Procura mundial por areia gera cada vez mais violência e mortes
É o segundo recurso natural mais consumido do mundo, fundamental para a construção de edifícios, estradas e até dos écrans dos telemóveis. Escassez está a gerar violência e mortes em vários países.
A areia tornou-se o segundo recurso natural mais consumido no mundo, mas a competição pela sílica mais pura tem resultado numa competição cada vez mais feroz e numa onda de violência e mortes em vários países.
Um empresário sul-africano morto a tiro em setembro, dois aldeões indianos assassinados num tiroteio em agosto ou o homicídio de um ativista ambiental mexicano em junho são apenas exemplos das consequências de uma guerra cada vez mais competitiva pela melhor areia, avançou a estação britânica BBC.
Embora pareça um recurso banal, a areia é um dos mais importantes ingredientes da nossa vida, já que constitui material básico para a construção das cidades modernas.
O betão usado para construir centros comerciais, escritórios, edifícios de apartamentos e até o asfalto das estradas, além dos vidros de todas as janelas e dos écrans dos telemóveis é constituído basicamente por areia e cascalho colados.
Até mesmo os ‘chips’ no interior dos telefones e computadores – tal como todas as peças de equipamentos eletrónicos – são feitos de areia.
Embora possa parecer um problema menor, já que o planeta está coberto de areia, desde os desertos do Saara e Arizona até às costas e praias de todo o mundo, a verdade é que o mundo começa a sentir falta de areia.
De acordo com a BBC, a quantidade necessária para prover as necessidades mundiais é de cerca de 50 mil milhões de toneladas por ano, ou seja, o suficiente para cobrir Portugal duas vezes e meia.
Além disso, nem todos os tipos de areia podem ser usados para fazer cimento. A areia que existe nos desertos tem um formato errado, já que o facto de a sua erosão ter sido feito por vento e não pela água, a torna demasiado suave e redonda para se manter colada e ser transformada em cimento estável.
A areia útil tem um formato mais angular e encontra-se nos leitos, margens e planícies de inundação dos rios, bem como em lagos e à beira-mar.
A procura por este material é tão intensa que, em todo o mundo, os leitos de rios e as praias estão a ficar despidos e as florestas têm sido destruídas, refere a estação pública britânica.
“A questão da areia é surpreendente para a maior parte das pessoas, mas não devia ser”, explica o investigador do Programa Ambiental das Nações Unidas Pascal Peduzzi, citado pela BBC.
“Não conseguimos extrair 50 mil milhões de toneladas por ano de qualquer material sem causar um impacto gigantesco no planeta e, consequentemente, na vida das pessoas”, alerta.
O principal fator desta crise é a urbanização. Todos os anos, a população mundial aumenta e há cada vez mais pessoas a deixarem as áreas rurais para irem viver nas cidades, especialmente nos países em desenvolvimento.
Na Ásia, África e América Latina, as cidades estão a expandir-se a um ritmo muito superior a qualquer outro na história da Humanidade.
O número de pessoas a viver em áreas urbanas mais do que quadruplicou desde 1950, atingindo atualmente os 4,2 mil milhões, sendo que as Nações Unidas preveem um crescimento de mais 2,5 mil milhões nas próximas três décadas. Este valor significa um aumento da área urbana mundial equivalente a mais oito cidades do tamanho de Nova Iorque por ano.
Construir alojamentos para albergar todas estas pessoas e estradas para lhes permitir moverem-se requer quantidades enormes de areia.
Na Índia, a quantidade de areia para construção usada anualmente mais do que triplicou desde o ano 2000 e continua a aumentar.
Só a China usou mais areia nesta última década do que os Estados Unidos em todo o século XX.
A procura de certos tipos de areia é de tal forma grande que o Dubai, país que se situa num enorme deserto, importa areia da Austrália.
Nos últimos anos, a areia deixou de servir apenas para construir edifícios e infraestruturas, passando a ser necessária também para aumentar os territórios de vários países.
A ilha em forma de palmeira do Dubai é talvez o exemplo mais mediático desta nova necessidade, mas muitas outras áreas estão a crescer à custa de areia das zonas costeiras.
No total, e de acordo com um grupo de pesquisa holandês citado pela BBC, os seres humanos acrescentaram, desde 1985, mais de 13.500 quilómetros quadrados de território artificial às zonas costeiras, uma área equivalente a um país como a Jamaica.
O crescente valor da areia levou muitos grupos criminosos a entrar no negócio, desenterrando toneladas de areia para vender no mercado negro.
De acordo com organizações de direitos humanos, há zonas da América Latina e de África onde as crianças são forçadas a trabalhar como escravas na extração de areia e os gangues pagam a polícias corruptos e funcionários dos governos para fecharem os olhos ou matar aqueles que se tentarem atravessar no seu caminho.
José Luis Álvarez Flores, um ativista ambiental do sul do México que lançou uma campanha contra a retirada ilegal de areia de um rio local, foi morto a tiro em junho passado, lembra a BBC.
Uma nota a ameaçar a sua família e outros ativistas foi encontrada junto ao corpo.
Dois meses depois, dois trabalhadores de extração foram mortos e dois polícias ficaram gravemente feridos num tiroteio iniciado quando os agentes tentaram travar um trator que transportava areia recolhida ilegalmente.
No início deste ano, um extrator de areia da África do Sul foi baleado sete vezes numa disputa com um outro grupo.
Estas são apenas algumas das mortes mais recentes. A violência causada pelo comércio de areia já matou várias pessoas no Quénia, Gâmbia e Indonésia, garante a estação britânica.
Na Índia, as lutas entre as “máfias da areia” – como lhes chama a imprensa local – provocou centenas de feridos e matou dezenas de pessoas. Entre as vítimas conta-se um professor de 81 anos e um ativista de 22, um jornalista que foi incendiado e pelo menos três polícias atropelados por tratores extratores de areia.
A consciência sobre os danos causados pela necessidade crescente de areia é, no entanto, cada vez maior e muitos cientistas estão a estudar formas de substituir a areia na composição do betão.
Mete Bendixem é um geógrafo da Universidade do Colorado, EUA, a quem as Nações Unidas e a Organização Mundial do Comércio pediram ajuda para reduzir o impacto da retirada de areias.
“Devíamos ter um programa de vigilância”, defendeu, considerando que é preciso gerir este problema de alguma maneira.
Atualmente, ninguém sabe exatamente que quantidade de areia está a ser retirada, nem onde e nem em que condições.
“Só sabemos que quanto mais pessoas existem, mais areia precisamos”, concluiu Bendixem.
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