António Costa Silva tem muito mais que a recuperação económica nas mãos
Mais importante do que a pessoa em si e o método de nomeação - não tenho qualquer dúvida das qualificações, competência e bondade de Costa e Silva - é o programa que vai apresentar.
A nomeação de António Costa Silva para coordenar a elaboração do Programa de Recuperação Económica e Social 2020-2030 gerou polémica e comentário um pouco por todo o lado.
Podia ter sido conduzido de outra forma? Podia, se calhar devia. Nesta época em que precisamos de sinais e ações de mudança para um novo modelo económico e social – mais sustentável, justo e inclusivo – António Costa (o Primeiro-Ministro) podia ter dado o exemplo ao nomear uma equipa e não uma só pessoa. E uma equipa diversa, com homens e mulheres e de diferentes gerações.
Mas o despacho fala em “assegurar a coordenação dos trabalhos”, e portanto, como o próprio já confirmou, não vai trabalhar sozinho. Costa Silva está bem a tempo de assegurar essa diversidade (e transparência) nas pessoas com quem colabora.
E o programa de recuperação? Será verde?
Mais importante do que a pessoa em si e o método de nomeação – não tenho qualquer dúvida das qualificações, competência e bondade de Costa Silva – é o programa que vai apresentar.
No lado dos ambientalistas e dos que trabalhamos em sustentabilidade a reação foi de preocupação, ao ver um “homem do petróleo e do gás” ser nomeado para definir o futuro da nossa economia e política social. Preferi aguardar antes me juntar à indignação e, depois de ler a entrevista que deu ao Público, fiquei bem mais descansado.
Foram especialmente tranquilizadoras as passagens em que refere “não vou recomendar a aposta no petróleo e no gás” e completa com “vou recomendar uma grande aposta no cluster das renováveis. Acredito que a energia solar será uma das grandes soluções deste século”.
Costa Silva refere também que o programa que tem mente está “desenhado para responder a todos os desafios do Pacto Ecológico Europeu” que, para quem não conhece, assenta em pilares fundamentais como: proteção da biodiversidade, alimentação e agricultura sustentável, energia limpa, industria respeitadora do ambiente, um setor da construção mais limpo, mobilidade sustentável, eliminação da poluição e ação climática, com uma Europa neutra em carbono até 2050.
Um ponto a ter em conta ao fazer este programa será a questão das contrapartidas ambientais, como bem destacou recentemente a Sofia Santos. Uma vez que há tanto investimento e tanta promessa de dinheiro barato a chegar às nossas empresas, para fomentar a recuperação económica, é importante assegurar que são estabelecidas medidas (ou mesmo exigências) relativamente à performance ambiental (e porque não social?) das empresas e instituições que o recebem.
Finalmente uma rede ferroviária à altura de uma Europa do século XXI?
Outra aposta referida por António Costa Silva é a ferrovia, tanto a nível interno como as ligações internacionais, invertendo a tendência atual que culminou com o anúncio do encerramento da ligação entre Lisboa e Madrid e acabou com a forma mais sustentável de ligação entre as duas cidades.
Quando na GoParity fomos escolhidos para um programa da Google com sede em Madrid, passando a ter pessoas da equipa na capital espanhola, uma das primeiras preocupações foi a sustentabilidade das deslocações frequentes que passariam a haver. Se, com uma viagem noturna de 10 horas que então havia, já era preciso ser mesmo muito devoto da proteção ambiental, agora é impossível ambicionar uma viagem de baixa pegada ecológica.
No caso concreto da ligação a Madrid, Espanha já tem em construção a linha de alta velocidade até Badajoz e também já confirmou que não fará ligação à fronteira enquanto Portugal não assegurar a continuidade até Lisboa. Para isso, será preciso que parte do dinheiro que agora virá da Europa possa ser destinado a essa obra e permita a António Costa (o Primeiro-Ministro) voltar atrás no que disse em relação a este assunto pouco antes de começar a crise do COVID-19. As circunstâncias mudaram, passará a haver dinheiro para investir, só falta confirmar onde, e a ferrovia é uma aposta certeira.
Benefícios para a comunidade e para as populações locais
António Costa Silva tem uma abordagem pragmática à riqueza em recursos do país: se temos minérios nos quais assenta o futuro limpo que queremos criar, devemos utilizá-los. Não sendo uma verdade absoluta (os fins devem sempre justificar os meios, mas não quaisquer meios), é difícil discordar que tendo lítio, cobalto e outros devamos ignorar esse potencial. Serão escolhas estratégicas e decisões políticas – provavelmente muitas localizações deverão ser excluídas devido à sua sensibilidade ambiental ou proximidade de populações – e, como promete António Costa Silva na entrevista, deverá ser feito em “articulação com a sustentabilidade ambiental”.
No entanto, quando se fala em sustentabilidade, impacto ambiental e respetivas medidas de mitigação em Portugal, há muito que se lhe diga.
Para começar a “sustentabilidade” já não é um conceito suficiente, precisamos de regenerar. Porque não exigir que quando um projeto vai intervir numa determinada área geográfica, além de o ter que fazer de acordo com as melhores práticas disponíveis seja feita a regeneração de outra área ambientalmente degradada?
Por outro lado, a experiência mostra que as explorações de recursos locais, apesar de o prometerem com frequência, raramente têm sucesso (ou sequer tentam) em deixar benefícios para as comunidades locais. Comportamo-nos muitas vezes como se a “criação de postos de trabalho” fosse uma grande benesse que é dada às “pobres comunidades locais”, sem pensar na sustentabilidade a longo prazo e nas condições desse mesmo trabalho. Temos aqui também a oportunidade de fazer diferente e apostar na criação de riqueza descentralizada.
Paz intergeracional
Um dos temas que me tem gerado alguma frustração e até tristeza nos últimos tempos é a forma como a sociedade se tende a polarizar, em relação a qualquer tema que surja na opinião pública, esquecendo-nos que há todo um espetro de verdades e, mais importante, de valores como a empatia e a tolerância. As questões ambientais e climáticas não são exceção e tornaram-se uma espécie de embate de gerações. Exemplos são “essa pirralha devia mas é voltar para a escola” ou ”olha ela a andar no barco do Príncipe do Mónaco” em relação à Greta Thunberg e “a culpa é da vossa geração”, ou declarações de intenções que só podem ser assinadas por menores de 35 anos, promovidas por jovens que no fundo, aquilo que querem é mudar o rumo que levamos.
Mas esta mudança precisa de todos e não é momento de apontar culpados, nem de criar mais divisões: o mal está feito e quero acreditar que em todas as gerações fazemos o melhor que sabemos, tendo em conta a informação que temos. Agora é momento de envolver e agir.
António Costa Silva tem agora uma oportunidade histórica de, não só definir um caminho rumo à economia verde, sustentável e inclusiva, mas também de levar à conciliação geracional e mostrar que o exemplo continua a vir de cima.
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