PS apresenta programa eleitoral com muitas promessas, mas sem números

O programa eleitoral do PS "vende" o que foi feito nos últimos quatro anos e anuncia muitas medidas, mas desta vez não há cenário macroeconómico para avaliar promessas eleitorais.

António Costa apresentou o programa eleitoral do PS às eleições legislativas de 6 de outubro, mas seguiu um método diferente daquele que utilizou em 2015, quando se propôs ser pela primeira vez primeiro-ministro: Desta vez, sem o grupo de 12 economistas, mas com Mário Centeno a seu lado (pensará que o ministro das Finanças vale por 12?), o secretário-geral do PS apostou num longo programa, com quatro grandes prioridades, mas sem mostrar como é que os números da economia e do orçamento podem ou vão suportar todas aquelas promessas. Que são muitas, nos impostos, na Função Pública ou no investimento público (e já lá vamos).

Quando o Governo o Programa de Estabilidade para os próximos quatro anos, Costa e Mário Centeno fizeram saber que as previsões até 2023 não incluíam medidas a anunciar pelo PS para as legislativas. Era, portanto, um Programa com data marcada, até outubro. Sobretudo porque, quatro anos antes, o PS tinha inaugurado uma nova prática política, a de apresentar um cenário macroeconómico e de contas públicas que resultava das opções políticas (algumas delas, aliás, ficaram pelo caminho, como o novo contrato único de trabalho, por causa da Geringonça). Um método copiado, e bem, pelo PSD.

Desta vez, o programa eleitoral de 141 páginas tem muitas promessas, números soltos — a despesa com pessoal no Estado vai crescer 3% ao ano até 2023, garante o PS –, mas sem detalhes. E sem se perceber se estas promessas são consistentes com os únicos números conhecidos, que são os do Programa de Estabilidade. O programa eleitoral do PS tenta ‘vender’, em primeiro lugar, uma continuidade de políticas, e um pedido de confiança nos resultados obtidos. Mas acrescenta também alguma “generosidade” ao que é conhecido no Programa de Estabilidade. O PS garante que o PSD e o CDs entraram num leilão eleitoral, mas não é possível avaliar se as propostas do PS são exequíveis. A alternativa é uma profissão de fé no “Ronaldo das Finanças”… se continuar por cá, como admitia, sem esconder um certo gozo pessoal, o próprio primeiro-ministro e líder do PS nesta convenção partidária.

Comecemos pelo crescimento económico. No programa eleitoral, os socialistas começam por fazer uma comparação… incomparável. “Portugal cresceu 9% em termos reais nestes quatro anos, após ter caído 2,5% na anterior legislatura”, omitindo o ponto de partida em 2011 – uma intervenção externa – e o ponto de chegada, com crescimento económico a partir de 2014 (0.9%) e sobretudo em 2015, com uma variação de 1,8%. Em 2016, primeiro ano da geringonça, até cresceu menos (1,6%), apor causa da incerteza eleitoral e da desconfiança dos agentes económicos em relação à formação da geringonça, e acelerou depois em 2017 para uns surpreendentes 2,7%).

Se no Programa de Estabilidade, o Governo assumiu o compromisso de um crescimento real da economia de 2,1% no final da legislatura, já o programa eleitoral do PS aponta para uma variação de 2,3%. E, do lado das contas públicas, o PS continua a garantir, e foi mesmo por Mário Centeno, que a dívida pública vai ficar abaixo dos 100% em 2023, como consta do Programa de Estabilidade. Onde há diferenças? No saldo primário (excluindo os juros da dívida pública). Pelos vistos, o PS é menos ambicioso do que o Governo no objetivo de saldo primário, já que no Programa de Estabilidade, em abril, o Governo apontava para um valor de 3,8% em 2021, baixando, depois, para 3,4% em 2022 e 2023. Agora, no programa eleitoral, o PS admite um saldo primário que “deve manter-se perto dos 3% do PIB”. E depois, vem a explicação política: “Este objetivo deve ser assegurado num quadro em que o cumprimento da regra da despesa ganhará relevância no quadro europeu, devendo Portugal procurar garantir que o crescimento tendencial da despesa esteja em linha com o crescimento tendencial da receita num quadro de estabilidade da política fiscal”. É uma diferença relevante, e que talvez (o PS não explicou) explique as promessas políticas conhecidas este fim de semana.

Mário Centeno

Em matéria de impostos, o programa eleitoral do PS não traz nada de novo em relação ao que já tinha sido anunciado nos últimos dias e, particularmente, por António Costa em entrevista à rádio Observador. O que diz o programa eleitoral?

  • Dar continuidade ao desenvolvimento de mecanismos que acentuem a progressividade do IRS, revendo os respetivos escalões;
  • Caminhar no sentido do englobamento dos diversos tipos de rendimentos em sede de IRS, eliminando as diferenças entre taxas;
  • Eliminar e reduzir, progressivamente, os benefícios e deduções fiscais com efeitos regressivos, reforçando a transparência e a simplificação do sistema fiscal e aumentando a sua equidade e justiça social;

E números sobre estas medidas? Nem um como exemplo. Se António Costa admitia mesmo criar mais escalões para beneficiar a classe média, sinalizando uma descida de impostos, o programa eleitoral é omisso nessas contas. Quem beneficia? E em quanto? Em que escalões?

No programa eleitoral, o PS também assume o objetivo de diminuir os impostos sobre as PME, com um regime fiscal “que privilegia fiscalmente as pequenas e médias empresas que invistam os seus lucros na criação de valor para a empresa e para a economia em geral”.

  • Melhorar o regime do IRC para as empresas que reinvistam os seus lucros através de um aumento em 20% do limite máximo de lucros que podem ser objeto de reinvestimento (de 10M€ para 12M€), assim aumentando a dedução à coleta de IRC para estas empresas;

As propostas de António Costa mereceram, rapidamente, no twitter, uma resposta do líder do PSD, Rui Rio.

A Função Pública merece também destaque no programa eleitoral do PS. António Costa antecipa mudanças nas carreiras do Estado. É escrito “com pinças”, porque é uma matéria sensível em período pré-eleitoral. Do que se percebe, o Governo quer limitar as carreiras especiais na Função Pública, que consomem dois terços dos 200 milhões de euros anuais previstos para progressões de carreira, mas apenas para um terço do total de funcionários. “Este desequilíbrio deve ser revisitado. O aumento desta despesa não pode continuar a limitar a política salarial na próxima década e a impedir uma política de incentivos na AP que premeie a excelência e o cumprimento de objetivos pré-definidos”, e mais não é dito. Apenas que este perfil no Estado limita os aumentos salariais. E o que propõe o PS?

  • O cenário de responsabilidade orçamental apresentado contempla um aumento anual em torno dos 3% da massa salarial na Administração Pública. Este aumento decorrerá, nos primeiros anos, em grande medida, do impacto das medidas de descongelamento das carreiras, que será particularmente elevado até 2020, do efeito extraordinário da reposição do tempo nalgumas carreiras até 2021 e do aumento do emprego público que se tem verificado nos últimos anos, mas inclui também uma margem para aumentos dos salários, que poderão ser mais expressivos a partir de 2021.

Escrito assim, um aumento salarial de 3% tendo em conta o baixo nível da inflação, os funcionários públicos não desdenhariam tal negociação. Mas na verdade este aumento da despesa com pessoal em torno dos 3% já foi o que sucedeu este ano de 2019, embora seja superior ao que consta do Programa de Estabilidade, no qual o valor foi fixado nos 2,5% para os próximos quatro anos.

Quanto é que vale uma variação da despesa com pessoal de 3%? Cerca de 680 milhões de euros, dos quais apenas 50 milhões de euros foram canalizados para aumentos salariais propriamente ditos. A fatia pesada serviu para pagar os descongelamentos de carreira e as promoções e progressões. E que, como se sabe, têm prazos de aplicação desfasados no tempo, portanto, a impactar os próximos orçamentos. Aliás, o PS esclarece, neste programa, que aumentos salariais mais expressivos só após 2021.

Este desequilíbrio na Função Pública deve ser revisitado. O aumento desta despesa [com pessoal] não pode continuar a limitar a política salarial na próxima década e a impedir uma política de incentivos na Administração Pública que premeie a excelência e o cumprimento de objetivos pré-definidos.

Programa eleitoral do PS

O investimento é, na verdade, a grande aposta do PS, pelo menos na retórica. “Se nesta legislatura que agora termina, o esforço orçamental com o investimento público aumentou 45%, na próxima legislatura o esforço orçamental com o investimento vai aumentar 56%“, disse o ministro Finanças ao auditório da Convenção Nacional. Só não disse foi que o ponto de partida foi tão baixo que só em 2019 o investimento público atingiu, em termos nominais, os valores registado no último ano do Governo de Passos Coelho, isto se for cumprido nos termos em que está no Orçamento do Estado para 2019, o que nunca sucedeu nesta legislatura.

O que está no Programa de Estabilidade? O investimento público vai fixar-se em 2,1% do PIB em 2019, e não nos 2,3% previstos no Orçamento que foi aprovado em novembro do ano passado. Assim, o peso do investimento do Estado na economia continuará abaixo do verificado em 2015, o último ano do Governo PSD/CDS (2,2%), ao contrário do previsto. E caso o PS ganhe as eleições de outubro, o investimento público apenas ultrapassará o nível de investimento público de Passos Coelho em 2020, atingindo os 2,3% do PIB. Nos anos seguintes, o investimento público deverá aumentar gradualmente até atingir os 2,6% do PIB em 2022, nível que irá manter-se em 2023.

  • Depois do crescimento do investimento público acima de 10% entre 2017 e 2018, em 2019 começou a ser executado um pacote de grandes investimentos, sem paralelo na última década, com particular incidência em áreas como a ferrovia, metros, material circulante, hospitais, material militar e regadio.

No programa eleitoral, o que diz o PS? “Este programa de investimentos, de mais de 10 mil milhões de euros, será implementado ao longo da próxima legislatura”, com duas áreas centrais, a ferrovia e a saúde. Mas, como não há cenário macroeconómico para justificar estas opções, torna-se impossível saber se é um plano compatível com as exigências que o PS diz querer manter, desde logo a redução da dívida pública.

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