Scholz dá empurrão à União Bancária mas disputa interna na Alemanha pode causar problemas
O ministro das Finanças da Alemanha deu um passo decisivo para a conclusão da União Bancária. Mas a fragilidade da Grande Coligação e a corrida à liderança do SPD podem colocar em causa a proposta.
Depois de anos a rejeitar sequer a discussão do tema, o ministro das Finanças da Alemanha deu esta quarta-feira um passo que pode ser decisivo para a finalização da União Bancária, dizendo que é preciso quebrar o impasse e colocando em cima da mesa as condições que levariam a Alemanha a aceitar o terceiro, e último, pilar da União Bancária, o Sistema Europeu de Garantia de Depósitos (EDIS, na sigla em inglês). Os ministros das Finanças foram avisados de que Scholz iria fazer algo sobre o tema, mas não receberam a proposta. A CDU na Alemanha foi apanhada de surpresa, e contestou a ideia de imediato, o que pode colocar ainda mais pressão sobre a já frágil coligação governamental alemã.
Em 2012, a União Europeia começou a avançar finalmente com a União Bancária como resposta aos problemas com o sistema financeiro na sequência da crise económica e financeira de 2008, que se acentuou na Europa a partir de 2010. Já na altura estava previsto que esta tivesse três pilares fundamentais, mas só em 2015 a Comissão Europeia colocou as suas propostas em cima da mesa para este terceiro pilar.
Desde então, com exceção do trabalho técnico que continua a ser desenvolvido na Comissão Europeia e nos grupos preparatórios do Eurogrupo, o desenvolvimento do Sistema Europeu de Garantia de Depósitos tem tido poucos ou nenhuns desenvolvimentos. O atraso deve-se, em boa medida, à posição tomada pela Alemanha e por um conjunto de países mais conservadores (e mais ricos), de que a partilha do risco só pode acontecer depois de terem sido tomadas um conjunto de medidas para reduzir esse mesmo risco.
Entre as medidas exigidas estão, por exemplo, a limpeza do balanço dos bancos do elevado volume de crédito malparado e a reestruturação das instituições financeiras menos rentáveis — seja através do corte de custos ou de maior consolidação no sistema — para evitar resoluções que, no entender destes Estados-membros, acabariam por custar aos contribuintes dos países cumpridores.
Esta dicotomia entre um grupo de países que quer maior partilha de risco — em especial os países do sul — e outro que exige que a redução do risco aconteça antes sequer de ser dado o passo de criar um sistema europeu de garantia de depósitos.
A mudança Scholz
O aviso já tinha sido transmitido aos ministros das Finanças de que o vice-chanceler alemão iria tomar uma posição pública, mas não o seu conteúdo. Esta manhã, num artigo de opinião publicado no Financial Times, Olaf Scholz foi muito direto em relação à sua posição: “A necessidade de aprofundar e finalizar a União Bancária europeia é inegável. Depois de anos de discussão, o impasse tem de terminar”.
O Brexit, a concorrência com os Estados Unidos e a China, e a necessidade ter um sistema financeiro robusto foram algumas das razões invocadas pelo ministro das Finanças da maior economia alemã para a inversão de curso, especialmente face ao que o seu antecessor no cargo — Wolfgang Schäuble — defendeu de forma tão aguerrida durante os anos em que foi ministro.
Para além do artigo de opinião publicado no Financial Times, o Ministério das Finanças da Alemanha detalhou a sua proposta detalhada num non-paper — um documento para discussão –, e nele coloca todas as condições para avançar com o Sistema Europeu de Garantia de Depósitos.
Entre elas está, por exemplo, um limite ao valor de dívida pública que os bancos podem deter, a harmonização fiscal para evitar que os bancos desloquem as suas sedes para regimes fiscais mais favoráveis (uma proposta que vai merecer contestação de países como a Irlanda), para além de um esquema detalhado com limitações ao uso do dinheiro disponibilizado no EDIS: o primeiro recurso têm de ser os esquemas nacionais; depois de esgotado pode ser usado o dinheiro do Sistema Europeu de Garantia de Depósitos, mas com um limite que ainda teria de ser estabelecido; depois disso ainda é possível recorrer a um empréstimo do Mecanismo Europeu de Estabilidade, mas com condições associadas, tal como num resgate.
Olaf Scholz vai apresentar a sua proposta aos ministros das Finanças da Zona Euro esta quinta-feira durante a reunião do Eurogrupo, que só terão recebido a proposta esta quarta-feira, no dia em que foi publicada pelo jornal britânico.
Em Bruxelas, o trabalho técnico tem vindo a ser desenvolvido já há alguns anos, mas não no que toca ao EDIS. Os países que rejeitavam uma garantia de depósitos comum na Europa nunca apresentaram a sua proposta. É aqui que a proposta apresentada por Scholz faz a primeira mudança de rumo, abrindo o espaço para a discussão, e de alguma forma à conciliação das diferentes posições entre os Estados-membros sobre como será o futuro esquema de garantia de depósitos europeu.
No entanto, para já, o Eurogrupo só tem mandato para discutir e desenvolver o trabalho técnico. Para que o processo avance, é necessário que esse trabalho seja concluído e que o Eurogrupo apresente os seus resultados aos líderes da União Europeia. São os líderes da União Europeia, no Conselho Europeu, que têm de chegar a acordo para dar mandato ao Eurogrupo para que comecem as negociações políticas, o passo mais importante — mas também o mais difícil — para que o desenvolvimento e conclusão da União Bancária possa finalmente avançar.
Oposição dentro de portas pode colocar avanços em risco
Nem Olaf Scholz é Wolfgang Schäuble, que durante anos comandou os destinos do Eurogrupo sem ter praticamente de intervir, nem a Alemanha tem a influência que teve outrora no Conselho Europeu. Mas, se calhar mais importante, Scholz pode nem ter assim tanto apoio dentro de portas para fazer avançar esta proposta.
Em Berlim, diz-se que Olaf Scholz não se coordenou com Angela Merkel para a tomada de posição feita (Wolfgang Schäuble fez o mesmo em 2015 quando enviou uma proposta ao Eurogrupo para que a Grécia abandonasse o euro temporariamente), e o vice-chanceler (SPD) nem sequer é do partido com mais força na coligação, a CDU, que é contra qualquer aproximação à partilha do risco sem a questão da redução do risco estar resolvida antes.
A coligação governamental que tem Angela Merkel ao leme dos destinos do Governo alemão está fragilizada e desde as últimas eleições que o SPD — que inicialmente até recusou fazer parte da solução de Governo mais uma vez — se tem debatido sobre se deve ou não continuar a fazer parte da coligação.
Além disso, o próprio Olaf Schölz encontra-se na disputa pela liderança do SPD, tendo sido o candidato mais votado na primeira ronda, mas muito longe de conseguir uma maioria. Os sociais-democratas vão realizar o seu congresso para nomear a nova liderança em dezembro, e sem o apoio do partido a proposta que Scholz apresente esta quarta-feira pode cair por terra.
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