Vítor Bento, presidente do júri dos IRGAwards, diz que subsistem problemas na governação das empresas. "Mas desde que tenhamos consciência dos problemas que temos de resolver, é um progresso", diz.
“The Simphonic Leadership”. Este é o lema da 32.ª edição dos IRGAwards, uma iniciativa da Deloitte que visa distinguir as melhores práticas de governance em Portugal. Mas o que tem a ver uma orquestra com a boa governação das empresas? Vítor Bento, presidente do júri, diz, ao ECO, que esta é uma metáfora para explicar os desafios da gestão das companhias.
Tal como numa orquestra, também nas empresas, nomeadamente na liderança destas, é preciso haver “harmonia dos participantes” para que não desafine. E como lhe tem soado a música na governação das empresas? “Se estamos num contexto que nos dê suficiente tranquilidade? Diria que não dá suficiente tranquilidade“, nota.
Em entrevista ao ECO, antecipando mais uma edição dos IRGAwards, que premiará as melhores práticas nas empresas nacionais na relação com os investidores a 19 de setembro, Vítor Bento diz que há problemas por resolver. Mas desde que “tenhamos consciência dos problemas que temos de resolver, isso já será um progresso”.
O tema destes IRGA é The Symphonic Leadership. Onde é que a organização e governação de uma empresa encontra pontos de contacto com a “governação” de orquestra?
A utilização do exemplo da orquestra é o recurso a uma linguagem metafórica para explicar de uma forma mais compreensível determinados conceitos que são mais difíceis de entender. A orquestra e a sinfonia são dois bons exemplos de utilização metafórica daquilo que são os desafios da gestão, onde se requer a harmonia dos participantes, onde se requer a capacidade dos participantes para coordenarem as diversas valências e onde é preciso responder aos desafios com os vários ritmos, os vários tempos. Por vezes há momentos de grande tranquilidade, momentos de sucesso onde há muita alegria. Noutras vezes há momentos muito desafiantes, quando as coisas estão complicadas e onde há uma agitação muito grande.
Naquilo que tem sido a governação das empresas em Portugal, como lhe tem soado o tom e o ritmo nestes últimos anos? Tem notado progressos no governo das organizações?
É como em todas as orquestras: há sessões que saem melhor, há sessões que saem menos bem, há alturas em que as coisas parecem conjugar-se de forma adversa a quem está a desempenhar, há outras alturas em que parece que todos os deuses ajudam e as coisas funcionam bem. Dentro das nossas empresas tem acontecido o mesmo. Se estamos num contexto que nos dê suficiente tranquilidade? Diria que não dá suficiente tranquilidade. Há problemas que continuam a subsistir, mas desde que estejamos na senda das melhorias, tenhamos consciência dos problemas que temos de resolver, isso já será um progresso.
Foi consensual a seleção da shortlist de candidatos aos prémios e dos vencedores?
A shortlist não é consensual nem deixa de ser, resulta antes de um automatismo, para efeitos do júri, que é o processo de votação de um grande eleitorado composto por centenas de personalidades do top management e top executive, intervenientes do mercado do lado buy e do lado sell. É um colégio eleitoral muito grande que vota e daí resulta uma hierarquia dos candidatos e essa hierarquia dá lugar à shortlist.
Em relação aos consensos, sendo desejável que se acabe em consenso, não é necessário que se comece em consenso. Se houver opiniões diferentes de início, isso faz parte de um processo enriquecedor de eventual convergência. O que é preciso é que depois da argumentação trocada, dos factos apresentados, da informação analisada, se consiga convergir para um consenso relativamente a quem que naquela circunstância em que a votação é feita se apresenta como o melhor candidato. Por vezes, acontece que a decisão é um pouco como nas corridas, quando há recurso ao photo finishing, onde a vitória acontece por uma fração de segundos. Significa muitas vezes que houve um fator marginal que levou a que fosse escolhido A em vez de B.
"Por vezes, acontece que a decisão é um pouco como nas corridas, quando há recurso ao photo finishing, onde a vitória acontece por uma fração de segundos Significa muitas vezes que houve um fator marginal que levou a que fosse escolhido A em vez de B.”
Como se gerem eventuais conflitos de interesses neste processo em que o júri pode ser parte interessada?
É óbvio que há conflitos de interesse. Portugal é um país relativamente pequeno. Obviamente que as personalidades que fazem parte do júri também fazem parte da própria vida económica, têm relacionamentos, uns mais próximos outros mais afastados, com as empresas. E como o número de empresas em Portugal suscetíveis para integrarem este lote de prémios não é assim tão grande, é óbvio que haverá sempre uma ou outra ligação, uma mais próxima, outra mais afastada. E isso é normal na governação das empresas.
Dito isto, o desafio da governance não é evitar os conflitos – se os puder evitar, tanto melhor. Muitas vezes, estes conflitos não são evitáveis porque fazem parte da própria natureza das coisas. O desafio da governance é definir a forma de lidar com os conflitos de interesse para que não interfiram na objetividade do resultado. E aí o júri tem processos que asseguram que esses conflitos de interesse, quando identificados, são isolados e não interferem na resolução. Se há candidatos a prémios onde algum membro do júri está associado à pessoa ou à empresa, esse membro do júri não intervém no processo de seleção desse prémio em particular.
Os IRGA servem para distinguir a excelência e as melhoras práticas de governação nas empresas portuguesas. Mas isto não significa que quem venceu no passado depois também não fuja ao normativo e incorra em desvios face às regras internas.
É importante clarificar que os prémios não são uma avaliação nem da personalidade das pessoas, não são uma avaliação para a vida. São uma avaliação de um desempenho num determinado período de tempo. É como no futebol: o facto de uma equipa ganhar o campeonato num ano, não significa que se espera que venha a ganhar os campeonatos todos. Já aconteceu equipas ganharem um campeonato e descerem de divisão, mas isso não tira o mérito de terem conquistado o campeonato no ano em que ganharam.
Há vários prémios em disputa: melhor CEO, melhor CFO, melhor Investors Relations. Que aspetos o júri mais valorizará este ano?
Estes são os prémios mais “rodados”, de alguma forma. É a aplicação dos critérios habituais: identificar as personalidades que se distinguiram na relação com os investidores, na transparência, na atenção que foi dada, na informação que foi dada, na criação de valor. É eleger quem naquele ano mais se distingue dos outros: sendo todos bons, qual é que aquele que, apesar de tudo, consegue distinguir-se favoravelmente entre os vários bons nessa relação.
"Os prémios não são uma avaliação nem da personalidade das pessoas, não são uma avaliação para a vida. São uma avaliação de um desempenho num determinado período de tempo. É como no futebol: o facto de uma equipa ganhar o campeonato num ano, não significa que se espera que venha a ganhar os campeonatos todos.”
No prémio Lifetime Achievement, que critérios vão estar em avaliação?
Aqui os critérios têm a ver com a distinção de uma personalidade que ao longo da sua vida tenha tido relevância no desenvolvimento da economia, no desenvolvimento do mercado, em particular, do mercado de capitais e no mercado financeiro, e tenha tido um papel de relevo que mereça ser apontado como um exemplo e que, de forma direta ou indireta, se possa transmitir o reconhecimento da sociedade ou pelo menos de uma parte da sociedade pelo contributo que terá dado para o desenvolvimento da sociedade.
Que legado deixaram Américo Amorim, Pedro Queiroz Pereira, Belmiro de Azedo e Alexandre Soares dos Santos. Foram um exemplo de iniciativa privada e de construção da boa governação em Portugal?
De facto, isso corresponde à lei da vida. Mas a lei da vida tem dois lados: há uns que saem e outros que entram. Cada ano que passa, passa para toda a gente. Por vezes, gostaríamos que isso não acontecesse, mas o que passa para os outros passa também para nós, a cada ano vamos ficando um ano mais velhos. Vai-se aproximando do fim da carreira, uns mais outros menos, vai sempre havendo alimentação do objeto desse prémio.
É importante ter presente que cada geração tem os seus desafios. Há valores que são perenes, como a honestidade, a probidade. Mas em termos daquilo que são os desafios económicos, as próprias práticas vão evoluindo com o tempo, o que significa que os próximos não têm de ser necessariamente iguais a esses. Poderão ser, poderão não ser. Cada tempo, cada geração tem as suas próprias qualificações.
Há novos prémios nesta edição?
Eliminámos o prémio Investidor do Ano para não estarmos sempre a repetir. Em contrapartida, criamos três novos prémios: o prémio Governance Initiativa Award para quem se tenha destacado e melhorado as condições de governance. Não fazemos a avaliação da governance em si, porque é uma questão muito complicada, pois requereria toda uma aparelhagem muito complexa de auditoria e avaliação. Mas avaliamos iniciativas particulares. Temos o Transformation Award para as empresas que se tenham distinguido em transformar o seu negócio ou transformar a atividade. E temos o prémio para distinguir a iniciativa que tenha contribuído para o desenvolvimento do mercado.
Podemos esperar alguma surpresa?
Vamos esperar pelo dia 19. Aí serão reveladas todas as surpresas.
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Vítor Bento: “Atual contexto da governação das empresas não nos dá suficiente tranquilidade”
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