A rede social que derrubou um Presidente
Um protesto gerido a partir do TikTok arruinou o comício de Trump e pôs em causa a campanha para a reeleição. Esta noite, milhares de adolescentes mostraram mais uma vez o poder do digital.
A máquina propagandística de Trump é bem oleada e costuma ser gerida de forma profissional. Mas os meses de inatividade pública por causa do Covid-19 e as manias de grandeza sobre a sua própria importância parece terem subido à cabeça da própria organização.
Desde há vários dias que se repetiam os alertas de que mais de um milhão de pessoas tinham pedido bilhetes para o comício, que deveria ter funcionado como o momento-chave para a renovação da campanha para a reeleição. A campanha chegou mesmo a colocar um palco no exterior do modesto pavilhão, de forma a organizar um evento para as massas que se deveriam aglomerar no exterior – e anunciou a presença do Presidente e do Vice-Presidente nesse palco. As imagens desta noite mostram um pavilhão com uma ocupação de dois terços, milhares de cadeiras por ocupar e zero pessoas no exterior. O palco exterior foi rapidamente desmantelado e o sabor a fracasso esteve presente ao longo de todo o evento, o que parece ter deixado Donald Trump furioso.
Uma rápida investigação do New York Times explica o que terá acontecido: graças a um apelo de uma mãe indignada na terça-feira, milhares de adolescentes espalhados pelos Estados Unidos fizeram o pedido de bilhetes usando números de telefone Google Voice e convenceram a campanha de Trump que o evento iria ser um sucesso.
Aparentemente, dezenas de milhares de vídeos foram produzidos, tornaram-se virais e foram apagados em seguida, de forma a não deixar rasto do evento. Se Trump perder em novembro, este evento vai ser estudado pelos especialistas como o momento em que tudo se desmoronou. E vários papers científicos serão feitos sobre a influência desta nova rede social na política americana – o que só confirma quão mal preparados estão os estrategas tradicionais para enfrentar esta nova realidade.
O TikTok tem os seus próprios problemas no que toca ao discurso de ódio, de aceitação de censura governamental e de privacidade. Vários documentos internos confirmaram que o algoritmo está manipulado de forma a favorecer gente nova e bonita e assim promover uma visão artificial do mundo – recusando “deficientes” ou escondendo conteúdo produzido por “pessoas velhas” ou com problemas de “gorduras”.
Para satisfazer vários governos autoritários, a TikTok tem censurado conteúdo na Indonésia, no Bangladesh, na Índia e, obviamente, na China: O massacre de Tienamen não existe na aplicação (e a personagem infantil Winnie the Pooh também não, por ser habitualmente comparado a Xi Jinping). Como é uma aplicação chinesa, levanta muitas questões sobre a privacidade e vários estudos concluíram que recolhe mais dados do que seria necessário para a sua utilização. Esses dados são cooptados pelas autoridades chinesas – algo que está explícito nos termos de utilização da própria app. Por isso está proibida no exército americano e há quem a queira banir no governo dos Estados Unidos e até entre os funcionários da Comissão e do Parlamento Europeu.
O que aconteceu esta noite em Tulsa é um novo capítulo na história conturbada da relação das redes sociais com a política. Pode não ter a importância que o Twitter teve para as primaveras árabes, mas vai certamente mexer com o discurso político e obrigar muito boa gente a perceber o poder de mobilização das gerações mais novas graças às ferramentas digitais que poucos entendem.
Ler mais: Uma rede social de origem chinesa com menos de três anos de vida que apela essencialmente a adolescentes, tem pouco conteúdo político e aposta no efémero não mereceu (ainda) um livro decente. Dos muitos textos disponíveis na internet, há um que merece especial atenção: é da Harvard Business Review e explica a estratégia que valida o crescimento global da rede.
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