Incêndios: Falta de fiscalização e formação permitiu “laxismo”
Especialistas alertam que muitas vezes os planos contra incêndios são entregues a empresas que os fazem quase em série, quase copiando os dados de uns para os outros sem conhecimento do terreno.
Especialistas em incêndios florestais defendem que tem faltado fiscalização e investimento na formação de técnicos para a elaboração dos Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PMDFCI), o que permitiu algum “laxismo” por parte das autarquias.
Em declarações à Lusa, Domingos Xavier Viegas, coordenador do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais, e José Miguel Cardoso Pereira, investigador do Centro de Estudos Florestais do Instituto Superior de Agronomia, da Universidade de Lisboa, defenderam que a alteração do período de vigência destes planos, que passou de cinco, nos PMDFCI de 1ª e 2 ª geração, para dez anos, nos planos de 3ª geração, não acarreta maior risco, desde que o que está regulamentado seja cumprido.
“A noção que eu tenho é que muitas vezes esses planos são entregues a empresas que os fazem quase em série, quase copiando os dados de uns para os outros sem grande conhecimento do terreno. Isso devia ser evitado com formação técnica e uniformização de critérios para fazer as coisas de uma forma consolidada. É o que tem estado a faltar e isto, talvez, tenha motivado algum laxismo”, afirmou Xavier Viegas.
Para o coordenador do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais, este alargamento do período de vigência pode permitir uma análise mais cuidada e mais fundamentada no terreno, por oposição à elaboração de um plano “à pressa” a cada três ou cinco anos.
Contudo, sublinha o investigador, se este alargamento vai ou não permitir camuflar a responsabilidade dos municípios nesta matéria, isso vai depender do comportamento da tutela.
“Depende do que a tutela fizer em relação a dinamizar essas entidades que têm que fazer esses planos. Eu julgo que o que tem faltado é um pouco isso. Em princípio, quando esses planos foram criados, houve um esforço de formar gabinetes e até dar formação, mas depois as coisas foram largadas a si próprias”, concluiu.
Xavier Viegas considera útil a existência de um plano de base com uma durabilidade mais longa, desde que este possa ser atualizado “sempre haja alterações importantes”, sejam elas a alteração do uso do solo ou do coberto vegetal, por exemplo.
Também para o investigador José Miguel Cardoso Pereira, do Centro de Estudos Florestais, fazer um novo plano a cada dez anos não o “choca”, se o trabalho intercalar for feito.
“Não me parece que daí advenha maior desproteção ou acréscimo de risco. Agora estamos a partir do princípio de que aquilo que está regulamentado é levado a sério. (…) Aí, de facto, podemos ter um problema. Agora teríamos um problema com cinco anos ou com dez anos”, salientou.
O investigador considera que Portugal tem um problema crónico de excesso de legislação, no qual se escuda, por vezes, não monitorizando e punindo o incumprimento.
“A ameaça que o ministro fez [de multar os municípios em incumprimento] parece-me perfeitamente pertinente, como me parece nefasto não a pôr em prática. (…) Isso depois paga-se. Porque é altamente deseducativo e acaba por criar um sentimento de impunidade”, declarou, acrescentando, no entanto, não acreditar que o alargamento do período de vigência dos PMDFCI tenha sido concebido para “facilitar uma escapatória” para os municípios, a quem cabe a elaboração destes planos.
“É só fazer um raciocínio: desde que deviam ter acabado os planos de 1ª geração, quantas centenas de hectares é que arderam em Portugal?”, questionou.
Segundo dados do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), em 30 de junho existiam 53 municípios sem PMDFCI em vigor (já publicado em Diário da República), sendo que, destes, apenas 14 já têm parecer positivo, seis viram ser emitido parecer negativo e três tiveram o plano indeferido pelo ICNF.
Apesar de haver já concelhos com planos de 3.ª geração em vigor, destes 53, 26 possuem ainda PMDFCI de 1.ª geração e, na maioria dos casos, o período de vigência terminou em 2014.
Em caso de incumprimento do prazo definido (31 de março), explicava em abril o Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, seria retido, no mês seguinte, “20% do duodécimo das transferências do Fundo de Equilíbrio Financeiro”, tal como prevê o Orçamento do Estado para 2019.
Contudo, em resposta enviada à Lusa em 15 de julho, o Ministério da Administração Interna esclarecia que o processo de contraditório e de análise das respostas dos municípios em incumprimento ainda se encontrava em curso.
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