Pedro Marques quer acelerar a União Bancária. O eurodeputado do PS vê a mudança de postura da Alemanha como um bom sinal, prevendo a conclusão do dossiê durante esta legislatura.
Pedro Marques quer acelerar a conclusão da União Bancária. O agora eurodeputado do PS entende que este é o momento para se dar passos no sentido da sua concretização com a criação de um fundo de garantia de depósitos a nível europeu. Diz, em entrevista ao ECO, que a mudança de postura da Alemanha vai ajudar a desbloquear este dossiê.
O ex-ministro do Planeamento e das Infraestruturas, que esta semana entregou no Parlamento Europeu um relatório com recomendações sobre a União Bancária (que será apresentado formalmente em dezembro), defende que depois de anos em que se tratou de reduzir mais os riscos a nível dos bancos, reduzindo para menos de metade os ativos de má qualidade, falta-nos a dimensão da partilha de riscos.
Agora, depois da abertura demonstrada pelo ministro das Finanças alemão para a criação do fundo de garantia de depósitos europeu, “acho que está criado o momento político para o debate”, diz Pedro Marques.
Antecipa que a conclusão da União Bancária possa chegar ainda durante esta legislatura. E que este dossiê possa, por exemplo, levar à discussão quanto ao incentivo a uma maior diversificação das dívidas públicas que estão no balanço dos bancos, defendendo, contudo, que tal não poderá colocar em “situação pior nos mercados nenhum país em particular”.
O que é que ainda é preciso fazer para completar a União Bancária?
A União Bancária é um processo em construção. O que a Europa constatou é que nos faltavam instrumentos para reforçar a segurança das pessoas em relação aos seus depósitos, em relação à atividade dos bancos e à forma como emprestam dinheiro às empresas para o funcionamento da economia. Na crise de 2008, e com as falências de bancos, percebeu-se que a estabilidade do setor financeiro não estava completamente assegurada. Passámos por uma fase, em 2012 quando foram criados os instrumentos antissistémicos, de redução dos riscos nos bancos — foram muito reduzidos os NPL [empréstimos de má qualidade no balanço dos bancos]. Foi criado um sistema de supervisão único a nível dos bancos europeus, um sistema da resolução único, mas faltam-nos instrumentos de partilha de riscos.
Depois destes anos em que se tratou de reduzir mais os riscos a nível dos bancos, reduzindo para menos de metade os ativos de má qualidade, falta-nos a dimensão da partilha de riscos que a União Bancária não pode deixar de ter. Não podemos deixar de ter um mecanismo de garantia de depósitos a nível europeu. Porquê? Nós temos garantidos os nossos depósitos até aos cem mil euros em cada país. Mas se houver uma situação de um banco muito grande a que os Estados tenham que acorrer para garantir os depósitos, a crise nesse banco transforma-se rapidamente numa crise no país e nas suas finanças públicas. E o cidadão tem sempre a dúvida se o seu depósito está mais seguro em Portugal, ou noutro país. Se é para haver uma União Bancária tem que ser absolutamente seguro ter um depósito em Portugal ou noutro país. Precisamos de dar mais força à União Bancária numa situação de resolução de um banco e fazer uma discussão sobre os ativos seguros que no passado discutimos sob o nome de eurobonds porque hoje não temos esse instrumento no contexto europeu. O ativo de referência tem que ser um ativo comum a todos os países.
Mas há condições políticas para esse debate? Para avançar com um mecanismo de garantia de depósitos?
As eleições europeias criaram condições para se darem passos adicionais. Houve a ideia de que a extrema-direita podia ter uma subida inusitada na Europa. Isso não se verificou apesar de uma subida em alguns países. Os antieuropeístas não saíram vitoriosos das últimas eleições europeias. Mas as pessoas transmitiram-nos uma mensagem de que querem resultados concretos. Agora a Europa tem que dar esses resultados concretos. No orçamento da Zona Euro, no salário mínimo a nível europeu, na garantia de subsídio de desemprego e na garantia da União Bancária.
"Depois destes anos em que se tratou de reduzir mais os riscos a nível dos bancos, reduzindo para menos de metade os ativos de má qualidade, falta-nos a dimensão da partilha de riscos que a União Bancária não pode deixar de ter. ”
Felizmente tivemos sinais positivos, recentemente. O ministro das Finanças alemão deu esse sinal — e a Alemanha tem sido o país que mais tem bloqueado –, e disse que é necessário criar a garantia de depósitos. E também da candidata alemã a integrar o conselho de governadores do BCE a secundar as palavras do ministro. Foi um sinal importante.
O que ouvi, nas muitas audições para preparar o relatório da União Bancária, foi um consenso sobre a garantia europeia de depósitos ser considerada como essencial. Se de um país que vinha a atrasar no Conselho o desenvolvimento da União Bancária veio este sinal positivo, acho que está criado o momento político para o debate. Neste relatório damos um sinal claro sobre o caminho que o Parlamento aceita: passar da fase da redução de riscos para a partilha de riscos para completar a União Bancária.
As declarações do ministro alemão revelam real vontade política ou são feitas à luz da situação interna já que é candidato à liderança do SPD?
Estas declarações do ministro Olaf Scholz não são propriamente muito populares na Alemanha. Se fossem vistas no contexto do debate interno do SPD, não julgo que fossem sequer uma prioridade na campanha. O que vejo é o posicionamento de uma Alemanha que assumirá a presidência do Conselho da UE dentro de menos de um ano, no segundo semestre de 2020. Como é próprio dos alemães e bem, com tempo e no calendário certo, o ministro das Finanças deu um sinal muito claro dos passos que podem ser dados para um avanço importante na UEM.
Os bancos têm nos seus balanços uma concentração muito grande de dívida do próprio país. Há que fazer o debate que não ponha numa situação pior nos mercados nenhum país em particular.
Também falou de outras questões que abrem um debate. Falou da concentração das dívidas soberanos no balanço dos bancos, na atribuição de pesos de riscos diferentes da dívida soberana emitidas por cada país que são um convite ao debate e à tomada de decisões para completar a união bancária.
Transmitiu essa abertura, mas com condições estritas para avançar com esse debate…
O debate tem que ser feito como um todo. Essa tem sido a abordagem de Mário Centeno no Eurogrupo, corretamente. Em vez de estarmos bloqueados num ponto vamos discutir todos os temas para completar a UEM. Acho que precisamos de um orçamento da Zona Euro com instrumentos de estabilização como a presidente-eleita da Comissão Europeia defende. A criação de um resseguro de desemprego é mais um elemento de partilha de riscos que foi defendido pela alemã, agora eleita presidente da Comissão. Precisamos de um debate que alargue, e não estreite.
Eu, por exemplo, não concordo com a proposta de atribuição de pesos de riscos diferentes às dívidas soberanas de cada país. Nem os países sujeitos às regras de Basileia foram por aí… Basileia, que é um instrumento global de supervisão financeira dos bancos, não foi por aí. Mas reconhece que no contexto do aprofundamento da União Bancária, e de criação da garantia de depósitos, podemos discutir o incentivo a uma maior diversificação das dívidas públicas que estão no balanço de cada banco. De facto, há uma realidade: os bancos têm nos seus balanços uma concentração muito grande de dívida do próprio país. Há que fazer o debate que não ponha numa situação pior nos mercados nenhum país em particular, mas haver uma distribuição maior da dívida pelos bancos é algo bom para a solvência e solidez global da União Bancária.
Negociações para criar um mecanismo de depósitos serão longas. Qual seria uma data realista para entrar em vigor?
Para um mecanismo destes entrar plenamente em vigor? Certamente durante esta legislatura. Para uma decisão política no sentido de darmos os passos legislativos a seguir, para uma decisão política ao nível do Conselho, vejo a presidência alemã do Conselho [segundo semestre de 2020] como um bom momento para chegar a essa decisão.
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Pedro Marques: “Temos de passar da redução de riscos para a partilha de riscos com a União Bancária”
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