Os melhores alunos de Economia do país questionaram o governador do Banco de Portugal sobre o papel do BCE, o euro e a economia portuguesa. Leia as respostas de Carlos Costa.
O Banco de Portugal atribui anualmente o Prémio Jacinto Nunes aos melhores alunos de Economia do país, numa homenagem ao antigo governador e, posteriormente, ministro das Finanças. E o prémio deste ano tem um enquadramento particular: Coincide com os 20 anos do euro. Foi neste contexto que os dez melhores alunos de dez faculdades de economia do país participaram num encontro com o governador Carlos Costa. Além destes, foram premiados mais três alunos, de outras duas faculdades, que não puderam participar no encontro.
Neste ‘talk’, moderado por António Costa, publisher do ECO, alunos de faculdades como a Católica de Lisboa, ISEG e ISCTE questionaram o governador sobre o futuro da Zona Euro, bem como o papel reservado ao Banco Central Europeu, a partir de agora sob os comandos de uma nova presidente. Mas o futuro da economia portuguesa também foi abordado, nomeadamente os pontos críticos, e com enfoque particular nas empresas.
Neste campo Carlos Costa deu uma espécie de receita, onde destacou a necessidade de as empresas “serem agentes de inovação e de congregação das competências” para conseguirem “passar à Champions” e puxarem pela economia portuguesa. Mas o governador do Banco de Portugal também destacou como pontos-chave a necessidade de promoção da educação e das competências das pessoas, bem como da estabilidade e a credibilidade das próprias instituições.
E quem são os 13 melhores alunos de 12 faculdades portuguesas premiados pelo Banco de Portugal? Madalena Luz Gaspar (Católica Lisbon School), Daniel Loureiro (Faculdade de Economia do Porto), João Bernardo dos Reis (Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra), Márica Lima (Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho), Ana Tostão (ISCTE), Catarina Albuquerque (Católica Porto Business School), Rodrigo Costa (Universidade dos Açores), Carina Fernandes (Escola de Ciências Humanas e Sociais, UTAD), Jorge Mendes (Universidade de Aveiro) e Maria de Fátima Vargem (Universidade da Madeira), Pedro Sousa (Universidade Nova SBE), Jorge Mendes e Marlene Ribeiro (ambos da Universidade de Aveiro, com a mesma nota final).
Quais os pontos críticos para o crescimento de Portugal?
[Os Pontos críticos para o crescimento em Portugal são] em primeiro lugar, as pessoas. E nas pessoas implica duas dimensões: educação e competências. Em segundo, estabilidade e credibilidade das instituições, e isso implica comportamentos, valores e previsibilidade nas relações comerciais. Em terceiro lugar, a orientação da sociedade para aquilo que é vital para promover o crescimento económico, que é o equilíbrio entre o braço distributivo e o braço produtivo. Não passar o braço distributivo à frente do braço produtivo, porque só se pode distribuir aquilo que se produz e tem de se perceber que aquilo que se produz não surge do acaso. Surge da inteligência, do empreendedorismo, da poupança, do investimento e, para um país da nossa dimensão, de uma adequada presença internacional nos mercados.
Depois, uma outra dimensão é equipar com capacidade competitiva e isto implica inovação, ou seja, ter corredores entre as universidades e as empresas, para que a inovação flua. É preciso ter nas empresas elementos de absorção do conhecimento e de transformação de produtos. Isto significa que é preciso construir um tecido empresarial que seja capaz de absorver o conhecimento e transformá-lo em capacidade competitiva. E um tecido empresarial com estas características tem de ter dirigentes capazes e ter dimensão. Têm de ser dirigentes que apostem no médio e longo prazo e que percebam que o objetivo último de uma empresa é sobreviver — não é aparecer e desaparecer — e é crescer e não estagnar.
Temos de ter organizações que sejam capazes de passar à Champions porque precisamos de ter empresas que tenham dimensão para serem agentes de inovação e agentes de congregação das competências que são necessárias.
O problema que se coloca no mercado português é que temos um tecido empresarial que reflete um empreendedorismo muito mais forte do que as pessoas imaginam, e com capacidade de resposta às oportunidades superior àquilo que as pessoas pensam. Mas depois temos um problema que é não passarmos da segunda divisão para a primeira, para depois podermos chegarmos à Champions. Temos de ter organizações que sejam capazes de passar à Champions porque precisamos de ter empresas que tenham dimensão para serem agentes de inovação e agentes de congregação das competências que são necessárias. Ou seja, é muito mais no plano dos valores e institucional que temos de trabalhar. Se tivermos isto, o capital aparece e os investidores aparecem.
O que distingue as empresas portuguesas das espanholas?
Um dos problemas em Portugal é o facto de ser [nas empresas] muito dependente do fundador e da primeira geração seguinte. Depois há um outro problema de cultura. A cultura de gestão em Portugal é menos discutida e menos refletida na fase de tomada de decisão e mais complacente na fase da execução. Em Espanha, a gestão é precedida de uma discussão que é muito intensa, mas a decisão é muito firme e vinculativa.
A cultura de gestão em Portugal é menos discutida e refletida na fase de tomada de decisão e mais complacente na fase da execução.
A cultura portuguesa é uma cultura de silêncio até à fase decisão e depois de uma fase de desvinculação depois da tomada de decisão. Depois há uma fase subsequente que é de ninguém querer assumir os desvios. Como ninguém quer assumi-los, a tendência é retardar o reconhecimento do desvio. Os espanhóis são muito mais rápidos a reconhecer o desvio do que nós, porque se sentem mais comprometidos e mais solidários no reconhecimento. Não são melhores a decidir, não têm melhores quadros de reflexão, mas têm um outro quadro mental no que diz respeito à qualidade da decisão. E isso só se supera com administrações profissionais e com uma nova cultura de interação.
Tanto quanto possível deve-se consensualizar uma decisão, sabendo, no entanto, que uma boa decisão não é uma decisão consensual. É uma decisão oportuna e devidamente fundamentada, e não tem necessariamente de haver unanimidade. Mas também sabendo que todos os que participaram no processo de decisão, mesmo quando não estão 100% de acordo, têm que estar 100% solidários na fase da execução.
Qual a perspetiva do Banco de Portugal face ao Brexit?
Relativamente ao Brexit, vamos ser muito claros. Uma unidade a 27 é menos do que a 28, não só em termos de número de membros como em termos de peso económico, peso demográfico e densidade de relacionamento internacional. A União Europeia constrói-se deste puzzle de sucessivas adições. Portanto, é uma peça do puzzle que falta. O que temos de esperar é que primeiro haja capacidade de preservar o relacionamento entre o Reino Unido e a União Europeia, e temos de esperar que o tempo faça o seu trabalho.
Manter um Reino Unido a contragosto nem é bom para o Reino Unido nem para a União Europeia.
Esperamos que a globalização acabe por se impor aos britânicos, que estes acabem por perceber que afinal estavam a perseguir uma ilusão. Isto vai levar com o tempo e implica uma catarse. Espero que no fim dessa catarse, tenhamos a oportunidade de dar as boas-vindas ao Reino Unido num outro estádio e num outro processo de integração. É a melhor forma de ultrapassar a atual situação. Manter um Reino Unido a contragosto nem é bom para o Reino Unido nem para a União Europeia. Ter um Reino Unido de regresso, motivado e de boa vontade é o melhor para a União Europeia e para o Reino Unido.
Quanto à preparação [para o Brexit], estou convencidíssimo que do lado de Portugal a preparação está feita. Preparar não significa ter o roadmap, significa saber como reagir a cada obstáculo que se possa colocar no caminho. No caso do BCE é exatamente o mesmo. Todos temos e estamos preparados para reagir às incidências ou contingências do processo. A única coisa que é precisa é que as contingências do processo sejam objeto de um diálogo construtivo entre as duas partes.
Qual o custo de um Brexit imposto?
O Reino Unido, se tiver um Brexit menos acordado, vai ter de aplicar a todos os Estados-membros e a todas as entidades terceiras tarifas em pé de igualdade por que faz parte da Organização Mundial do Comércio. O que significa que não há uma desvantagem relativa, o que há é um aumento relativo dos preços dos produtos importados. Como o Reino Unido não tem capacidade própria na produção industrial que permita substituir as importações da União Europeia, o que vai acontecer é um encarecimento dos produtos que tem impacto sobre o consumidor e vai afetar o lugar do Reino Unido nas grandes cadeias de produção.
Basicamente, os custos vão estar do lado de lá. Do lado de cá, vamos ter os custos do empobrecimento coletivo, sobretudo na primeira fase em que haverá uma quebra de importações por razões ligadas ao aumento do preço e à queda do produto. Mas a contabilidade que está feita mostra que não somos os mais afetados porque não é o tipo de relacionamento que temos.
Novas economias menos desenvolvidas podem contribuir para novas iniciativas de saída do euro?
De forma nenhuma. Temos de saber viver com as assimetrias dos níveis de desenvolvimento num quadro de soberania partilhada. O nosso problema é que temos de ter uma arquitetura institucional para lidar com o facto de darmos voz a quem sofre de assimetria de desenvolvimento a nível dos Estados e criar consensos com este tipo de situação.
Isto significa que o grande desafio que se coloca é no quadro institucional. Conseguir convencer os que podem a ser generosos e convencer os que necessitam a ser eficientes no uso dos recursos. E, sobretudo, perceber claramente que a primeira máxima que as regiões menos desenvolvidas têm de assumir que são as primeiras responsáveis a ajudarem-se a si próprias. Uma lógica assistencialista dentro da União Europeia seria um problema a prazo para a União Europeia.
A política monetária fez tudo o que havia a fazer, agora a evolução depende do estímulo de procura agregada que haja da parte da política orçamental.
Qual o papel do BCE nos dias de hoje?
O papel do BCE é o mesmo que era antes, mas com novas circunstâncias, porque estamos neste momento a beneficiar de um esforço que foi feito pelo BCE, no sentido de evitar a deflação e de evitar uma recessão económica profunda. Fomos bem-sucedidos nesse aspeto.
O que é que esperamos agora? Esperamos, uma vez estabilizada a situação macroeconómica e financeira, que haja condições para voltar a uma nova normalidade em termos financeiros e de preços, mas uma nova normalidade que já não depende do Banco Central Europeu, a política monetária fez tudo o que havia a fazer, agora a evolução depende do estímulo de procura agregada que haja da parte da política orçamental. Porquê? Porque a resposta do investimento e a resposta do consumo à política monetária foi levada ao máximo.
Temos de ter consciência que a política monetária transferiu para os portugueses que tinham créditos à habitação todos os meses umas centenas de euros como forma de poupança de juros. Temos de ter consciência que a política monetária permitiu criar um número elevado de empregos, penso que tenham sido 11 milhões postos de trabalho na União Europeia. Isto porque impediu que a procura caísse, que destruísse a produção e o emprego.
Temos, tal como o médico, de aguentar o paciente estabilizado, ou seja, a nossa responsabilidade é manter a política.
Portanto, a política monetária está para a atual situação, como está o serviço de cuidados intensivos e urgência do hospital para o paciente que acaba de chegar. Fizemos as transfusões necessárias, a estabilização pela via do sistema financeiro e pela via de evitar a deflação e, agora, estamos a ligar para o ‘bloco operatório’ a perguntar quando é que vem alguém tomar conta do paciente e revitalizá-lo. Isso é o papel da politica económica e não nossa. Temos, tal como o médico, de aguentar o paciente estabilizado, ou seja, a nossa responsabilidade é manter a política.
Os Estados europeus poderiam beneficiar de um governo comum?
Há que distinguir entre o desejável e o possível. O desejável é ter um modelo semelhante ao dos Estados Unidos. O possível é tentar fazer convergir para esse modelo em pequenos passos, numa lógica de partilha gradual e crescente de soberania. No entanto, na minha ótica, vamos ter de encontrar um desejável onde a expressão de soberania de cada um e a sua partilha esteja sempre presente. Ter um centro independente dos Estados membros? Esqueçam, porque nesse dia teríamos fenómenos de populismo impossíveis de gerir.
Temos de jogar em dois tabuleiros diferentes: um tabuleiro da aceitação social e política e, por fim, um tabuleiro da necessidade económica. Este equilíbrio tem de ser permanente e temos modelos. Aliás na Europa de confederações onde isso acontece, como é o caso da Suíça. Temos de encontrar sempre um ‘eixo de transmissão’ para as ambições nacionais e temos de encontrar esse eixo de transmissão sem prejudicar a partilha de soberania. Todos têm de estar comprometidos, sentir que são parte da decisão, porque caso contrário não é possível e, ao mesmo tempo, a decisão tem de corresponder àquilo que se espera, o que implica uma sofisticação de funcionamento institucional correspondente. A questão que se vai colocar é se temos hoje um quadro institucional adequado para atingir este plano.
Nova liderança para o BCE pode ser benéfica para a União Europeia?
Primeiro, uma nova liderança para o Banco Central Europeu significa que estamos a aplicar o Tratado. Quem quer que seja o líder, tem uma obrigação de fundamentar as decisões num consenso tão alargado quanto possível, mas ao mesmo tempo não perder o timing da decisão. Isto significa que em alguns casos vai ser necessário fazer jogar regras de maioria. Desde que todos tenham participado na discussão é o normal de qualquer instituição que se insere no quadro democrático.
Perfil mais política de Lagarde relativamente ao de Mário Draghi significa mudanças no BCE?
Penso que não, e para explicar isso vou utilizar uma analogia relacionada com a música. Por exemplo, se dermos uma partitura de Chopin a dois violinistas, um põe mais sentimento, o outro menos, mas ambos têm de respeitar a partitura. O que importante é o resultado e não o background.
Penso que os custos de uma possível saída do euro são tão grandes que há mais probabilidades de novas adesões ao euro do que haver alguma saída do euro.
E os custos de uma saída da moeda única?
Penso que os custos de uma possível saída do euro são tão grandes que há mais probabilidades de novas adesões ao euro do que haver alguma saída do euro.
Qual o maior desafio da política monetária na Área do Euro?
O primeiro desafio é manter a cabeça fria e nervos de aço. Além disso não ficar assustado por eventuais descontentamentos que se vão gerar do lado daqueles que são afetados pela política monetária, porque a questão é que a política monetária trouxe muitos benefícios e o primeiro foi evitar uma deflação; o segundo foi evitar uma depressão; o terceiro foi criar emprego e ao mesmo tempo evitar a destruição do mesmo. No entanto, é necessário referir que estes são os beneficiários silenciosos e, agora vamos ter outra camada de pessoas, que sentem os efeitos colaterais da política e que vão ser muito mais barulhentos. Portanto, os que beneficiaram das taxas de juros baixas no crédito hipotecário e que pagam prestações para os bancos portugueses, que são um terço do que eram há dez anos. O segundo desafio é ter a capacidade para entender.
Além disso, é preciso ter consciência de que temos mitigar as consequências dos efeitos negativos da política monetária. É normal que por exemplo, as instituições financeiras ligadas aos seguros de vida ou ligadas aos esquemas de pensões por capitalização estejam hoje a sofrer com o facto de o rendimento não ser aquele que tinha sido previsto quando foram constituídos os fundos.
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Carlos Costa: “Só se pode distribuir aquilo que se produz”
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