a eficiente intervenção das Polícias, que assume em Portugal o protagonismo no combate à contrafação, enquanto fenómeno de crime organizado, de grande escala.

Da intensa atividade de fiscalização da Polícia – sobretudo a ASAE, a Unidade de Ação Fiscal da GNR e até da PSP – resulta um elevadíssimo número de apreensões, que geram um correspondente volume de inquéritos penais. E os produtos apreendidos (que vão dos milhares às poucas unidades, por cada processo) originam dois problemas que dificultam a tramitação dos processos.

Um, meramente processual, decorre da necessidade de prova de que os produtos são efetivamente contrafeitos. Essa prova tem sido feita por via de exames periciais, normalmente pelos designados “peritos de marca”. São diligencias que, somadas às dezenas ou centenas, originam despesas consideráveis para os titulares dos direitos, para além de que podem atrasar muito a conclusão dos casos.

O outro problema é de natureza logística: o armazenamento dos produtos apreendidos, feito, por via de regra, em instalações do Estado. De acordo com a lei vigente até à data, somente após concluído o processo poderá ser dado destino final e esses produtos. O que significa que os produtos apreendidos têm de ser mantidos em armazém por três, quatro ou mais anos.

Para estes dois problemas, o novo Código da Propriedade Industrial (a entrar em vigor já no próximo dia 1 de julho) introduz soluções de um muito salutar pragmatismo. Vêm ambas, aliás, previstas no mesmo artigo do novo CPI – o artigo 360º, relativo à “Fiscalização e apreensão”.

A primeira dessas medidas é possibilidade de ser realizado pelos órgãos de Polícia criminal um exame direto aos objetos apreendidos, “quando seja notório” que os mesmos não são genuínos. Somente não sendo viável esse exame direto, é então ordenado pela autoridade judiciária um exame pericial.

Embora haja efetivamente contrafação de boa qualidade, difícil de peritar, a verdade é que, na grande maioria das apreensões, o exame estará ao alcance dos experientes OPC, seja pelas próprias características dos produtos, seja pelas circunstâncias em que as autoridades os encontram no processo de fabrico. É uma enorme vantagem, pela poupança de meios e pelo tempo ganho na fase dos inquéritos.

A outra medida é a possibilidade de disposição antecipada dos produtos apreendidos. Ou seja, a possibilidade de ser dado destino a esses produtos (destruição ou doação a ISSs) logo na fase inicial dos inquéritos, ao invés de se aguardarem os tais três ou quatro anos pela conclusão do processo. É uma solução inspirada no “procedimento simplificado de destruição de mercadorias” aduaneiro, que vigora há mais de quinze anos com enorme sucesso. Poderá funcionar igualmente bem nos processos-crime, com evidentes vantagens de logística e poupança de meios.

São duas medidas simples – dois “ovos de Colombo” – que, talvez sem demasiado otimismo, se espera virem a ser “um salto gigante” na melhor tramitação dos processos por contrafação.

  • Nuno Cruz
  • Presidente da Comissão de Propriedade Intelectual da ICC Portugal

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