A (não) resposta de Joaquim Sarmento confirma buraco de 4750 milhões
A resposta do porta-voz do PSD confirma as principais críticas ao seu cenário macroeconómico. Não será viável, com as propostas do PSD, manter as contas públicas equilibradas.
A (não) resposta de Joaquim Sarmento confirma o buraco de 4750 milhões de euros no défice orçamental do cenário do PSD e deixa antever cortes nas pensões, salários e SNS.
Venho agradecer e saudar a resposta de Joaquim Sarmento ao meu artigo publicado ontem aqui no ECO.
O artigo do responsável pelo cenário macroeconómico do PSD é particularmente revelador por aquilo a que o autor decide não responder. Ao recusar responder às principais críticas, no momento oportuno para o fazer, parece aceitá-las. Vejamos as principais críticas deixadas sem resposta.
1) O irrealismo do cenário do PSD
Face ao cenário do Conselho das Finanças Públicas (CFP), que lhe serve de base, o PSD propõe um corte de receita de 3700 milhões de euros e um aumento da despesa de 1050 milhões de euros e consegue a proeza de uma melhoria do défice orçamental superior à do cenário do CFP: uma melhoria de 0,8 p.p. no caso do PSD comparando com 0,2 p.p. no caso do CFP.
Esta é uma das críticas mais importantes que fica sem resposta. Não conheço nenhum economista responsável que acredite que se possa cortar mais na receita e aumentar mais a despesa, e no final se obtenha um défice orçamental ainda mais baixo. Estou convencido que Joaquim Sarmento também não acredite que tal seja possível.
2) O PSD prevê um crescimento da receita do Estado muito superior ao das instituições independentes como o CFP e o FMI
Entre 2019 e 2023, as instituições independentes, como o FMI e o CFP, estimam um aumento médio da receita de 11000 milhões de euros. Em contraste, o PSD estima um aumento de receita de 15000 milhões de euros. A receita que nos prometem cortar é a receita que não existe em nenhuma estimativa independente.
Considerando o cenário do CFP, no qual se baseia, o irrealismo do cenário do PSD ainda é mais assustador. O CFP estima um aumento da receita de 9000 milhões de euros (assume que a elasticidade * face ao PIB é inferior a 1, com o PIB a crescer 13,2% e a receita 10%). O PSD por sua vez estima um aumento de receita de 15000 milhões de euros (mais 6000 milhões de euros, o equivalente a mais de 60% do que o CFP!).
O PSD provocaria, assim, um buraco no défice orçamental superior a 3000 milhões de euros, considerando apenas o lado da receita.
Perante o receio da derrapagem das finanças públicas provocado pelas medidas que propõe, Joaquim Sarmento defende-se que irá faze-lo de forma faseada em função da evolução da economia e da conjuntura internacional.
No entanto, parte importante das medidas radicais de redução receita que propõe são decididas logo em 2020, num montante muito superior a 1000 milhões de euros. Caso a receita evolua de acordo com o que todas as instituições independentes preveem, a proposta do PSD implicaria agravar de seguida ainda mais os impostos. Acresce que estaríamos a aumentar a instabilidade fiscal (e do país) e a seguir políticas pró-cíclicas, que agravariam ainda mais o estado da economia. Tudo ao contrário do que é defendido por todos os economistas.
3) A contradição insanável entre o aumento de impostos que Joaquim Sarmento propôs há uns meses e a redução radical da receita que agora propõe à beira das eleições
Recorde-se que o PSD no seu cenário apresenta medidas drásticas de redução de receita no valor de 3700 milhões de euros por ano, o equivalente a cerca de 1,5 p.p. do PIB.
Joaquim Sarmento responde dizendo que é uma redução moderada. Confesso que a resposta ainda me deixa mais preocupado. Considerar moderada uma redução de receita no valor de 3700 milhões de euros, nunca antes implementada, revela uma ligeireza assustadora.
A redução proposta pelo PSD é de facto radical. Para se ter uma ideia da sua dimensão, a redução de 1.5 p.p. do PIB seria de longe a mais elevada de entre todos os países da zona euro nos seus programas de estabilidade (Portugal estima uma redução de 0,6 p.p. e a média de redução na zona euro é de 0,25 p.p.)
O responsável pelo cenário macroeconómico do PSD não explica por que é que ainda este ano, antes de começar o leilão de promessas eleitorais, afirmou que “Há pouca margem para baixar impostos”. E sobretudo por que é que no seu livro, apresentado em abril, não propõe nenhuma medida concreta de redução de impostos mas sim três medidas de (enorme) aumento de impostos:
- Aumento do IRS em 40 euros para 2,5 milhões das famílias mais pobres;
- Aumento do IRC para as 302 mil empresas que não pagam IRC;
- Aumento da taxa de IVA da restauração de 13% para 23%.
Joaquim Sarmento defende-se dizendo que estas medidas “são pequenos ajustes em função de aspetos muito específicos”. Ficam todos os portugueses a saber que, para o responsável do PSD pelas finanças públicas, aumentar impostos para as 2,5 milhões de famílias mais pobres é apenas “um pequeno ajuste em função de um aspeto muito específico”!
4) A contradição entre a promessa do PSD de duplicação do investimento público e a proposta do responsável pelo cenário macroeconómico do PSD de reduzir o investimento público
No Programa de Estabilidade o Governo estima um aumento elevado do investimento público de 2,1% para 2,6% do PIB até 2023 (e no programa do PS esta aposta é reforçada para 2,8% do PIB **).
Este aumento do investimento público é dos maiores de entre os previstos pelos países da zona euro nos seus Programas de Estabilidade.
O PSD propõe um aumento estratosférico do investimento público, que quase duplica em valor (cerca de 90%), passando de 2% para 3,2% do PIB entre 2019 e 2023. Este aumento estratosférico do investimento público, proposto pelo PSD, não tem paralelo na Europa, seria o triplo (1,2 p.p. do PIB) do país da zona euro com maior aumento do investimento (a Eslováquia com 0,4 p.p. do PIB).
Por sua vez, o responsável do cenário macroeconómico do PSD defende no seu livro exatamente o contrário: uma redução do investimento dos atuais 2% para 1,5% do PIB *** (!), e acrescenta a propósito do investimento público: “Não há espaço para aventuras orçamentais e tem de existir equilíbrio nas contas públicas, a economia não pode ser estimulada pelo investimento público” ****.
Em resposta ao meu artigo, Joaquim Sarmento defende que umas décimas do PIB no investimento público não são relevantes. Assusta mais uma vez a ligeireza com que são tratados cerca de 1000 milhões de euros em investimento por ano. Mas ainda mais relevante, e à qual não responde, é a contradição insanável entre o cenário do PSD que preparou e a proposta de redução do investimento público que defendeu no livro apresentando em abril deste ano.
A resposta do porta-voz do PSD confirma as principais críticas ao seu cenário macroeconómico. Não será viável, com as propostas do PSD, manter as contas públicas equilibradas. É provável que as propostas do PSD acabem antes em derrapagem financeira ou em cortes profundos na restante despesa do Estado, como o SNS, os salários, as pensões e outras prestações sociais, tendo em consideração que estas representam cerca de 85% da despesa primária da Administração Central do Estado.
* Por lapso, Joaquim Sarmento refere que a receita total aumentou 18,3% entre 2015 e 2019, quando se estima que cresça cerca de 16%, pelo que ao contrário do que refere a elasticidade também é inferior a 1.
** Certamente por lapso Joaquim Sarmento refere 3%.
*** Ver tabela na página 103 do livro “A reforma das Finanças Públicas em Portugal”.
**** Página 51 do Livro.
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