Que desafios para as economias na gestão dos riscos climáticos?
É preciso trabalhar no sentido de tornar cada país mais resiliente ao risco climático e a desastres como os incêndios.
O verão está prestes a chegar, e com ele surge uma das realidades mais preocupantes em Portugal: a época de incêndios. Desde os desastres de Pedrógão Grande, em 2017, e da Serra de Monchique, no ano seguinte, a apreensão das autoridades e da própria sociedade a respeito deste tipo de fenómenos tem crescido, tendo levado o Governo português a repensar a sua resposta preventiva e reativa para tais cenários.
Já no início deste mês, Janez Lenarcic, Comissário Europeu para a Gestão de Crises, afirmou que a instituição que representa prevê uma época de incêndios florestais mais complexa na Europa quando comparada com outros anos, quer ao nível do número de incêndios, quer ao nível de área ardida. No entanto, aquilo que, à primeira vista, parece ser um cenário pontual, é na realidade uma tendência crescente, não só na Europa, como no resto do mundo. Recordemo-nos, por exemplo, dos incêndios de 2019 na Austrália e na Rússia: juntos representaram um total de 30 milhões de hectares de floresta ardidos que resultaram em perdas económicas na ordem dos 5 mil milhões de dólares e dos 300 milhões de dólares, respetivamente.
A verdade é que os fenómenos que eram tradicionalmente denominados desastres secundários, como os incêndios, as cheias e as secas, estão a ganhar uma nova dimensão: são mais frequentes e cada vez mais impactantes – e logo mais dispendiosos para os países – algo que se deve inquestionavelmente às alterações climáticas, fenómeno no qual, de acordo com a Organização das Nações Unidas, Portugal será um dos países mais afetados nas próximas décadas.
No atual contexto de emergência de risco climático, surge, em paralelo, um problema económico relacionado com a ainda baixa proteção que os países conseguem garantir em caso de desastre, uma vez que a protection gap – ou seja, a percentagem dos prejuízos económicos que não estão garantidos através de uma apólice de seguro – ainda continua bastante elevada. Prova disso são os dados publicados pela Aon no estudo Weather, Climate & Catastrophe Insight: 2019 Annual Report, no qual se concluiu que a protection gap a nível global foi de 69% em 2019, tendo aumentado 8% em relação a 2018. Só no ano passado, apenas 71 mil milhões – do total de 232 mil milhões de dólares de prejuízos – foram cobertos por apólices de seguros, o que determina um forte impacto económico nos países.
Vivendo nós um período delicado para as diversas economias em todo o mundo e com a emergência do risco de abrandamento do crescimento económico em diversos países – originado pela pandemia da Covid-19 – é preciso trabalhar no sentido de tornar cada país mais resiliente ao risco climático e a desastres como os incêndios, delineando uma estratégia de prevenção e mitigação do risco.
Em Portugal já se começa, gradualmente, a verificar algumas mudanças ao nível de medidas de alcance da neutralidade carbónica, como a substituição dos antigos veículos de transporte público por viaturas mais sustentáveis, a promoção da utilização de transportes mais verdes, e até a crescente utilização de fontes de energia renovável. Já ao nível dos incêndios, o Governo português tem implementado um conjunto de medidas de vigilância e preservação das matas e de aumento do número de meios de combate aos incêndios.
No entanto, é preciso ir mais longe, e esse caminho só poderá ser feito se os governos se aliarem às empresas e à própria sociedade civil.
No caso das empresas, há que começar por consciencializar o top management para a importância da gestão destes riscos. De acordo com outro estudo da Aon, o Global Risk Management Survey 2019, os riscos de desastres naturais e de alterações climáticas ainda não estão nas prioridades das preocupações dos gestores ao nível do risco, ocupando apenas a 23ª e a 31ª posição, respetivamente, num ranking que assinala quais os riscos que mais preocupam os gestores das empresas a nível mundial. Apesar destes números, acreditamos que estas preocupações venham a crescer nos próximos anos.
Acresce que as empresas – e os governos – devem ainda apostar na transformação dos modelos de negócio para uma estrutura mais sustentável e investir no desenvolvimento de soluções que tragam valor acrescentado na redução da nossa pegada ecológica (vemos, por exemplo, algumas indústrias a optar por reutilizar recursos como matérias-primas para os seus produtos).
Por fim e relativamente à sociedade civil, a mudança de paradigma prevê-se ser um processo mais complexo, uma vez que existe um conjunto de comportamentos já enraizados que requerem uma estratégia de consciencialização a médio-longo prazo para a adoção de novos hábitos mais sustentáveis. Acreditamos que, neste âmbito, uma maior participação dos cidadãos na discussão pública destas temáticas pode ser um primeiro passo para o seu maior envolvimento na construção de um futuro mais sustentável e mais preparado para enfrentar o risco.
Uma coisa é certa: o risco só é mitigado se trabalharmos juntos.
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