Nuno Carvalho, sócio-gerente d'A Padaria Portuguesa, admite que a quebra de receitas das últimas semanas põe em causa o pagamento de salários a 1200 pessoas já no próximo mês. E pede medidas urgentes.
“Chamo-me Nuno Carvalho e sou Sócio-Gerente da A Padaria Portuguesa”, é assim que começa a carta aberta de um gestor ao ministro Pedro Siza Vieira. Não é uma carta de amor, é sobretudo um apelo à razão de um ministro e de um Governo para a urgência de apoiar as empresas portuguesas no contexto da crise de pandemia do novo coronavírus. E é brutal: “Perante uma inesperada e abrupta quebra de faturação, pela primeira vez na história da nossa empresa, as receitas deixaram de ser suficientes para cobrir os custos operacionais e, claro, os encargos financeiros. Mantendo-se este cenário, já no próximo mês não teremos capacidade financeira para pagar salários aos mais de 1200 colaboradores“.
A realidade do negócio degradou-se em poucas semanas. “Desde o dia 13 de Março que o nosso negócio teve quebras de 50% e, desde que foi decretado o estado de emergência, as quebras são superiores a 60%. Se por um lado estes números são positivos por representarem uma manifesta adesão da população à necessária quarentena, por outro lado, numa perspetiva empresarial, são números verdadeiramente desastrosos e que põem em causa a viabilidade do negócio e comprometem, já no curto prazo, a resposta aos compromissos com os colaboradores, com os fornecedores e até com o próprio Estado”.
O que quer, então, Nuno Carvalho? O gestor desta cadeia alimentar escreve ao ministro “com o objetivo de mostrar que as medidas apresentadas pelo Governo para o setor da Restauração, apesar de certamente bem intencionadas, não resolvem os problemas urgentes que as empresas enfrentam”. Uma carta sob a forma de email, que os tempos exigem rapidez, urgência mesmo.
Desde o dia 13 de Março que o nosso negócio teve quebras de 50% e, desde que foi decretado o estado de emergência, as quebras são superiores a 60%.
Perante este quadro, Nuno Carvalho escreve que as medidas anunciadas pelo Governo são insuficientes. “A conclusão é triste e a todos causa uma enorme decepção: as medidas apresentadas são ineficazes e de forma alguma oferecem soluções para os problemas de curto prazo que enfrentamos. São…uma mão cheia de nada”. E detalha cada uma delas.
- “O lay off simplificado é tudo menos…simplificado. É de interpretação dúbia e, sobretudo, não permite a uma empresa como A Padaria Portuguesa, que vinha com crescimento homólogos de negócio na casa dos 1,5%, utilizar este instrumento que, mais do útil, é crítico nesta fase para mantermos a nossa atividade, pagarmos salários aos nossos colaboradores, pagarmos faturas a fornecedores e pagarmos impostos ao Estado. A que propósito é que existe o critério que exige comprovadas quebras superiores a 40% durante 60 dias?! Significa, no caso da A Padaria Portuguesa, que, ao ritmo atual da quebra de vendas, apenas no fim de Abril estaríamos aptos a utilizarmos o mecanismo do lay off. Mas quem paga os salários e as contas dos fornecedores até lá?! Com que dinheiro?”
- “A medida do lay off deve poder ser utilizada de imediato para quem tem quebras atuais superiores a 40%. Porventura a medida terá sido desenhada para períodos de desaceleração económica e nesses casos para sentido tal como esta. Mas nos estamos a viver uma paragem abrupta e profunda do consumo, pelo que tal como está não serve”.
- “Além do problema que acima refiro sobre a elegibilidade para acionar o mecanismo, a lei tem outro problema: não tem sentido ser a empresa a avançar com os 70% do Estado quando está com um gigante problema de tesouraria…A maioria das empresas já não terão negócios nem colaboradores quando o acerto com a Segurança Social eventualmente tiver lugar. É um engodo”.
- “Por outro lado, o processo de candidatura tem que ser claro e não gerar dúvidas. Estamos a trabalhar com três sociedades de advogados e todos têm uma visão diferente sobre as regras do lay off simplificado. É assim que o Governo quer ajudar as empresas a manter a atividade económica?! É por isso urgente uma clarificação das regras da lei do lay-off simplificado”.
E se avaliação sobre o lay off é esta, sobre as linhas de crédito não é melhor:
- “As linhas de crédito lançadas são um excelente instrumento para ajudar a tesouraria nesta fase. Mas tem sentido as condições de spread que os bancos estão a fazer?! Saberá o Governo que se estão a praticar spreads de 3% quando o BCE ficou taxas de juro de -0,75%?! É razoável os bancos aproveitarem esta crise para fazer negócio desta forma?! E a burocracia que o processo de candidatura envolve?! Quando é que o dinheiro entra nas contas da empresa? Com que dinheiro pagamos as contas até lá?!”
Nuno Carvalho apresenta, nesta carta aberta ao ministro, um conjunto de propostas para o apoio às empresas. “Para que seja viável para uma empresa como A Padaria Portuguesa de manter ativa e com viabilidade, são críticas as seguintes medidas:
- Lay off simplificado – Aplicação imediata deste instrumento. Deixar cair a regra dos 60 dias com quebras de faturação superiores a 40% e libertar a carga burocrática do processo. E ser a SS a pagar os 70% desde logo e não em formato de “acerto de contas” mais a frente.
- Linhas de crédito – Intervir na fixação dos spreads dos bancos (deveriam ser mínimos, ao limite apenas para cobrir os custos marginais de estrutura que os bancos incorram para processar estes empréstimos), garantir carência na amortização do capital nos primeiros 6 meses.
- Carência fiscal de 3 meses para IVA, IRC, TSU.
- Rendas – O Governo, à semelhança de outros na Europa, deverá intervir e criar carência por 3 meses no pagamento das rendas não habitacionais – esta crise tem que ser paga por todos, os senhorios não podem ser excepção.
- Bancos – Concessão de períodos de carência de capital, até 1 ano, em operações que se encontrem em período de reembolso, com isenção de comissões e sem alteração nos spreads contratados.
A Padaria Portuguesa, revela o gestor, apresentou um resultado líquido em 2018 de dois milhões de euros, (5% das vendas líquidas), e pagou ao Estado, sob a forma de IVA, IRC, TSU e outros impostos, mais de cinco milhões de euros. “Ou seja, os acionista da empresa, que tomam um enorme risco e têm muito trabalho, ganham com o seu próprio negócio menos de metade do que o Estado ganha. Chega a ser caricato”, desabafa. Mas nesta carta não se fica a saber qual é a dívida da empresa.
A única solução, insiste Nuno Carvalho, é o Estado “injetar capital fresco de imediato nas empresas e confiar nos empresários que têm acrescentado valor ao país e sempre têm sido responsáveis nos seus compromissos e obrigações”.
“Caso isto não aconteça no prazo mais curto possível, teremos que apagar a luz. E mesmo que, no futuro, os sócios tentem recriar a empresa, milhares de famílias sofrerão com o desemprego. Para que a economia não chegue a desligar, urge mudar um pouco a direção, nuns casos, e ser mais ambicioso, noutros”. E despede-se, à espera de um email de resposta. “Grato pela atenção dispensada, aguardo feedback com expectativa”.
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Uma carta aberta de um gestor a Siza Vieira (e não é de amor). A Padaria Portuguesa está em risco de fechar
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