Editorial

A história de um ministro (que não soube sair)

Mário Centeno teve sorte, e trabalhou para ela. Fica na história por causa do excedente, mas sai na pior altura, quando o Governo e o país mais precisava de um Ronaldo nas Finanças

Quando, no dia 13 de maio, noite já longa, António Costa e Mário Centeno desceram as escadas do Palácio de São Bento sorridentes depois de uma reunião de emergência por causa da crise política do Novo Banco, com uma encenação à qual faltou apenas o abraço da praxe para as televisões, percebia-se que a remodelação do Governo tinha acabado de ser decidida. Esteve quase um mês em lay-off político. Agora, de surpresa, no dia em que a proposta de Orçamento Suplementar é aprovado em Conselho de Ministros, Mário Centeno demite-se (como Costa fez questão de revelar) e sai na pior altura, quando não poderia sair, quando já se sabe que o país vai enfrentar a pior crise económica de que há memória.

Este é o primeiro ponto a reter de cinco anos de governação: Mesmo tendo em conta todo o desgaste a que terá sido sujeito, pela oposição, pelo PS, pelos seus próprios colegas de Governo, e pelos casos em que foi tropeçando pelo caminho, uns por responsabilidade própria, como a CGD, outros herdados, como o Banif, Centeno não deveria ter abandonado as funções agora. Quando as suas competências técnicas e a sua autoridade política mais são necessárias, é quando Centeno apresenta a demissão. E se sai porque está a preparar-se para ir para o Banco de Portugal, pior ainda. Intolerável, mesmo, independentemente das questões, óbvias, de conflitos de interesse.

Ao Ronaldo pede-se que jogue nos jogos mais importantes, naqueles mesmo decisivos, nas finais. E se António Costa não se cansa de dizer que atravessamos a maior recessão de sempre — 6,9% em 2020, e um défice de 6,3%, e uma dívida pública de 134,4% do PIB –, não jogam os melhores, substitui o ‘seu’ Ronaldo das Finanças? A história desta demissão, na verdade, ainda está por contar (e se calhar ficará por contar nos próximos meses). E ficará para sempre a dúvida se seria capaz de fazer em tempos de crise o que fez em tempos de vacas gordas.

Agora, não se pode criticar o ministro por sair nesta crise e acrescentar, logo a seguir, que foi um ministro incompetente. O que fica do ministro das Finanças demissionário, e que, nessa qualidade, ainda apresenta o orçamento suplementar de 2020 à hora a que escrevo estas notas? É o ministro do excedente orçamental e é também o ministro das Finanças que a direita gostaria de ter. Porque teve o discurso para os mercados, da consolidação orçamental no interior de um partido que, como se sabe, não tem propriamente carinho pelas contas certas, porque permitiu ao primeiro-ministro gerir a política gerir a estabilidade política sem deixar descarrilar o défice e a dívida.

Centeno foi um ministro com sorte, mas sabe-se também que a sorte dá muito trabalho. Teve sorte no ambiente económico que apanhou, e que resultou de reformas no mercado de trabalho e de produto nos anos do Governo de Passos Coelho, teve sorte na crescente intervenção do BCE nos mercados, teve sorte nas receitas extraordinárias que registou, como as do Banco de Portugal, teve sorte. Mas também trabalhou muito. No setor bancário, por exemplo, que foi lixo que ficou debaixo do tapete em 2014.

Centeno foi também o ministro das cativações (ou terá sido o ministro indigitado, João Leão), do corte do investimento público, do erro de perceção mútua com António Domingues na CGD, na venda do Novo Banco com uma garantia pública que tem outro nome.

A crise, a (in)capacidade de resposta do Estado às necessidades da economia por comparação com que estão a fazer outros Estados por exemplo nos auxílios de Estado a empresas também mostra o que não foi feito do ponto de vista estrutural. A conjuntura foi muito bem aproveitada, a consolidação estrutural das contas públicas foi limitada, e isso agora é mesmo um problema. Ou não se a União Europeia chegar a acordo em torno da proposta de plano de recuperação europeia da Comissão Europeia. E a sorte volta a ser essencial.

Mário Centeno entrou académico, vai sair político, aprendeu o melhor e o pior, tornou-se vaidoso, achou-se em determinados momentos o melhor do mundo, melhor do que António Costa, foi trunfo eleitoral, o ministro mais popular, coisa impensável para um ministro das Finanças, e levou alguns banhos de humildade, por exemplo quando perdeu a desejada candidatura ao FMI. O que se viu e ouviu ao longo do dia de hoje permite confirmar o que já era evidente, não deveria ter começado esta legislatura, e assim acaba por sair com fama, mas com pouca glória.

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