O que aprendeu a Europa com a derrota na Biodiversidade?
Depois de ter falhado o indispensável dos seus objetivos, a Europa sacode a poeira, assume a derrota, eleva a fasquia e faz uma declaração de estratégia total contra a perda de Biodiversidade.
Porque é que a Europa falhou os seus objetivos de Biodiversidade? Por que a lei foi fraca, porque os países foram moles, porque andou tudo a tomar a nuvem por Juno, porque se tentaram acomodar todas as inércias. Repare-se, não sou eu a dizê-lo, é a Comissão que o escreve, embora mais britanicamente, dirigindo-se ao Parlamento Europeu, ao Concelho, ao Comité Económico e Social e ao Comité das Regiões, através do documento que ontem foi divulgado: EU Biodiversity Strategy for 2030 (https://ec.europa.eu/info/sites/info/files/communication-annex-eu-biodiversity-strategy-2030_en.pdf)
Mas porque é que a lei foi fraca e desrespeitada? Porque as dezenas de políticas e diretivas, agrícolas, pescas, energia, cidades, compras públicas, impostos, simplesmente não davam prioridade à biodiversidade. Ela estava lá supletivamente, mais para estar do que para produzir efeitos. Estava mais em Bruxelas do que no terreno. Era mais para apontar caminhos do que para os impor. Era mais para se emaranharem todas as coisas umas nas outras do que para rasgar uma direção. Mais para desejar do que para exigir.
E agora, esta nova estratégia, ampla, detalhada, total, porque é que há de ser diferente? Porque é que há de ser vitoriosa se vem do chão dos derrotados? Como é que poderemos decidir se não é apenas uma ambição descomunal, uma idealização, uma fantasia? O que é que mudou na Europa funambulista dos equilíbrios e das pinças para podermos acreditar que algo vai romper e tomar outro rumo? É a pandemia e a extinção das abelhas? É uma Europa a abarrotar de dinheiro? É a tenacidade e a visão de Ursula von der Leyen, de Virginijus Sinkevičius, de Humberto Rosa?
Não sei. Não sabemos. Não há maneira de ter a certeza de que a Comissão Europeia será tão forte na execução como nas promessas. Temos de ver como é que os partidos no parlamento europeu e os interesses nos comités se mexem neste assunto, como é que as prioridades e emergências do imediato se sobrepõem, atrasam e condicionam a Estratégia de Biodiversidade. Até porque, veja-se bem, esta estratégia promete criar ou alterar cerca de 40 normas, delicadas, trabalhosas, polémicas, em 2020-2021.
Temos também de ver como é que os países acomodam esta “onda”, porque é isso mesmo que a Comissão lhe chama, se lhe tomam o braço e a levantam como estratégia nacional ou se a dissolvem no cinismo próprio do espetador. Temos de ver se o Estado português fica com o menino nas mãos ou se os partidos se chegam à frente, se os sindicatos compreendem, se as confederações patronais amplificam ou pedincham, se as autarquias batalham, e para que lado, se as ONGs capitalizam, se as empresas compreendem as vantagens e desvantagens competitivas que lhes estão agora abertas. Se as empresas que impactam diretamente a biodiversidade antecipam o desafio e se ajustam as suas opções. E aquelas que nunca pensaram em biodiversidade, se incorporam esse compromisso na sua carta de valores.
Perceba-se, o desafio lançado pela Comissão não é um decreto. Mas quer muito sê-lo.
- Quer libertar 25.000 km de rios e isso impacta muitas empresas.
- Quer cortar 20% nos fertilizantes e 50% nos pesticidas.
- E repor a diversidade genética das sementeiras.
- Quer desafetar usos e criar corredores ecológicos que atravessam os países.
- Quer estender e aprofundar as áreas protegidas para 30% do total.
- Quer proteger 30% da área dos territórios marinhos.
- Quer reservar 25% do território agrícola para produção biológica, modificando a formação dos preços e a competitividade. E mais 10% para agricultura promotora da biodiversidade.
- Quer plantar meia dúzia de árvores por habitante, três mil milhões ao todo. Mas árvores não industriais.
- Quer recuperar os solos degradados e devolver-lhes a fertilidade.
- Quer aplicar critérios de biodiversidade ao financiamento das empresas, estendendo os princípios aplicados à descarbonização (taxonomias financeiras).
- Quer estabelecer regras de biodiversidade para a instalação de parques eólicos offshore e parques fotovoltaicos.
- Quer rever a legislação relativa ao uso de biomassa nas centrais.
- Quer garantir a exclusão dos biocombustíveis que reduzem o sequestro de carbono nos solos em 2030.
- Quer aplicar 20 mil milhões de euros por ano na Biodiversidade e financiar-se no orçamento da Ação Climática.
- Quer criar um sistema fiscal baseado nos princípios “the user pays and the polluter pays”.
Quer! Mas sobretudo quer conseguir fazer.
Que havemos de pensar de tudo isto? Que há um certo e um errado? Que há o bom senso e o exagero? Que isto é apenas uma maneira rude de começar uma conversa europeia muito difícil?
Algures, há muitos anos atrás, o Manuel João Vieira, pintor, artista total, candidatou-se à presidência da república transfigurando-se no mais boçal dos candidatos. A satírica solução que ele propunha para, entre outros, acabar com o problema da biodiversidade, era asfaltar Portugal inteiro.
Só de pensar nessa hipótese hiperbólica, uma pessoa convertia-se à biodiversidade.
Mas hoje já não é tempo para sátiras. Todos o sabemos.
Portanto, ou estamos com a sra. Ursula von der Leyen ou contra ela.
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